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Carla Dórea Bartz

Jornalista, com 30 anos de experiência (boa parte deles em comunicação corporativa). Graduada em Letras e doutora pela USP. Filiou-se ao PCO em 2022.

Cinema

A interminável chuva de pedras

Não há e não haverá mudanças profundas no sistema capitalista sem a união dos trabalhadores conscientes de sua exploração

Em 1993, o cineasta progressista inglês Ken Loach abordou os impactos perversos do capitalismo na classe trabalhadora inglesa e produziu um filme que ainda é atual: Chuva de Pedras. No ano de lançamento, a imposição do dogma neoliberal à população inglesa já tinha mais de 10 anos. Só de governo Thatcher, temos o período de 1979 a 1990.

Na história, os amigos Bob e Tommy são desempregados crônicos que tentam sobreviver e alimentar suas famílias como podem. Bob tem uma van velha com a qual faz alguns bicos de entregador. Seu meio de vida, no entanto, é roubado, deixando-o em um situação difícil.

A situação piora quando Bob, muito católico, decide comprar o vestido de primeira comunhão de sua filha de qualquer jeito, mesmo sem dinheiro para tal. Em um dado momento de sua peregrinação por trabalho, ele confessa ao padre da paróquia que frequenta: “quando se é um trabalhador, chove pedras sete dias por semana”.

Está aí um excelente nome para o capitalismo: ele é como uma chuva de pedras que cai na cabeça de cada criatura deste planeta sete dias por semana. Apesar dessa lucidez, Bob não é suficientemente consciente para se juntar a um movimento organizado de trabalhadores (há uma cena no filme para isso). É no misticismo da Igreja Católica que ele busca refúgio.

Ao final do filme, temos redenção e senso de justiça realizados. Afinal, torcemos por Bob. No entanto, de forma dialética, Ken Loach deixa a interpretação aberta visto que esse senso de justiça depende da ajuda da Igreja Católica.

A resolução do filme é dialética porque, apesar de trazer algum conforto, trata-se simbolicamente de uma solução individual. Tão individual que Ken Loach fez um outro filme sobre um trabalhador que busca sustentar sua família como entregador em uma van. Esse filme é Você não estava aqui, de 2019.

Neste filme, percebe-se a continuação do desalento da classe trabalhadora após a crise econômica de 2008. O cineasta inclui ainda novos elementos na sua representação da conjuntura social.

Na história, Ricky busca um trabalho. Ao contrário de Bob, no entanto, ele adere ao discurso da classe dominante e acredita que é um empreendedor, sem perceber que, na verdade, está aderindo a uma selvagem forma de exploração sem qualquer direito trabalhista ou garantia social. Ele pega as poucas economias da família e investe em uma van para se tornar, no discurso, “parceiro” de uma grande empresa de entregas.

Os filmes mostram que aquilo que era bico e subsistência em 1993 torna-se uma prática controlada pelo capital em 2019.

Se Bob, no filme anterior, recusa o sindicato, aqui, nem isso acontece: não há no horizonte qualquer possibilidade de organização entre os trabalhadores, que estão mergulhados na ideologia individual do capitalismo tardio ao verem a si mesmos como proprietários livres.

Não é preciso dizer que as coisas vão mal e a família de Ricky começa a se desfazer diante da pressão interminável das metas de entrega agora rigidamente controladas e automatizadas pelo uso de uma máquina de rastreamento de pessoas e de pacotes.

Obviamente, o filme representa, de maneira muito lúcida, a situação vivida por milhões de trabalhadores de serviços de entregas nos dias de hoje, inclusive no Brasil.

Além deste assunto, há uma sensível e contundente abordagem ao trabalho do cuidador de idosos e de doentes crônicos. Na figura da personagem Abbie, esposa de Ricky, acompanhamos a maneira como o capitalismo lida com pessoas em situação de extrema vulnerabilidade. 

Com os dois filmes, temos duas representações da situação dos trabalhadores ingleses: uma em 1993 e outra em 2019. Dois pontos distantes no tempo. No entanto, ao comparar essas representações, é incrível notar que a exploração e a precarização do trabalho, apesar do desenvolvimento das novas tecnologias, não mudaram, se é que não pioraram. Não houve ganho algum.

Podemos inferir que uma das respostas para a manutenção (ou piora) nas condições de vida dos trabalhadores em 2019 está simbolicamente representada no final dialético do filme Chuva de Pedras, de 1993. Não há e não haverá mudanças profundas no sistema capitalista sem a união dos trabalhadores conscientes de sua exploração.

O foco do trabalho das esquerdas deve ser a conscientização e a organização dos trabalhadores contra a intolerável “chuva de pedras sete dias por semana”. Qualquer coisa fora deste caminho é compactuar com situações de desagregação, desalento e desespero.

Streaming

Chuva de PedrasVocê não estava aqui estão disponíveis em serviços de streaming como Google Films e Claro.

A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a posição deste diário.

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