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Victor Assis

Editor e colunista do Diário Causa Operária. Membro da Direção Nacional do PCO. Integra o Coletivo de Negros João Cândido e a coordenação dos comitês de luta no estado de Pernambuco.

BRTs em Recife

Canibais

A imprensa burguesa, cínica como de costume, resolveu atribuir aos trabalhadores pernambucanos a culpa pela destruição dos BRTs.

Por Victor Assis

A eternamente canalha imprensa burguesa pernambucana, há algum tempo, resolveu acrescentar ao seu vocabulário o termo canibalização. O termo, embora remeta imediatamente à palavra canibal, não está relacionado com a prática da antropofagia: a canibalização consistiria na remoção de peças de um equipamento para seu posterior comércio ou na substituição improvisada e inadequada de determinadas peças para suprir alguma necessidade imediata.

Ambas as definições têm sido utilizadas pela imprensa burguesa para caracterizar a situação calamitosa dos BRTs (Bus Rapid Transit – Ônibus de Trânsito Rápido) na Região Metropolitana do Recife (RMR). Os BRTs, que foram implementados em várias cidades brasileiras na última década, são ônibus que funcionam sob a base de um sistema próprio, também conhecido como “metrô sobre rodas”. Na RMR, os BRTs foram projetados para terem plataformas de embarque e desembarque elevadas – com ingresso mediante pagamento antecipado -, ônibus modernos com ar-condicionado e corredor exclusivo. Esse projeto, no entanto, nunca foi plenamente realizado.

Os BRTs deveriam representar uma grande mudança na mobilidade urbana pernambucana e estar inaugurados até o ano de 2014, conforme era prometido pelo governo do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Seria, assim, um legado para população pernambucana deixado pela organização da Copa do Mundo de 2014.

Como era de se esperar, os BRTs não ficaram prontos no ano de 2014. Apenas uma parte minoritária das estações foi inaugurada e apenas duas linhas entraram em circulação. Embora a direita, levando a reboque setores da esquerda nacional, procurasse organizar protestos contra a Copa do Mundo para tentar desestabilizar a então presidenta Dilma Rousseff, toda a imprensa burguesa se calou perante ao verdadeiro escândalo centrado na instalação dos BRTs. Afinal, denunciar todas as falcatruas do PSB, que embolsou milhões com a realização da Copa em Pernambuco, ao mesmo tempo em que se unia aos maiores vigaristas da política nacional para derrubar o governo petista, não era de interesse da direita.

O escândalo ao que me refiro não se trata de alguma fofoca de que algum deputado estadual do PSB teria recebido dinheiro de alguma construtora para contratá-la durante a instalação dos BRTs, nem alguma delação premiada contra o então governador Eduardo Campos expondo alguma movimentação ilícita. A maior e mais escandalosa prova de que os BRTs foram uma plataforma para que os golpistas do PSB saqueassem o povo pernambucano é a própria maneira como as obras foram realizadas.

Na Avenida Caxangá, uma das mais importantes da cidade, que leva ao oeste recifense, vários indícios mostram que os interesses da população foram a última coisa a ser considerada na implementação dos BRTs. A avenida deveria comportar três terminais integrados para que o sistema funcionasse de acordo com o previsto. No entanto, em 2014, apenas um dos terminais estava funcionando – o Terminal Integrado da Caxangá, que já existia antes da implementação dos BRTs. Os outros dois apenas foram entregues em 2018.

Até 2018, no entanto, o sistema foi sendo imposto a todo custo, forçando os usuários a se submeterem a todo tipo de humilhação e sabotagem para chegar a seu local de trabalho. Quando enfim os terminais ficaram prontos, provou-se que o sistema de BRTs é mais lento do que o que já funcionava na Avenida Caxangá: o sistema simples de faixa exclusiva para ônibus. A diferença, no entanto, é que a retirada das linhas comuns da Avenida Caxangá fez com que se tornasse praticamente impossível que um BRT não passasse lotado nas estações, visto que pouquíssimas linhas são comportadas pelo sistema. Um viaduto que corre sério risco de desabamento desde o seu primeiro dia de vida também faz parte das obras para a implementação dos BRTs.

Outra “novidade” trazida pelos BRTs foi a exclusividade do cartão VEM – Vale Eletrônico Metropolitano. Nos ônibus comuns, o usuário tinha o direito de escolher se iria pagar a passagem em dinheiro ou com o cartão. Nos BRTs. não há a opção de pagamento em dinheiro – o que força os trabalhadores a sempre estarem munidos do cartão de passagens. No entanto, o problema vai além disso: a cada recarga que é feita no cartão, o usuário é obrigado a pagar uma “taxa de conveniência”. Os estudantes, que usam o VEM estudantil, são forçados a, além de passar o cartão, passar por um teste de biometria. Se a biometria falhar – o que ocorre frequentemente -, não há nada o que fazer: não há como ingressar na estação, e os fiscais uniformizados de laranja garantem que assim seja.

A total ineficiência dos BRTs da RMR é comprovada por uma lista bastante extensa, a qual não teremos condições de apresentar nesta coluna. Aos interessados, fica o convite para se aventurar pelo sistema. Agora, no entanto, é hora de voltarmos à discussão sobre a canibalização.

Apesar de toda a sabotagem que os capitalistas provocaram contra a população durante a aplicação dos BRTs, o esgoto editorial pernambucano insiste em erguer uma outra tese para o total colapso do sistema. Para a imprensa burguesa, que, nos últimos dias, têm decretado o fim dos BRTs, o colapso do sistema se deu por causa da canibalização promovida pela população. Em artigo intitulado Bye bye BRT pernambucano, assinado por Roberta Soares, o Jornal do Commercio explica:

No ano passado, a esperança de ver o sistema ser reerguido pelo Estado morreu e vimos o BRT Via Livre ser literalmente canibalizado – algumas estações, mesmo em funcionamento, tiveram piso, teto e fios roubados por viciados para serem comercializados em troca de crack.

É, é isso mesmo que você acabou de ler… Se os BRTs não funcionam, se são comboios que enlatam aqueles que perdem 1/6 de seu dia se deslocando para o trabalho, se até hoje não tiveram suas obras concluídas, se não atendem as demandas mínimas do povo, a grande culpa é de ninguém menos que o próprio povo. Como dito pela própria Roberta Soares, o generosíssimo Estado até teria tentado reerguer o sistema, se não fossem os mal-educados usuários do transporte público.

O cinismo da imprensa pernambucana serve não só para mostrar claramente de que lado está – o dos patrões -, como também seu aspecto nazista. Para Soares, portanto, o mundo seria maravilhoso e belo, se não fossem aqueles cracudos que não sabem que se comportar como pessoas civilizadas. Eis, inclusive, a razão pela qual a imprensa pernambucana tem utilizado o termo canibalização. Ao invés de, simplesmente, falar em roubo de peças, vandalismo, danos ao patrimônio ou sucateamento, órgãos como o Jornal do Commercio querem deixar bem claro o aspecto animalesco da destruição dos BRTs: os BRTs estariam em colapso porque o povo não sabe se comportar como gente. Fica a pergunta: se a imprensa burguesa acha que não são gente, o que falta para exigir que se crie uma linha de BRT que leve os cracudos para a câmara de gás?

Esse desprezo pelo povo também pode ser visto em outro trecho do mesmo artigo. Na legenda de uma foto que mostra passageiros entrando na plataforma sem pagar, lê-se: passageiros invadem sistema até por diversão. Ou seja, de fato, o valor abusivo de R$ 3,45 não seria o motivo pelo qual há quem não pague a passagem, mas simplesmente porque o povo pernambucano seria uma espécie tão atrasada do desenvolvimento civilizatório que colocaria a fantástica diversão de arriscar-se a ter a cabeça arrancada por um BRT acima de qualquer valor social.

Quem seriam de fato os canibais?

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