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Carla Dórea Bartz

Jornalista, com 30 anos de experiência (boa parte deles em comunicação corporativa). Graduada em Letras e doutora pela USP. Filiou-se ao PCO em 2022.

Teatro dialético

A tragédia brasileira contada como farsa por Roberto Schwarz

A arte contribui para a elucidação das contradições nacionais no capitalismo tardio e na luta de classes, que se impõe aos nossos olhos

O professor e acadêmico Roberto Schwarz é, sem sombra de dúvida, o mais importante teórico de tradição materialista no Brasil nos dias hoje. Nascido na Áustria, em 1938 (sua família judia fugiu dos nazistas em 1942 para se estabelecer aqui), sua trajetória crítica está associada aos principais fatos históricos nacionais dos últimos 60 anos.

Foi testemunha e refletiu sobre o Golpe Militar de 1964 e sobre a conjuntura cultural do período em ensaios que até hoje são referências nos principais centros acadêmicos do país e do mundo. Ao contrário do que se imagina, sempre teve uma postura crítica sobre o papel do intelectual na luta de classes, que muitas vezes lemos em Trotsky.

É possível compreender essa posição conhecendo sua formação política. No texto, The São Paulo Fraction: The Lineaments of a Cultural Formation, a professora Maria Elisa Cevasco mapeia a formação marxista da geração dos anos 1960, incluindo Roberto Schwarz, com este comentário (tradução para o português no final do texto):

“Their way of approaching this imperative of configuring the peculiarities of the Brazilian was strongly influenced by another powerful intellectual formation to come out of the University of São Paulo, known as either the Seminar on Marx or the Capital Group. This was constituted y a number of young professors who, in the late 1950´s, got informally together to study Capital. Many members of the group were to become prominent in their respective disciplines. Schwarz, then a student of social sciences, was part of the group. Another was then a young professor, Fernando Henrique Cardoso, an exponent of dependency theory before he became president of Brazil in 1994. Michael Löwy, who is now established in Paris, is well known for the combination of militant engagement to thorough analytic research; the historian Fernando Novais, the economist of socio-solidarity, and a member of Lula´s government, Paul Singer, are the better-known names. The Capital Group´s contribution to the theme of the matter of Brazil is better captured in Schwarz´s recollection of the seminar, published in 1995. He tells us that contrary to the ideas that had been hegemonic both on the Right and on the Communist Left that thought of the country as being one stage behind the international (in fact Western European and later North American) norm of development, they followed Trotsky´s lead and conceived the country as functioning, or rather malfunctioning, under the lows of uneven and combined development. This allowed them to achieve what Schwarz call a powerful “new intuition of the country”.”

(Na citação acima, uma série de nomes que se destacaram nacionalmente, em especial FHC, que abandonou suas convicções e manchou totalmente sua biografia ao optar por um projeto individual de prestígio e dinheiro junto à burguesia nacional e internacional, ao mesmo tempo que destruiu o país).

A contribuição de Schwarz à Teoria Literária se tornou definitiva ao propor leituras materialistas dos principais romances de Machado de Assis, em livros como Um Mestre na Periferia do Capitalismo (1990), que revolucionaram no Brasil e no mundo a forma como entendemos a obra machadiana na cultura brasileira, principalmente com o conceito de “ideias fora do lugar” e estudos sobre foco narrativo e ponto de vista na texto literário.

Em seu artigo de 1978, intitulado Cultura e Política: 1964-1969, faz uma lúcida análise de conjuntura do período no qual inclui manifestações culturais como o Tropicalismo. Seu texto nos ajuda a perceber no Caetano tropicalista o Caetano que depois irá abraçar o juiz Marcelo Brettas e apoiar a operação Lava-Jato, por exemplo.

Neste momento histórico em que vivemos, coube a Roberto Schwarz, hoje com 84 anos, publicar o texto mais ácido e contundente sobre a conjuntura brasileira atual. Trata-se da peça A Rainha Lira, lançada há menos de um mês nas livrarias. É um exemplo de contribuição da arte para a elucidação das contradições nacionais diante do capitalismo tardio e da luta de classes, esta que se impõe tão explícita aos nossos olhos.

Schwarz trabalha com tipos, ao invés de personagens, que representam ideias e situações, ao invés de indivíduos em ação. É perceptível a influência de Bertold Brecht, o dramaturgo alemão que tão bem descreveu a Alemanha em suas peças, na forma de A Rainha Lira. Os tipos sociais que aparecem ao longo de todo o texto deixam clara uma cacofonia de discursos conflitantes que revelam a desordem de um país chamado Brazul, e não Brasil.

E a cor faz sentido e chega a ser profética. Brasil é uma palavra da língua portuguesa que está relacionada ao fogo e à cor vermelha. E Brazul, ao contrário, já mostra no nome o tamanho do estrago ao qual chegou o país e a esquerda brasileira. Um mês depois da publicação da peça, podemos ver na fotografia que ilustra este texto a manifestação concreta deste fato na encenação farsesca da conciliação de classes proposta como solução nacional, Parte 2.

No enredo, a Rainha Lira e suas três filhas, uma de esquerda, outra de direita e outra de centro, são expulsas do palácio quando a população se insurge pedindo melhores condições de vida. A associação que fazemos é com as manifestações de junho de 2013 diretamente. A Rainha Lira, assim, pode ser Dilma Roussef.

Ao longo do texto, todos os principais integrantes da cena política e social nacional são representados: a burguesia, as milícias, os estudantes, os intelectuais, a esquerda, a direita, a pequena-burguesia, os trabalhadores, a classe média, os neonazistas, os identitários, os favelados enfim, todos que de alguma forma fazem parte deste des-país chamado Brazul. Há um espaço para o Coiso (Bolsonaro) e para o Rei (Lula) que define assim seu trabalho na História: “…costurei a colcha de retalhos chamada Brazul, com pano podre e agulha grossa”.

Cada linha de diálogo de a Rainha Lira contém em si um ensaio dialético e marxista sobre a conjuntura brasileira que pode render muitas discussões, artigos e grupos de estudos. Esperemos que ganhe uma encenação à altura. Trata-se de uma peça que chega a ser didática, como as melhores de Brecht, para qualquer um que leia com o distanciamento adequado e a devida atenção.

Tradução

A forma que eles usavam para abordar esse imperativo de configurar as peculiaridades do caráter nacional foi fortemente influenciada por outra poderosa formação intelectual advinda da Universidade de São Paulo, conhecida como Seminário sobre Marx ou Grupo O Capital. Este era constituído por um conjunto de jovens professores que, no final da década de 1950, se reuniram informalmente para estudar O Capital. Muitos membros do grupo se tornariam proeminentes em suas respectivas disciplinas. Schwarz, então estudante de ciências sociais, fazia parte do grupo. Outro era então um jovem professor, Fernando Henrique Cardoso, um expoente da teoria da dependência antes de se tornar presidente do Brasil em 1994. Michael Löwy, que agora mora em Paris, é conhecido pela combinação de engajamento militante com pesquisa analítica; o historiador Fernando Novais e o economista da socio-solidariedade e membro do governo Lula, Paul Singer, são os nomes mais conhecidos. A contribuição do Grupo O Capital para o tema da questão do Brasil fica mais esclarecida na recordação de Schwarz sobre o seminário, publicada em 1995. Ele nos conta que, ao contrário das ideias que haviam sido hegemônicas tanto na direita quanto na esquerda comunista do período de que o país estava um estágio atrás do desenvolvimento internacional (na verdade, uma ideia Europa ocidental e mais tarde norte-americana), eles seguiram o raciocínio de Trotsky e conceberam o país como uma combinação, ou melhor, mal combinação, entre desigualdade e desenvolvimento. Isso permitiu que eles alcançassem o que Schwarz chama de uma poderosa “nova intuição sobre o país”. (Minha tradução).

Referência: CEVASCO, M.E. “The São Paulo Fraction: The Lieaments of a Cultural Formation.” Mediations Journal. Volume 28, No. 1, 2016. https://mediationsjournal.org/files/Mediations28_1_07.pdf

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