Por quê estou vendo anúncios no DCO?

Carla Dórea Bartz

Jornalista, com 30 anos de experiência (boa parte deles em comunicação corporativa). Graduada em Letras e doutora pela USP. Filiou-se ao PCO em 2022.

Filmes russos

Dois filmes sobre a Revolução Russa

Assistir a Outubro e a Lênin em Outubro permite entender os caminhos da Revolução a partir da forma como os cineastas a representaram em momentos distintos.

É interessante notar o papel de protagonista da Rússia em momentos de grave crise do capitalismo. Foi assim durante todo o século XX e agora, com a guerra na Europa e o lançamento do que parece ser um novo mundo multipolar, fica evidente a força do país para mudar os rumos da História. Parece que coube à Rússia, novamente, nos livrar de nazistas. E não estou falando somente dos da Ucrânia.

Por causa disso, escolhi dois filmes soviéticos como tema de meu texto desta semana. As duas películas têm como enredo a Revolução Russa, mais especificamente a batalha final que consistiu na tomada do Palácio de Inverno pelos bolcheviques em São Petersburgo, sob o comando de Lênin, em 1917.

Trata-se de Outubro, dirigido por Sergei Eisenstein em 1927, e Lênin em Outubro, de Mikhail Romm, lançado exatos 10 anos depois. Ambos foram encomendas do governo à agência de filmes soviética, a Mosfilm, para marcar os aniversários deste acontecimento histórico.

Assisti-los em conjunto é um exercício que permite entender os caminhos da Revolução a partir da maneira como os dois cineastas a representaram em intervalos distintos. Há claramente um choque entre as duas versões e este se dá nas escolhas formais.

O enredo é praticamente o mesmo, com os mesmos personagens e a mesma conclusão: em ambos, a cena final é o discurso de Lênin celebrando a vitória sobre o governo provisório de Kerensky. Trotsky é citado nos dois filmes da mesma maneira: é ressaltada a sua hesitação em aprovar a insurreição de outubro, defendida veementemente por Lênin e que acaba sendo a proposta vencedora.

Em 1927, Eisenstein testava os limites das suas teorias da montagem e exercitava o cinema como uma forma de representação revolucionária e política em sua essência. Para ele e muitos outros cineastas, o cinema era a forma de arte mais significativa do século XX.

Seu filme abre com uma dedicatória aos heróis daqueles meses em 1917 que culminaram nos eventos de outubro. Para ele, esses heróis eram o povo russo. Não há, em Outubro, um herói tipicamente burguês, protagonista da ação. Ao contrário, Eisenstein escolhe pessoas do povo para representar “tipos” revolucionários, criando um efeito que ele chama de “tipagem” em seu livro A Forma do Filme.

Estão ali representados os trabalhadores, os bolcheviques, os mencheviques, as mulheres revolucionárias, os soldados, os burgueses, os traidores. Eles não têm um nome definido ou uma narrativa específica. Mesmos os personagens históricos, como Lênin, Trotsky ou Kerensky, aparecem em momentos pontuais e não como foco do enredo. Eisenstein queria fazer da Revolução o seu personagem principal.

Aliada à “tipagem”, há ainda a montagem das cenas que são em sua maioria quadros elaborados com esmero e cuidado que ganham significados simbólicos e que buscam quebrar com a ilusão do real para serem mensagens da luta revolucionária, seja nos gestos dos atores, seja na composição frenética de armas que são jogadas no chão. Eisenstein usa as imagens para expor conflitos.

Em seu filme, Romm apenas recria o enredo de Eisenstein, modificando as escolhas formais do último. Para começar, como o próprio título indica, sua história foca na figura de Lênin e exalta seu heroísmo na condução da Revolução Russa. A película simplesmente segue as regras do drama burguês, mais especificamente do cinema comercial que era produzido por Hollywood naquele momento.

Obviamente que Romm sabia o que estava fazendo e deve ter conversado com Eisenstein a respeito. Em 1937, o stalinismo e a burocracia estatal já perseguiam todos que eram contra suas decisões. No campo das artes, era imposto o que ficou conhecido como “realismo socialista”. No cinema, isso significou incorporar o drama linear como mais “realista”.

As discussões sobre a forma estabelecidas por cineastas, dramaturgos e artistas no âmbito do modernismo russo foram consideradas supérfluas, difíceis de serem compreendidas e “inimigas o povo”.

Por isso a percepção, ao assistirmos Lênin em Outubro, de que há algo muito americano na sua abordagem. Mesmo assim, Romm tenta escapar da armadilha, adicionando momentos de humor a um assunto que deveria ser abordado com certa reverência.

Mesmo a figura de Lênin parece estereotipada e superficial. Há uma cena específica para o culto à sua personalidade, quando dois personagens assistem ele dormir de maneira enbevecida.

Em outro momento, os bolcheviques, dentro do Palácio de Inverno, se deparam com obras de arte importantes. Um personagem alerta seus camaradas: “aqui há obras de arte de valor inestimável, precisamos protegê-las como aquela estátua de Apolo”. Um camarada responde: “E qual das estátuas é Apolo?”.  Para ouvir: “Não importa. Usem suas facas e não tiros”.

Neste contexto, o filme de Romm deve ser visto como sintoma do momento histórico e das condições de sua produção dentro das transformações da Revolução Russa ao completar 20 anos. A película nos deixa perceber que o caminho traçado não era mais revolucionário como havia sido anos antes. As escolhas formais de Romm têm um certo simbolismo e didatismo invertidos.

Hoje, a Rússia, um país capitalista, volta-se para as suas próprias contradições e para sua própria História para se defender das imposições nefastas do decadente e perigoso imperialismo estadunidense. E, como protagonista, parece estar mudando o mundo novamente. Saberemos com mais certeza onde isso vai nos levar em breve.

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.