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Victor Assis

Editor e colunista do Diário Causa Operária. Membro da Direção Nacional do PCO. Integra o Coletivo de Negros João Cândido e a coordenação dos comitês de luta no estado de Pernambuco.

Carnaval de Olinda

A verdadeira história do Tubarão do Canal da Malária

Moradores do bairro do Varadouro montam bloco em defesa do carnaval

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Na tarde de ontem (18), o bloco “O Tubarão do Canal da Malária” fez a sua estreia nas ruas de Olinda. Fundado pelos moradores do bairro do Varadouro, a troça se concentrou na tenda de dona Bilinha, na Rua Manoel de Souza Lopes, e mostrou que o povo não vai aceitar que o carnaval seja cancelado.

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Concentração do Tubarão do Canal da Malária.

Não fosse o terrorismo que os governos estaduais estão impondo à população, os finais de semana em Olinda já teriam sido tomados pelas prévias carnavalescas. Tradicionalmente, o Dia da Independência — 7 de setembro — inaugura a temporada de prévias carnavalescas, que seguem durante cinco meses aos sábados e, principalmente, aos domingos, até a chegada do carnaval. Agora, mesmo com mais da metade da população vacinada e decretado o fim do “home office”, a direita quer cancelar o carnaval. Ou melhor, o carnaval de rua, porque os camarotes, que já venderam os seus ingressos, terão, é claro, a sua festa garantida para a classe média.

O plano dos golpistas, no entanto, irá fracassar. Com o pontapé dado pelo Tubarão do Canal da Malária, o povo vai tomar as ruas e fazer o carnaval acontecer. Do dia 18 em diante, vai ter prévia de carnaval toda semana. Vamos tomar a Rua Manoel de Souza Lopes, o bairro do Varadouro e o centro histórico de Olinda!

O Canal da Malária

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Bateria Zumbi dos Palmares às margens do Canal da Malária.

O nome do bloco faz referência àquilo que é, talvez, o maior símbolo do Varadouro. Àquilo que unifica desde os boêmios de sexta-feira no Barrio Café e Bar aos criadores de porcos do V8, desde os caminhoneiros à espera de um frete aos meninos que jogam bola na quadra. Trata-se, senhoras e senhores, do Canal da Malária.

Carinhosamente chamado pelo Google Maps de “Rio Beberibe”, o Canal da Malária não pode ser chamado de outra coisa que não de… canal. Não se tem notícia de ninguém que tenha caído nele sem ter desaparecido ou, na melhor das hipóteses, voltado com alguma mutação. Curso de água de aproximadamente um quilômetro de extensão, o canal se alimenta da foz do Rio Beberibe1 e pode ser avistado — ou aspirado — de algumas das principais avenidas de Olinda: a Presidente Kennedy, a Pan Nordestina e a Sigismundo Gonçalves.

Parte do Canal da Malária ainda banha uns resquícios do mangue olindense que, sobretudo no Bairro de Peixinhos, pariu o movimento manguebit.

Em tempos muito remotos, o canal foi lar de muitos peixes, crustáceos e seres fantásticos, como a Mãe d’Água, o Negro d’Água e o Vapor Fantasma2. Hoje, no entanto, ninguém mais pesca lá. O último que jogou sua vara à procura de um peixe, acabou sendo pescado pelo canal.

Uma expedição de seis pessoas chegou a sair numa canoa em busca do sujeito pescado. Cinco minutos depois, voltaram todos pálidos e suados, contando que a carranca3 que tinham colocado na proa do barquinho soltara um grito e derretera para dentro do canal.

A descoberta do doutor Arnaldo

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Equipe do doutor Arnaldo coletando amostras do Canal da Malária.

O sumiço dos peixes, crustáceos e seres fantásticos, bem como os desaparecimentos e mutações de quem cai no Canal da Malária deram lugar a muitas histórias fantasiosas. Depois de muita pesquisa, o doutor Arnaldo, oceanógrafo especializado em canais olindenses maltratados pela prefeitura, descobriu, enfim, a explicação para todos aqueles eventos.

O que provocou aquela transformação no Canal da Malária nada tinha a ver com abduções alienígenas, com feitiçaria, com a Perna Cabeluda ou com a Comadre Fulozinha. Enfim, chegamos a uma explicação 100% científica: há hoje um único ser que vive naquelas águas. Um ser que foi o responsável pela expulsão de todos os outros habitantes do Canal da Malária. Um ser que é o responsável pelo sumiço e pelas mutações de quem cai no canal. Um ser que tomou o canal só para ele e fez do canal a sua imagem e semelhança. Trata-se do Tubarão do Canal da Malária.

O doutor Arnaldo conseguiu chegar a essa importante descoberta após examinar a composição da água do canal e algumas mordidas nos mutantes. Ele, no entanto, nunca viu o tubarão. Sua equipe, por mais que trabalhasse com afinco por meses, jamais conseguiu tirar uma foto sequer.

As aparições do tubarão

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Seu Nazário não quis mostrar o rosto.

Para doutor Arnaldo, provar que os mutantes haviam sido mordidos por tubarão já era suficiente. Mas, para mim, não. Precisávamos provar que existia o tal do tubarão, precisávamos saber como ele era e como fazer para se livrar dele.

Decidi, em primeiro lugar, bater na porta de um antropólogo. Expliquei a situação e pedi que investigasse, na comunidade, se havia testemunhos e histórias sobre o tal tubarão. Ele, no entanto, me respondeu que só fazia pesquisa na época em que precisava de pontos no Currículo Lattes, e que agora sua profissão era encher o saco dos outros. Agradeci educadamente pela atenção e me despedi.

Fui então eu mesmo bater de porta em porta. Não encontrei, contudo, uma única pessoa que afirmasse que existia o tal tubarão. Algumas, no entanto, arregalaram os olhos, dando a entender que sabiam de alguma coisa, mas que estavam com medo de se expor.

Fui, então, a um restaurante chinês no bairro de Boa Viagem4. O seu dono jurou de pé junto que não comprava barbatana de tubarão, não gostava de tubarão e nem sabia o que era um “tubalão”. Na saída, um funcionário do restaurante veio falar comigo. Falou que o dono estava mentindo e que eles vendiam pelo menos uma sopa de barbatana por semana. Com um sorriso discreto, me passou o contato do fornecedor.

O fornecedor, por sua vez, falou que um morador do Varadouro já havia entrado em contato com ele, alegando ter visto um tubarão gigante no Canal da Malária. Era seu Nazário, um dos que arregalaram os olhos e juraram nunca ter visto o tal tubarão.

Fui novamente à casa de seu Nazário. Falei que havia conversado com o fornecedor, expliquei a situação, falei como era importante confirmar que o tubarão existia. Ele, enfim, cedeu.

“Só não quero que meu rosto apareça”.

Ele contou que viu o tubarão três vezes. A primeira delas foi há 17 anos, quando estava atravessando uma das pontes do canal e uma moeda caiu de seu bolso furado. O tubarão nem deixou a moeda tocar na água: deu um salto e engoliu o disco de metal.

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Ponte em que a moeda de seu Nazário teria caído.

Na noite seguinte, seu Nazário foi ao canal só para tentar ver o tubarão. Levou com ele seu vizinho, seu Antônio. Os dois viram o tubarão de longe, quando subiu à superfície para espantar um passarinho que cantava alegremente. Eles chegaram a tirar uma foto de sua barbatana, mas, como a qualidade da máquina na época era muito ruim, mal se consegue vê-la.

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Foto da barbatana do tubarão.

A última vez foi há cerca de três anos, já depois da morte de seu Antônio, quando seu Nazário achou que não veria o tubarão novamente.

Confesso que fiquei bastante frustrado. Afinal, agora tinha apenas o testemunho de seu Nazário e uma foto que não provava nada. No entanto, nossa conversa não terminara.

“Há mais uma coisa que você vai gostar de saber”.

Tirei a mão da maçaneta.

“Antes de falecer, seu Antônio me contou tudo sobre o tubarão do canal. A família conhece o tubarão há gerações”.

Finalmente, seu Nazário satisfez toda a minha curiosidade. Contou que o tubarão tinha mais de cem anos, mais de sete metros de comprimento e que quase nunca era visto. Era um bicho muito feroz e também muito forte, impossível de ser caçado.

“Só há uma maneira de matar o tubarão”.

Seu Nazário contou que o tubarão saía do canal a cada dois anos, entre os meses de setembro e novembro. Ele se transformava em homem e andava pelo Varadouro. Ninguém, no entanto, desconfiava: ele sempre aparecia sorridente, parecia gostar de crianças e falava com todos. Era fácil de se ver que ele não era do bairro, mas não parecia em nada com um predador. Para conquistar a confiança do bairro, frequentemente distribuía dinheiro, alimentos e materiais de construção. Logo logo, contudo, sumia do bairro e voltava para o canal, onde voltaria a devorar quem se aproximasse dele.

Toda vez que se transformava em homem e andava entre os moradores do bairro, o tubarão ficava mais forte, pois se alimentava da boa-fé das pessoas. Cada morador enganado, que achasse que o tubarão é um bom rapaz porque lhe deu um saco de cimento, fazia crescer um músculo no tubarão. Do contrário, se nenhum morador lhe alimentasse com sua boa-fé, se ninguém caísse nos truques do tubarão e achasse que ele era uma boa pessoa, o tubarão iria ficando mais raquítico.

“No entanto, o único jeito de matar definitivamente o Tubarão do Canal da Malária é esperar ele aparecer, identificá-lo e jogá-lo no canal enquanto ele tiver em sua forma humana”.

“É só isso, então?”

“Sim, mas não se iluda. Por mais que tenha a forma de um homem, ele continua tendo a força de um ser mágico. Para derrubá-lo no canal, é preciso reunir o bairro inteiro”.

É hora da caça!

E é por saber de tudo isso que os moradores do Varadouro fundaram o bloco “O Tubarão do Canal da Malária”. Com o bloco, o povo do bairro vai estar sempre nas ruas, preparado para empurrar o tubarão canal abaixo. Com o bloco na rua, o tubarão nem deve aparecer, com medo de ser empurrado. Vai ficando, portanto, mais fraco, sem conseguir se alimentar. E se aparecer, já sabe: vai cair no canal ao som de um frevo.

Notas:

1Segundo os pernambucanos, em Recife, o rio Beberibe se encontra com o rio Capibaribe para formar o Oceano Atlântico

2De acordo com os últimos relatos, o Negro d’Água, a Mãe d’Água e o Vapor Fantasma hoje habitam as águas do Rio São Francisco

3Feitas para espantar os espíritos que assombram os navegantes, as carrancas são esculturas fabricadas sobretudo no Nordeste

4Circulam os rumores de que todo tubarão achado no Recife é comprado pelos donos de restaurantes chinês, que possuem uma espécie de tara por sopa de barbatana de tubarão.

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