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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Imprensa

Democracia sem povo não é democracia

A esquerda deveria parar de ler os jornais da burguesia como se fossem o seu catecismo e de ouvir os comentaristas da Globonews como se fossem seus gurus de autoajuda

A grande imprensa brasileira, há dias sem dormir com medo de um golpe de Estado, amanheceu no feriado da Independência vaticinando a derrota de Bolsonaro antes mesmo de saber o volume de manifestantes que compareceriam aos atos programados para a data. A Folha de S. Paulo anunciava em editorial de capa: “Bolsonaro é o perdedor”, coisa que os jornalistas dos canais “alternativos” da internet ecoaram durante o dia todo.

No mesmo dia, o jornal dirigiu seu editorial de página interna à “elite”, assim denominada, a quem caberia “reagir”. Vejamos um trecho da mensagem:

Nessa reconstrução, existe um papel do qual a elite não poderá fugir O topo da íngreme pirâmide social brasileira apenas recentemente começa a dar sinais, ainda desconexos, de que não está disposto a aceitar os descalabros em curso. Será necessário fazê-lo com muito mais vigor.

Na linguagem pomposa de que se vale para mostrar a quem fala (e a quem serve), continua:

Desse estamento espera-se ainda compromisso bem mais firme com o avanço educacional e com a preservação ambiental.

Também da elite política agrupada nas principais instituições deseja-se mais. Seu trabalho não é apenas manter sólidos os pilares da democracia. Deveria ser mais ativa no avanço do arcabouço legal e na diminuição de incertezas jurídicas que atrasam o país.

“Elite”, é bom que se diga, é um termo que caracteriza o que de mais qualidade há em determinado lugar. Como se vê, é de todo impróprio usá-lo para nomear esse “topo da íngreme pirâmide social brasileira”, cuja atuação visa ao próprio enriquecimento à custa de transformar o país em capacho do imperialismo. Pouco importa a essa “elite” que nossas riquezas sejam sugadas e que nosso povo seja transformado em uma massa de miseráveis. Feita essa observação, que não nos parece secundária, voltemos ao chamado feito pelo jornal.

Num momento de crise, quando o fascismo arregimenta suas forças, o jornal que se diz a serviço da democracia faz um apelo a essa “elite”, a quem atribui o papel de liderar a contraofensiva “democrática”. Esquece-se, como parece evidente, do significado da palavra grega que faz questão de brandir. “Democracia” (“demo-”, povo + “-cracia”, governo) quer dizer “governo do povo”, mas, segundo o jornal da burguesia, é a tal “elite” que tem de reagir ao fascismo.

É verdade que, em editorial do ano passado, intitulado “Jair Rousseff” (trocadilho que lhe rendeu muitas críticas), o mesmo jornal lembrava a existência do povo. Com o firme propósito de defender a manutenção do teto de gastos, ameaçada por um Jair que poderia terminar como a Rousseff, disse o editorialista:

Ao final, os mais prejudicados serão, como de hábito, os pobres e miseráveis, que por inconveniência política constituem também a parcela mais decisiva do eleitorado.

A frase capciosa com que encerra o arrazoado passou despercebida pela crítica da esquerda pequeno-burguesa, que, na ocasião, só se preocupou com o título do texto, considerado ofensivo à ex-presidente Dilma Rousseff. O diabo, porém, mora nos detalhes – se é que se pode chamar de detalhe a frase final do editorial, na qual se considera uma “inconveniência política” (?) o fato de pobres e miseráveis constituírem a parcela mais decisiva do eleitorado.

Como se vê, não há preocupação com o fato de haver um grande contingente de pobres e miseráveis no país. O problema é terem essas pessoas o direito a voto e, pelo menos em tese, o poder de decisão nas eleições. Essa é a “elite” que defende a “democracia”, ou seja, uma “elite” que não é elite (a melhor parte) a defender uma “democracia” que não é democracia (governo do povo).

Se a tal “elite” é o pequeno percentual de gente muito rica (que a imprensa adora chamar de PIB) e o jornal defende os seus interesses, melhor seria, por amor à língua portuguesa, cunhar o slogan: um jornal a serviço da plutocracia (também palavra de origem grega, que quer dizer “governo dos ricos”; “pluto-”, riqueza + “-cracia”, governo).

Que os ricos não defendam os pobres, mas finjam fazê-lo, isso não é novidade. Problema maior, porém, é a esquerda também se distanciar do povo. Enquanto a burguesia coxinha, à maneira do dr. Frankenstein, está reunida para criar em laboratório o seu candidato de “terceira via”, a esquerda, ancorada nas pesquisas eleitorais, deixa Lula escondido. Em vez de organizar o povo (a tal “maioria inconveniente”), gasta seu tempo na defesa do STF e das sacrossantas instituições que deram o aval para o golpe de 2016 contra a presidente Dilma Rousseff, do PT.

Enquanto isso, nas entrelinhas, Bolsonaro diz à burguesia coxinha que ele não é “burro”, isto é, que ele sabe exatamente quais são os métodos dela, mostrando que seus trinta anos de baixo clero no Congresso Nacional não são um currículo tão desprezível quanto pudesse parecer à primeira vista.

Não é à toa que Bolsonaro ataca o STF. O golpe que apeou do poder Dilma Rousseff foi juridicamente travestido de impeachment (quem não se lembra dos incontáveis textos de articulistas de jornal a esgrimir argumentos para provar que tinha ocorrido “impeachment”, não “golpe”?). A prisão de Lula foi igualmente justificada pelo aparato judicial e, diga-se, não fosse o hacker de Araraquara, talvez o maior líder popular do país ainda estivesse encarcerado.

Quando desconfia de fraude na urna eletrônica, cuja proteção, afinal, está a cargo do mesmo sistema judicial que dá apoio ao grupo autodenominado “elite”, Bolsonaro talvez esteja falando com conhecimento de causa. E se essa mesma “elite” tiver fraudado a eleição em favor dele próprio (vamos lembrar a atuação de Sergio Moro no processo e sua posterior participação no governo)? E se essa mesma “elite” tiver acobertado a farsa da facada (que ainda pode vir a ser desmascarada)? Por que, afinal, a imprensa surtou ante a simples possibilidade de imprimir o voto da urna eletrônica, a exemplo do que se faz na maioria dos países que usam o sistema? Há perguntas ainda sem resposta.

Bolsonaro, quando afirma que só sai do cargo morto e que não vai ser preso, está dizendo aos golpistas de 2016 que não será Dilma nem será Lula na mão deles. Bolsonaro tem apoio nas Forças Armadas e nas polícias e, queiramos ou não, encheu as ruas de gente.

Não é a “elite golpista” que tem de dar o basta. A esquerda deveria parar de ler esses jornais como se fossem o seu catecismo e parar de ouvir os comentaristas da Globonews como se fossem seus gurus de autoajuda. Será que o identitarismo está corroendo o cérebro da esquerda? Ainda dá tempo de acordar. Hora de organizar o povo, com Lula à frente, e virar esse jogo. Que o IdentiDoria e sua trupe se recolham à própria insignificância.

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