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Carla Dórea Bartz

Jornalista, com 30 anos de experiência (boa parte deles em comunicação corporativa). Graduada em Letras e doutora pela USP. Filiou-se ao PCO em 2022.

Cinema

Danton, de Andrzej Wajda, mostra o terror como arma política

Filme mostra que a difamação, com ajuda do sistema de justiça, é a melhor arma contra adversários políticos

Uma das cenas mais emblemáticas da história do cinema abre o filme Danton, o processo da revolução (Danton, 1983), dirigido pelo cineasta polonês Andrzej Wajda.

Éléonore (Anne Alvaro), criada de Robespierre (Wojciech Pszoniak), dá banho no seu irmãozinho (Angel Sedgwick), um garotinho de sete ou oito anos. Enquanto o lava, ela o obriga a recitar os princípios da Revolução Francesa: “A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique a outrem”.

O menino, nu e indefeso, repete as frases em meio a lágrimas. Toda vez que ele erra um trecho, a irmã lhe dá um tapa nas mãos. A música dissonante de Jean Prodromidès confere um tom de suspense e de tensão à encenação.

Como é possível falar de liberdade por meio da humilhação? Como é possível ensinar democracia por meio da tortura? É com essa contradição impossível de conciliar, logo na abertura, que Wajda apresenta e ao mesmo tempo resume o enredo de seu filme de maneira exemplar.

A película não conta a história da Revolução Francesa. O cineasta escolhe um episódio específico do processo revolucionário, por volta de 1794, para discutir os impasses diante da História que escapa do controle das mãos dos protagonistas, por mais que imaginem fazer o que é correto ou do bem, como Éleonore, que quer formar um revolucionário na base de tapas.

O episódio escolhido ficou conhecido como o Terror e mostra a derrocada dos ideais revolucionários de transformação social e as escolhas autoritárias do governo republicano, liderado por Robespierre.

Um a um vão sendo extintos os direitos democráticos dos cidadãos em meio a brigas entre as facções. Há a censura à imprensa, a execução sumária de opositores na guilhotina, a crise econômica e o fim das ilusões de uma sociedade verdadeiramente igualitária e fraterna. “Terror é desespero”, diz Robespierre em um dado momento.

No enredo, Robespierre acusa Danton (Gérard Depardieu), importante líder popular e antigo aliado, de traição e corrupção. Por sua vez, o acusado é contra as manobras autoritárias e busca no apoio do povo um jeito de parar seu adversário. Ele é subjugado e submetido a um julgamento farsesco, sem provas ou testemunhas, que tem apenas como objetivo levá-lo ao cadafalso.

O sistema judiciário, claro, é o grande validador das arbitrariedades. Qualquer semelhança com fatos recentes no Brasil só mostra que a difamação ainda continua a ser a melhor arma contra opositores políticos. O próprio Danton reconhece que essa é uma estratégia velha e gasta no xadrez da política.

A importância do filme está na abordagem destes fatos. Wadja não está interessado em mostrar como esses homens chegaram a esse impasse ou em simplificar a questão transformando Robespierre em um vilão e Danton em herói. Ao contrário, ambos são ambíguos e complexos.

É aí que reside a grandeza de seu filme, que passa longe do drama hollywoodiano e usa elementos épicos. Em vários momentos, os personagens fazem perguntas com gestos enfáticos dirigidos a Robespierre. Temos o uso da câmera subjetiva, como se o diretor nos colocasse no lugar do personagem e nos forçasse a tomar decisões em seu lugar. Em outros momentos, a encenação se aproxima do teatro.

Todos esses efeitos visam provocar um certo distanciamento em quem assiste. Trata-se de uma técnica chamada de efeito de estranhamento, teorizada e utilizada por Bertold Brecht no desenvolvimento do seu teatro épico na Alemanha do entre Guerras, como forma de contestar o drama burguês. Visa provocar questionamentos sobre o narrado e evitar uma espécie de mergulho inconsciente no espetáculo e uma identificação inconsequente com um ou outro personagem.

O foco de Wadja é a política. A política é seu personagem principal. Danton é um grande filme sobre política que tem a Revolução Francesa como cenário. Uma escolha proposital que visa uma discussão sobre o tema e sobre os reiterados erros daqueles que buscam a transformação da sociedade.

Uma leitura do filme à luz de seu contexto de produção, no início da década de 1980, ajuda a enriquecer nosso olhar sobre esta obra. O colapso soviético aconteceria poucos anos depois de seu lançamento, quando a burguesia neoliberal dos países da OTAN, dando origem ao capitalismo financeiro e à globalização, inauguraria o mundo como o conhecemos hoje. Alguns definiram o momento com bobagens como “o fim da História” ou “o fim das esquerdas”.

Tudo esquisitice pós-moderna que é urgente superar. Foram essas ideias reacionárias que pariram as esquerdas inúteis que conhecemos hoje. O filme de Wadja é uma reflexão sobre o desespero daqueles que perderam completamente a Razão revolucionária, máxima dos iluministas e daquela Revolução que mudou a face do mundo e de todas as revoluções que a seguiram.

Em nosso momento revolucionário, no qual o desespero autoritário, assassino e persecutório está à solta novamente, que possamos aprender com esses fatos históricos e não sucumbir como eles.

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* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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