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Eduardo Vasco

Militante do PCO e jornalista. Materiais publicados em dezenas de sites, jornais, rádios e TVs do Brasil e do exterior. Editor e colunista do Diário Causa Operária.

Uma lembrança enigmática

A moira

Esse é o relato de um acontecimento ocorrido dez anos atrás

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É noite de quinta-feira, 16 de dezembro. O termômetro marca 23° e eu estou gripado mas com muito calor. Vestido com um samba-canção azul claro com listras azuis escuras, termino de fumar meu cachimbo com sabor de menta.

Sentia alguns tremores bem leves pelo corpo de vez em quando ao longo de todo o dia, como quando estou sem um de meus remédios. Acendo um incenso de citronela e deito no meu puff na sala de estar. O spot de luz firmado na janela com uma lâmpada incandescente de 15 watts ilumina o ambiente.

─ Atchimmmm!!

O incenso começa a queimar e a perfumar a sala. Cansado, relaxo com os Beatles ─ sempre eles. Às vezes apenas o John.

Vejo as cinzas caírem enquanto o incenso se consome. Não tenho fome. Dois pedaços de bolo de fubá me aguardam, pacientemente, sobre o sofá. Começo a descansar os olhos que observam o buda que acompanha o incenso de costas para mim. Ao seu lado, um aparelho de rádio. Com a luz suave iluminando-os e minha vista embaçada, eles começam a piscar e se apagar.

Esperando o ônibus após a saída do colégio, aparece à minha frente uma mulher ─ essa é a lembrança que tenho, de quase dez anos atrás, enquanto o cheiro de citronela alcança minhas narinas. Frágil, quase esquálida, de um metro e quarenta e quatro, descalça e com uma saia humilde, ela se aproxima de mim. Negra feito carvão, olha nos meus olhos e começa a falar comigo.

Não me pede nada. Apenas narra algo que não consigo compreender. Desvio meus olhos de seu corpo delgado, de seu cabelo raspado ou ralo ─ não me lembro. Meus olhos se encontram com os seus e por lá se fixarão por toda a eternidade.

Meu coração dispara enquanto cruzo as pernas na sala de estar, deitado, saboreando o cheiro de citronela.

A senhora de quarenta e poucos anos continua me encarando, mas mantenho meus olhos fixos nos seus sem entender completamente nada do que diz. Ínfimos centímetros separam nossas faces. Presto uma atenção monástica no que me conta, mas não sou capaz de traduzir ─ mesmo ela falando em português.

Passam-se os minutos, eternos, e ela mantém-se de frente para mim, em seu monólogo indecifrável. As pessoas se aglomeram no ponto de ônibus.

O vento sopra mais frio pela janela, naquela noite de quinta. Finalmente fecho os olhos e John não para de cantar. He’s a real nowhere man, sitting in his nowhere land, making all his nowhere plans, for nobody.

Não consigo expressar o sentimento de olhar na profundeza infinita daqueles olhos, enormes e belos. A pequena moira me hipnotizara e eu não conseguia me mexer. Continuava sem entender o que dizia mas me soava como um mantra. Sim, ela repetia um mantra, incompreensível para os reles mortais como eu.

─ Cof, cof, cof!

Fecho a janela pois o vento está gelado. A vida daquele incenso irá terminar em poucos minutos.

Um colega de escola passa pelo ponto de ônibus e me olha com um sorriso de “que mulher louca, cara”. Vejo nisso a oportunidade para tentar me libertar da hipnose.

─ Senhora, desculpe. Mas não tenho nada ─ disse eu, pensando que se tratava apenas de uma tentativa de conseguir algum trocado meu. Mas ela mostrou tenacidade e ignorou inteiramente a minha fala, que soou como uma súplica para que me deixasse em paz.

Finalmente, vi meu ônibus chegar. Fiz um movimento para iniciar a caminhada até onde ele havia parado e, para minha surpresa, a mulher me acompanhou, continuando a me encarar com seu mantra.

─ Realmente, tenho que ir. Não tenho nada ─ repeti. Mas ela me ignorou novamente.

Com o nariz escorrendo e dor de cabeça, fecho os olhos. O ambiente na sala de estar é bem aconchegante e cruzo as pernas novamente. O incenso, afinal, vira cinzas.

Aperto o passo e finalmente alcanço a porta do ônibus, agora a salvo daquela sombra misteriosa e indecifrável. Subo e ele parte, deixando a mulher para trás.

É então que os Beatles são interrompidos por Dylan na voz de Jason Mraz. Heard one person starved, I heard many people laughin’. Me despeço dessa lembrança, ainda absolutamente enigmática para mim, e vou dormir. Porque uma forte chuva está prestes a cair.

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