Por Victor Assis
Nas grandes cidades do país, atravessar uma feira, entrar em um vagão de metrô ou até mesmo andar pelo centro pode ser uma atividade de extrema dificuldade. O desafio de se deslocar sem esbarrar em ninguém, nem levar uma cotovelada ou provocar uma briga, e, ao mesmo tempo, chegar ao destino desejado a tempo é parte do cotidiano. Para facilitar isso, ambulantes e trabalhadores em geral desenvolveram um grito que funciona como uma espécie de senha:
Olha o pesado!
Supostamente, o único dia da semana em que essa senha não precisa ser utilizada é o domingo. As ruas ficam mais esvaziadas, não há congestionamento, não há grandes aglomerações, o comércio é fechado etc. No entanto, isso não valeu para o centro do Recife no último domingo (17), quando aconteceu o Festival com Lula Livre.
O festival já havia sido marcado há algumas semanas, antes de Lula ter saído das masmorras da Polícia Federal, e teria como objetivo reivindicar sua liberdade. Com a soltura do ex-presidente, o próprio Lula foi convidado para participar do evento. Era inevitável, portanto, que milhares de pessoas decidissem ir até o Pátio do Carmo para ver ou rever o maior líder popular do país, que ficou encarcerado durante 580 dias.
O pátio inteiro estava tomado pelos presentes no festival. Por tomado, não digo que havia gente espalhada cobrindo cada canto do espaço apenas para tirar uma boa foto. Em todo o pátio, incessantemente, os ativistas presentes desafiavam o impeditivo de dois corpos ocuparem o mesmo espaço.
E não era só o pátio em si. Um longo trecho da Avenida Dantas Barreto, que é larga, possui quatro faixas para carro e passa na frente do pátio, também estava tomada. As demais ruas, que dão acesso a Dantas Barreto, como a Avenida Nossa Senhora do Carmo e a Rua da Indústria, também foram incorporadas ao festival.
Inutilmente, o público se espremia para dar conta de chegar perto do palco e ver o ex-presidente, ou ao menos, ver o telão que lhe mostrava em tempo real. Mas o festival, que se transformou em uma gigantesca manifestação contra o regime político, assumiu uma dimensão tal que isso já nem era possível. Para muitos, participar do festival significava estar a 300 metros do palco!
Passar no meio da multidão, obviamente, se tornou um desafio para qualquer um que precisasse se deslocar durante a manifestação, sobretudo os ambulantes, carregando caixas de isopor. Para que se tenha uma ideia, um trajeto de 500 metros, que é a distância entre a beira do Pátio do Carmo e o depósito onde se vendia gelo, levava cerca de 45 minutos para ser percorrido. Para conseguirem passar, a única opção dos ambulantes era lançar mão da senha, que é tida como infalível, mas quase o deixa de ser no Festival com Lula Livre, tamanha era a aglomeração:
Olha o pesado!
Mas não foram só os ambulantes que sentiram o poder de mobilização do ex-presidente Lula. Nem tampouco os manifestantes. Naquele dia, a cidade inteira, nos mais variados aspectos, foi afetada. Já às 8h da manhã, cerca de dez horas antes mesmo de o ex-presidente subir ao palco, o trânsito havia sido completamente alterado em todo o centro da cidade, que engloba pelo menos cinco bairros. Era como se a cidade, como um todo, ao saber que estava carregando o maior líder popular do país nos ombros, gritasse:
Olha o pesado!
Lula não é um político tradicional do regime burguês, que sobrevive dos cargos acumulados sob a base da demagogia. Lula é parte do movimento operário e, portanto, uma ferramenta fundamental para a luta contra o golpe. O fato de ter arrastado milhares de pessoas em um domingo mostra sua capacidade de mobilização e mostra, também, a forte disposição da população em geral de se confrontar com o regime político. Afinal, para o regime, Lula não passaria de um bandido, um criminoso…
É preciso aproveitar, portanto, a vitória parcial que significa a soltura de Lula pela própria burguesia, que se sentiu ameaçada pelos levantes na América Latina e pela própria tendência à mobilização no Brasil. É preciso avançar e organizar um movimento que exija a anulação de todos os processos contra o ex-presidente Lula, restitua seus direitos políticos, derrube o governo Bolsonaro e imponha eleições gerais com Lula candidato!