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Felipe Maruf Quintas

Mestre e doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Subserviência

Bolsonaro e o rebaixamento diplomático do Brasil

Brasil renuncia à autonomia diplomática e, mesmo não cabendo no quintal de ninguém, faz de tudo para caber

bolsonaro internacional

No governo Bolsonaro, pela primeira vez na história do Brasil, a diplomacia brasileira abdica de qualquer interesse e projeto próprio em prol de um alinhamento incondicional ao centro financeiro hegemônico, no caso atual, os EUA.

O Brasil, liderança sul-americana natural, comporta-se como se fosse o 51º estado norte-americano, a tal ponto que até mesmo posições controversas defendidas de alguma forma por Bolsonaro e seus militantes, como o ceticismo em relação à narrativa das mudanças climáticas, são prontamente abandonadas na prática para se atender aos reclamos e posicionamentos dos EUA.

Nem mesmo durante governos que não escondiam sua inclinação para certo grau de alienação da autonomia nacional no plano externo, como o de Castelo Branco – cujo chanceler Juracy Magalhães proclamara que o que era bom para os EUA o era para o Brasil – e o de FHC – que assinara o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e cujo chanceler Celso Lafer aceitara retirar os sapatos para ser revistado por autoridades dos EUA -, a diplomacia brasileira assumira posição tão inerte e passiva frente às grandes questões surgidas. Por exemplo, Castelo Branco rejeitou o envio de tropas brasileiras ao Vietnã e preferiu a Embratel à multinacional norte-americana ITT para estruturar o sistema nacional de telecomunicações, enquanto FHC protelou ao máximo o ingresso do Brasil na ALCA, finalmente sepultado no governo Lula.

Pior ainda, a subordinação irrestrita aos EUA, hoje em dia, se dá em pleno “outono” do poderio internacional daquele país, cada vez mais desafiado pela ascensão industrial-comercial da China e pela crescente multipolaridade mundial, que abre um espaço extraordinário para países como Brasil conduzirem políticas soberanas de inserção global.

Nos anos da Guerra Fria, quando, por baixo do guarda-chuva dos EUA e das instituições de Bretton Woods por eles controladas, vários países alcançaram formidáveis taxas de industrialização, o Brasil, sem flertar com a URSS, soube aproveitar as brechas da hegemonia norte-americana em seu próprio proveito, muitas vezes entrando em choque com ela, como quando JK rompeu com o FMI e Geisel denunciou o Acordo Militar Brasil-EUA.

Hoje, quando o enfraquecimento dos EUA como centro hegemônico abre espaço para a afirmação internacional de potências regionais, sem que nenhuma tenha, por ora, capacidade de criar em torno de si um campo gravitacional de dimensões mundiais, o Brasil, cujas dimensões geográficas, econômicas e demográficas o habilitariam a exercer um maior protagonismo e a disputar com mais veemência um assento no Conselho de Segurança da ONU, simplesmente abdica de qualquer iniciativa que aumente sua projeção diplomática e geopolítica.

A razão para isso reside na visão de mundo distorcida do bolsonarismo, segundo a qual o globo seria dividido entre a civilização judaico-cristã, hegemonizada pelo Atlântico Norte, do qual o Brasil seria um prolongamento ultramarino, e os seus inimigos, identificados com China, Rússia e o mundo árabe. Os amplos e longevos interesses comerciais do Brasil com esses países, solidificados pela forte presença aqui de descendentes de sírios e libaneses e pela parceria com Rússia e China no âmbito dos BRICS, são, assim, escamoteados em favor de uma priorização de um “choque de civilizações” no qual o Brasil, mais realista que o rei, tomaria partido por um rei que sequer o reconhece como súdito, mas como estrangeiro.

Em nome do choque civilizatório, o bolsonarismo é capaz, inclusive, de abrir mão de algumas das suas posições simplesmente para não se situar ao lado dos “inimigos do Ocidente”, provando, assim, não apenas sua incapacidade para governar o Brasil, mas, também, para preservar seus valores e crenças fundamentais.

Um exemplo recente é o ex-ministro Ricardo Salles, externalizando oficiosamente a visão do governo Bolsonaro, criticar, em suas redes sociais, China, Rússia e Índia pelo empenho deles em esvaziar no COP26, evento organizado entre os países do G20 – grupo criado muito por iniciativa do Brasil no governo Lula, pela sábia e pragmática liderança do chanceler Celso Amorim – a agenda climática dos EUA e da Europa ocidental, em nome da qual os governantes e ong’s desses países condenam o governo Bolsonaro. A comitiva oficial do governo no G20, por sua vez, apresenta uma atuação acanhada e resultados pífios, com o Brasil, um dos maiores países do mundo, furtando-se à tarefa de estar na linha de frente às invectivas neocoloniais, revestidas de ecologia, dos países centrais contra os de menor estágio de desenvolvimento.

A postura retraída do governo Bolsonaro no COP26 e na reunião do G20 em Roma em nada se assemelham à altivez demonstrada pela delegação brasileira na Conferência de Estocolmo em 1972 – em pleno governo Médici, que Bolsonaro diz ter como referência – quando o Brasil liderou bloco dos países do Terceiro Mundo, inclusive socialistas, como China, Iugoslávia e Romênia, no rechaço às diretrizes ambientalistas e de controle de natalidade defendidas pelos EUA e Europa Ocidental – que, aliás, não as cumpriam dentro de casa.

O governo brasileiro, acertadamente, naquela ocasião, acusou a intenção dos países mais desenvolvidos de usarem o ambientalismo como uma forma de “chutar a escada” dos países em desenvolvimento e impedi-los de se desenvolverem. Hodiernamente, não apenas aceita, cabisbaixo, como uma criança que tira nota baixa na escola, orientações externas possuidoras do mesmo objetivo das de 1972, que nada dizem respeito a nossa realidade e as nossas necessidades, como ainda por cima, informalmente, aponta o dedo para os países que fazem uso da sua grandeza para defender os seus interesses, que e, em tese, seriam os mesmos do governo Bolsonaro.

Não admira, então, que, nas atuais condições, os EUA não convidem o Brasil, maior país amazônico, para participar do recém-lançado “pacto” pela Amazônia. Não cabe, no plano das relações internacionais, a acusação moral de que os EUA são imperialistas. Eles são declaradamente assim desde a sua independência, vide o “Destino Manifesto”. É missão do Brasil, como grande país, estabelecer seus próprios objetivos e interesses, que, se por vezes podem ser, como já foram em algumas ocasiões, convergentes com os dos EUA, no mais das vezes não são, desde sempre – leia-se, por exemplo, A Ilusão Americana, de Eduardo Prado.

Mas, se o Brasil, no governo Bolsonaro, identifica plenamente seus interesses com os dos EUA, então, onde os EUA se fizerem representar, a participação brasileira seria redundante e, por isso, dispensável. O isolamento de Bolsonaro nos fóruns internacionais reflete esse fato. Se o governo brasileiro não tem objetivos, interesses e projetos, nenhum outro país terá pela gente. O Brasil pode mais, e qualquer grupo que assuma a imensa responsabilidade de governar o Brasil tem, por obrigação, de saber que o Brasil não cabe no quintal de ninguém.

A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a posição deste diário.

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