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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Destruição Neoliberal

Crise econômica brasileira: singularidades de Santa Catarina

Apesar de sofrer menos os impactos da crise, em alguns setores, que a média nacional, a crise e os ataques neoliberais tem jogados os catarinenses na pobreza e na informalidade.

SC

Os brasileiros vivem uma espécie de pesadelo horripilante, há alguns anos. Com a crise mundial do capitalismo, após quase quatro décadas de destruição neoliberal (praticamente sem interrupção), uma pandemia, e todo o estrago feito a partir do golpe de 2016, a situação beira ao insuportável. O pano de fundo internacional desse pesadelo é a crise capitalista, possivelmente a mais grave da história, e que a cada ação importante do imperialismo torna o quadro ainda mais difícil.

Por exemplo, os EUA, objetivando enfraquecer um dos seus principais inimigos, a Rússia (que estava quieta no seu canto), forçaram a guerra na Ucrânia colocando o povo deste país numa verdadeira encalacrada. A guerra e todas as suas graves consequências, pioraram a situação mundial e puseram os aliados dos EUA na Europa em uma sinuca de bico, sem suprimento estável de energia, o que é vital para o funcionamento de qualquer economia. Ao invés de a iniciativa aliviar a crise mundial, a situação piorou muito, com risco inclusive de o conflito escalar em termos globais. Curiosamente, os EUA parecem que não aprenderam a lição e estão repetindo os mesmos erros em Taiwan, reconhecidamente território chinês, violando, inclusive, tratados firmados anteriormente com a China. Apesar da sofisticada diplomacia chinesa (e talvez por isso mesmo), a operação tende também a não dar certo.

Apesar da brutal crise no Brasil e no mundo, suas manifestações se concretizam de forma peculiar nos vários espaços geográficos. No Brasil, dada sua grande extensão territorial e desigualdades regionais, as especificidades são bastante relevantes. Vale comparar alguns aspectos da situação verificada no Brasil e em Santa Catarina:

1. Crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Entre 2016 e 2021, a economia brasileira cresceu meros 0,23% ao ano, o que significa decrescimento do PIB per capita. É o pior período de evolução do PIB da história do Brasil que se tem registro. Neste ano, o crescimento deve ficar em torno de 1%. A economia catarinense vem crescendo acima da média nacional desde 2016. Passou por um ano de crescimento elevado em 2021 (8,3%, conforme estimativa da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico Sustentável – SDE), e agora atravessa um período de aparente acomodação. O crescimento diferenciado dos estados decorre de vários fatores: setores que predominam na geração da riqueza, posição no comércio internacional (balança comercial do estado), e inúmeros outros fatores.

Em face de um quadro geral muito desfavorável, o PIB, como em regra os principais indicadores de Santa Catarina, desaceleraram no primeiro trimestre de 2022, em relação ao ano passado. Dessa forma, e também em função da base elevada de comparação com o ano anterior, a estimativa de crescimento da economia catarinense para os quatro trimestres terminados em março de 2022, em relação ao mesmo período anterior, é de alta de 6,4%. Este percentual, apesar de significar uma desaceleração em relação aos quatro trimestres encerrados em dezembro do ano passado, é muito superior ao crescimento previsto do Brasil, em torno de 1,7%. Segundo as previsões, a economia brasileira deve ter um dos piores desempenhos das economias globais e provavelmente apresentará um crescimento inferior à estimativa do Fundo Monetária Internacional (FMI) para a América Latina e Caribe, de 3% neste ano;

2. Pobreza e fome: Segundo pesquisa da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), 40% dos domicílios brasileiros convivem com algum tipo de insegurança alimentar, equivalente a cerca de 125,2 milhões de pessoas. O número é impressionante, pois representa mais da metade da população do país. Em Santa Catarina, localizada na macrorregião do Brasil com a menor incidência da pobreza dentre as cinco existentes haviam, em 2020, 137.541 pessoas na condição de extrema pobreza, ou seja, vivendo com renda de até R$ 155,00 per capita mensal, além de 615.315 pessoas enquadradas como pobres, cuja renda domiciliar per capita não ultrapassava a R$ 450,00 mensais(1). Segundo estudo divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, o Mapa da Nova Pobreza, no dia 30 de junho último, cerca de 164 mil moradores de Santa Catarina passaram a viver na pobreza em 2021. Ou seja, esse número de residentes no Estado viviam no ano passado com renda domiciliar per capita de até R$ 497,00, critério de corte adotado pelo estudo para definição da condição de pobreza;

3. Infraestrutura. Não há obras públicas importantes no País, o que compromete o próprio futuro da nação. Com a entrega da Eletrobrás, como investimentos em infraestrutura são realizados pelo setor público, o País como um todo corre o risco, inclusive, de ter apagões, como já ocorre em certos estados onde o serviço foi privatizado. Por outro lado, a previsão é que o Brasil gaste com os serviços da dívida pública algo entre R$ 600 a 700 bilhões neste ano, o equivalente a vários orçamentos federais para a Educação. Somente o aumento da taxa de juros, por decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), tomada no dia 03 último, em mais meio ponto percentual, representará um acréscimo nos juros pagos pelo Brasil, em cerca de R$ 15 bilhões. A decisão não irá conter a inflação, mas serve para encher ainda mais os cofres dos banqueiros (objetivo principal e inconfessável da decisão do Copom).

Segundo a FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina), em documento intitulado Agenda Estratégica da Indústria, publicado em dezembro de 2021, há 12 obras prioritárias que o Estado deveria realizar para avançar em termos de desenvolvimento econômico e social: nas malhas rodoviárias, ferroviárias, aquaviárias, aeroviárias e dutoviárias, em 2022. Segundo o documento mencionado, haveria necessidade de R$ 18,5 bilhões até 2025 para manter e ampliar a infraestrutura logística no setor de transporte.

Desses recursos, R$ 5,6 bilhões deveriam vir do governo federal. No entanto, no ano passado o governo Bolsonaro cancelou quase R$ 40 milhões somente de investimentos previstos em rodovias federais localizadas no Estado. Foram cortados R$ 25 milhões para a BR-470, no Vale do Itajaí, e R$14,6 milhões para a BR-163, no Oeste do Estado. Segundo a FIESC, os investimentos do governo previstos para 2021 eram de R$ 493 milhões para infraestrutura rodoviária e, até novembro, o Estado só tinha recebido R$ 192 milhões, ou seja, 38,9% do previsto. Esta é a política do governo Bolsonaro/Guedes para todo o país: sucatear ativos públicos, justificando assim sua entrega para o setor privado;

4. Mercado Consumidor Interno: a política macroeconômica a partir do golpe de 2016 vem destruindo o mercado consumidor interno através de mecanismos vários: liquidação da renda dos trabalhadores, não reposição das perdas salariais, ausência de crescimento, fim dos aumentos do salário mínimo, elevação da taxa de desemprego, incentivo ao trabalho informal, etc. Todas essas políticas que reduzem o tamanho do mercado consumidor interno representam uma receita para o país nunca ser potência econômica. Santa Catarina sofre das mesmas agruras verificadas nacionalmente, guardadas suas especificidades. As consequências são menos graves porque o Estado tem menor incidência de pobreza e uma menor taxa de desemprego, do que a média verificada no país.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), o Estado apresentou a menor taxa de desemprego entre os estados: 4,5%, no primeiro trimestre de 2022. Mesmo assim, do total de catarinenses ocupados no primeiro trimestre deste ano (3,808 milhões), 1,05 milhão de pessoas, representando 27,7% das pessoas ocupadas, estavam na informalidade. Esse indicador horroroso, quando comparado com a média nacional se torna positivo: é o menor percentual entre os estados, cuja média atinge 40,1%.

5. Política Fiscal: a lei que estabeleceu o Teto de Gastos, uma das primeiras medidas do governo golpista de Michel Temer em 2016, praticamente inviabiliza o crescimento, e especialmente investimentos nas áreas estratégicas e de caráter social. Os orçamentos para a Educação e Saúde, assim como os investimentos em obras do governo federal para este ano, são os menores da história, em termos reais. Em Santa Catarina as Receitas Correntes cresceram 22,2% nos últimos 12 meses até maio (comparado com o mesmo período do ano anterior), com aumento de 24,3% da Receita Total e de 57,5% das Outras Receitas Correntes. Já a Receita Corrente Líquida (RCL) cresceu, no mesmo período, 20,4%.

Este desempenho robusto da arrecadação estadual está relacionado, em boa parte, ao crescimento da inflação, que no período apontado ficou próxima a 12%. O aumento da arrecadação está associado também ao crescimento do produto acima da média nacional, como vimos antes, de 6,4% em 12 meses até março (abaixo do ritmo que vinha crescendo até dezembro, mas bem acima da média nacional). Neste contexto, a Receita Corrente Líquida, vem expandindo acima da evolução das despesas. Esse crescimento, somado ao fato de que o governo não concede reajuste geral de salários para os servidores públicos há vários anos, vem reduzindo o percentual de comprometimento da RCL com salários: fechou o primeiro quadrimestre de 2022 em 41,1%, o que oferece margem para reajuste salarial dos servidores;

6. Inflação alta: O país sofre os efeitos dos aumentos de preços, principalmente, dos alimentos, combustíveis e de eletricidade. A inflação é um problema mundial atualmente, mas o Brasil tem o agravante da classe trabalhadora estar em um dos maiores ciclos de empobrecimento da sua história. Em Santa Catarina, esse impacto pode ser medido, além dos índices gerais de preços, pelo custo da cesta básica de sua capital. Em Florianópolis, onde o conjunto dos alimentos básicos apresentou o segundo maior custo do país no mês de julho, a cesta está custando R$ 753,73. Com base na cesta mais cara (R$ 760,45, em SP), o DIEESE estima que o valor do salário mínimo necessário, em julho, para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 6.388,55, ou 5,27 vezes o salário mínimo de R$ 1.212,00.

7. Indústria: A economia nacional vem se desindustrializando desde a década de 1980. Como se sabe, há toda uma relação entre indústria e desenvolvimento e indústria e soberania nacional. No fundo, o sonho de Paulo Guedes e Bolsonaro é o de tornar o país um mero provedor de matérias-primas para o desenvolvimento dos países ricos. Segundo a Pesquisa Industrial Mensal (PIM-IBGE), em doze meses até abril, a indústria de transformação no Estado cresceu 0,1%, mantendo a tendência de desaceleração observada desde setembro do ano passado. A combinação de indicadores da economia atualmente é “nitroglicerina pura” para a indústria: inflação elevada, arrocho salarial, desemprego alto e elevado endividamento das famílias. O país voltou a ter as taxas de juros mais altas do mundo, o que torna o investimento produtivo muito menos interessante que a especulação financeira.

Por outro lado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que deveria financiar a produção industrial, vem sendo sucateado desde o golpe de 2016. Esses elementos somados, num contexto de crise internacional dramática, que levou à desagregação das cadeias produtivas globais e ao aumento do preço da energia, desarticulou a indústria em todo o país. Em Santa Catarina, a estagnação da indústria exerce elevada influência sobre toda a economia, pois, além de significativo peso no PIB, a indústria emprega quase 24% dos trabalhadores ocupados, equivalendo a um exército de 906 mil trabalhadores.

__________

1) Segundo artigo do Professor Lauro Mattei, A Pobreza no estado de Santa Catarina, do final do ano de 2022, do curso de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração da UFSC e Coordenador Geral do NECAT-UFSC.

* A opinião dos colunistas não expressa, necessariamente, a opinião deste Diário

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