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Eduardo Vasco

Militante do PCO e jornalista. Materiais publicados em dezenas de sites, jornais, rádios e TVs do Brasil e do exterior. Editor e colunista do Diário Causa Operária.

“Me salva, Zuckerberg!”

A desfiguração do marxismo em nome da “luta contra o fascismo”

As posições reacionárias e antimarxistas do morenismo em defesa dos monopólios imperialistas

Em artigo recente, intitulado “Nenhuma liberdade para os inimigos da liberdade”, Valério Arcary, que se reivindica um intelectual marxista, faz uma aberrante defesa da ditadura dos monopólios imperialistas contra a população, apoiando a supressão do direito à liberdade de expressão.

A argumentação é de que os atingidos – a extrema-direita – precisam ser contidos, porque seriam os maiores inimigos da civilização humana. Nada seria mais perigoso do que o fascismo – aqui representado por Donald Trump e seus correligionários, bem como sua versão brasileira, o bolsonarismo.

“Defender a liberdade de expressão da extrema-direita é um erro grave. A defesa dos direitos democráticos de Trump ou dos neofascistas bolsonaristas não é a defesa da liberdade de expressão. Os neofascistas são os maiores inimigos da liberdade de expressão”, diz o nosso ideólogo do cancelamento. “São inimigos declarados das liberdades democráticas”, completa.

Em primeiro lugar, é necessário destacar a distorção do significado da frase utilizada por Arcary para intitular seu texto. Ela é usada para justificar os seus argumentos. Saint-Just havia empregado essa frase durante a ditadura jacobina, afirmando que não deveria haver nenhuma complacência com os inimigos da revolução, em um momento no qual ela estava em perigo, atacada ferozmente pela direita contrarrevolucionária. Ou seja, em um momento excepcional, na luta de vida ou morte entre a revolução e a contrarrevolução na França. O poder da repressão estava nas mãos dos revolucionários, e se não reprimissem os contrarrevolucionários, a liberdade conquistada pela revolução seria extinta.

A utilização, mesmo que retórica, dessa frase, atualmente, é um grande anacronismo. Mas, além disso, qual o seu significado, na luta política atual, na situação a que Arcary quer se referir?

O significado é o de que os fascistas precisam ser contidos, a qualquer custo. Mas não pela revolução. Pelo Estado. Afinal, os monopólios das redes sociais não são empresas quaisquer. São conglomerados dos mais poderosos do mundo, que têm relações umbilicais com os governos imperialistas. Trabalham lado a lado. Ou melhor, fazem seus interesses serem defendidos por esses governos.

E são justamente esses monopólios e o Estado os maiores inimigos da liberdade de expressão, não os fascistas. Os monopólios podem acabar com as liberdades democráticas sem fazerem uso do fascismo, como foram as ditaduras tradicionais no século XIX e no início do século XX. O fascismo, como explica Trótski, é um recurso utilizado pela burguesia imperialista não para suprimir as liberdades democráticas, mas sim a democracia operária. Quando a burguesia não consegue controlar a situação de crise com os instrumentos tradicionais, ela usa a cartada do fascismo.

São os monopólios, portanto, que impulsionam os fascistas para anularem as liberdades democráticas e a democracia operária. Ora, mas se os monopólios podem acabar com as liberdades democráticas sem fazerem uso do fascismo, a recíproca não é verdadeira. Os fascistas não podem acabar com essas liberdades sem o apoio dos monopólios. Foi assim na Alemanha, na Itália, na Espanha, em Portugal, enfim, em todos os países onde o fascismo se impôs. E, ao chegarem ao governo, os fascistas não conseguiram se desvencilhar dos capitalistas que, por sua vez, domaram as feras e controlaram seus governos.

A defesa dos direitos democráticos, seja de quem for, é uma luta democrática pelos direitos de toda a população. Os direitos democráticos são a garantia da vida em sociedade livre da tirania do Estado. E os direitos devem servir para o conjunto da sociedade. O direito que vale apenas para uma parcela da sociedade deixa de ser direito e passa a ser privilégio. A esquerda tem como uma de suas bandeiras fundamentais a luta por direitos e contra os privilégios. O que Arcary quer, com sua tese, é subverter toda uma luta de séculos do movimento operário e popular. Trata-se da antítese da própria natureza da esquerda.

Dessa forma, cai na armadilha montada pela burguesia mesma, a fim de estabelecer uma verdadeira ditadura contra toda a população. A burguesia utiliza a extrema-direita como bode expiatório, como um pretexto para impor uma forte perseguição aos direitos democráticos. Ela provoca na pequena burguesia um clima de histeria e terror, para que se torne base de apoio que legitime a implantação de uma ditadura. Uma ditadura de características fascistas, suprimindo os direitos democráticos e – se necessário – a própria democracia operária, sem, no entanto, os fascistas ideológicos na cabeça do governo.

A esquerda, por ser uma esquerda pequeno-burguesa, está sendo manipulada pela burguesia, embora não perceba. Com medo do fascismo, pula no colo do Estado, controlado pelos monopólios capitalistas, que são justamente os pais do fascismo.

Arcary não concorda com esse raciocínio. Segundo ele, “é insustentável a ideia [de] que defendendo os direitos de Trump estaríamos defendendo os nossos direitos e as liberdades democráticas de todos. Não há isonomia alguma no mundo. Quem controla a riqueza controla o poder. Sempre e quando os movimentos sociais e a esquerda sejam suficientemente fortes serão reprimidos”.

É correto dizer que quem controla a riqueza, controla também o poder. Por isso dissemos que o Estado está nas mãos dos grandes monopólios capitalistas, como os de redes sociais. Mas se Arcary também entende assim, deveria perceber que está defendendo, de maneira intransigente, os donos do poder, isto é, os monopólios capitalistas. E não apenas isso, mas que eles apliquem a mais rigorosa censura à liberdade de expressão contra uma parcela da população. Justifica essa ideia afirmando que a esquerda também será reprimida, inevitavelmente, na medida em que represente um perigo ao poder capitalista. Mas isso não é correto: na medida em que a esquerda esteja fraca, mais facilmente o Estado a reprimirá – basta ver o avanço criminoso contra os direitos dos trabalhadores nas últimas décadas, que coincidem com o refluxo do movimento operário mundial. O contrário, sim, é correto: quanto mais forte for a esquerda, mais possibilidades ela tem de impedir a repressão do Estado, inclusive conquistando concessões desse mesmo Estado. Quando uma greve é poderosa, ela pode terminar com os trabalhadores alcançando um aumento salarial; já quando a greve sequer é realizada, os patrões têm a oportunidade de até mesmo demitir em massa. O movimento dos operários russos que levou à Revolução de Outubro era um movimento extremamente forte, o mais forte que já se viu na história, e por isso mesmo levou a classe trabalhadora ao poder – o Estado não conseguiu reprimi-los e, pelo contrário, foi tomado de assalto pela esquerda revolucionária. Se a tese do nosso pseudotrotskista fosse verdadeira, não teria havido Revolução Russa. Na verdade, não teria havido revolução nenhuma e nunca mais haveria.

Para Arcary, é preciso defender a repressão estatal contra a extrema-direita, sem medo de que essa repressão se volte em seguida contra os trabalhadores. Porque a esquerda já é reprimida tradicionalmente e nada vai mudar essa situação. Portanto, já que somos reprimidos, temos de defender que todos sejam reprimidos, ao invés de defender que ninguém seja reprimido. Para a esquerda e os trabalhadores, nada vai mudar com o Estado reprimindo a extrema-direita, segundo ele. Mas aqui vale uma advertência para nosso defensor da repressão política: como diz um velho ditado, o que é ruim pode ficar pior.

Quando os golpistas, inclusive impulsionando a extrema-direita fascista, promoveram o golpe de Estado no Brasil, Arcary adotou uma posição semelhante. O PT era o inimigo principal da classe operária e sua derrubada por parte dos monopólios imperialistas, impondo um governo de direita, não representaria uma mudança significativa para os trabalhadores, uma vez que o povo brasileiro já estava sendo vítima de uma política neoliberal e da retirada de direitos. Tanto faz um governo nacionalista de características social-democratas ou um governo totalmente entreguista, pró-imperialista, neoliberal e de características fascistas. Trata-se de uma posição semi-anarquista, típica do morenismo.

Isso significa também que não devemos defender direitos, uma vez que eles são costumeiramente desrespeitados. Não devemos defender direitos, porque não vai adiantar nada: eles valerão na teoria, na prática são nulos. Pois então deixemos de lutar por melhores salários, por moradia digna, por terra aos camponeses, por educação e saúde públicas e gratuitas etc. Mas isso não tem sentido algum. Se somos complacentes com a retirada de algum direito ou com alguma injustiça, estamos deixando de organizar as massas populares para a luta contra a opressão – estamos sendo coniventes justamente com essa mesma opressão. Na medida em que denunciamos os abusos do Estado, mesmo que no início esse movimento seja pequeno, ele não é inútil: ele cria as bases para um amplo movimento de massas, politiza os oprimidos e ajuda a organizar a luta por suas reivindicações de caráter democrático.

Outro pensamento que está escondido naquele raciocínio é o de que a repressão à extrema-direita favoreceria a classe operária. Já que, não importa o que aconteça, somos sempre reprimidos, então nossos inimigos também deveriam ser, porque assim se enfraqueceriam e nós teríamos maiores possibilidades de derrotá-los. Essa lógica é a mesma lógica stalinista do terceiro período: a social-democracia é pior que o nazismo, portanto o nazismo assumindo o poder e derrotando a social-democracia abrirá as portas para a revolução socialista dentro em breve! Foi essa a lógica a seguida pelo PSTU de Valério Arcary quando do golpe de 2016.

Mas o inimigo principal atualmente não é o fascismo, assim como na Alemanha não era a social-democracia e em 2016 não era o PT. O inimigo principal é o imperialismo.

Acreditar que os fascistas são o principal inimigo da classe operária é não enxergar o funcionamento da sociedade do ponto de vista da luta de classes. A base social que sustenta o fascismo é a pequena burguesia. Como não é uma classe independente, ela pende ora para a burguesia, ora para o proletariado. A correlação de forças define para que lado irá a pequena burguesia. Se o fascismo ascende como uma poderosa força social, não é porque a pequena burguesia tenha tomado o lugar da burguesia como classe social mais poderosa, mas sim que a burguesia está manipulando a pequena burguesia para que esta lhe sirva de base de apoio com o objetivo de impor uma derrota ao proletariado.

Enquanto não são impulsionados pela burguesia, os fascistas podem até existir, mas não representam um perigo real para a classe operária. Só se tornam um perigo verdadeiro quando a burguesia decide fazer uso deles.

O fascismo, portanto, não passa de um instrumento da burguesia imperialista em sua luta de classes contra o proletariado. Logo, se se leva a sério a luta contra o fascismo (o que não está sendo feito por Arcary, pela esquerda e, muito menos, pela burguesia), deve-se, fundamentalmente, combater de maneira radical o conjunto da burguesia imperialista.

Nosso dirigente morenista questiona o seguinte: “Twitter, Facebook, WhatsApp são um perigo maior que Trump e Bolsonaro? São um perigo maior que governos que controlam Estados Nacionais? Não, esse é um juízo esdrúxulo.” 

Realmente, Lênin fez uma análise estapafúrdia sobre o que é o imperialismo! Após negar a luta democrática por reformas (direitos democráticos), após negar a possibilidade da revolução (uma vez que, quanto mais fortes as organizações operárias, mais elas seriam reprimidas), Arcary agora nega a própria existência do imperialismo. Cai, assim, no mais vulgar dos sensos comuns da esquerda a respeito de política internacional: o imperialismo seria o governo dos EUA em si, ou seja, o poder executivo do Estado norte-americano. E não, como explicou Lênin, o consórcio de grandes empresas capitalistas provenientes dos países desenvolvidos que controlam a economia mundial e, consequentemente, os próprios Estados Nacionais.

O perigo maior, para a classe operária e os povos do mundo todo, é o inimigo mais poderoso. Já demonstramos que a burguesia imperialista é mais poderosa que os fascistas. Tanto é assim que, nem Trump, nem Bolsonaro, conseguiram implantar suas ditaduras fascistas. Só conseguirão quando a burguesia imperialista lhes der carta branca.

Os monopólios imperialistas não são apenas um perigo maior que o fascismo, mas também são os progenitores do fascismo. Foram eles que colocaram Hitler no poder. Foram eles que criaram o movimento fascista de Mussolini e permitiram que este assumisse o governo. Nos EUA, embora a ala mais poderosa dos monopólios imperialistas fosse contrária à assunção de Trump – preferindo sua marionete Hillary Clinton -, uma parte significativa dos capitalistas deu apoio a ele, que também é um capitalista. E, no governo, viveu quatro anos de intensas pressões por parte dos monopólios para que aplicasse a sua política – não a implementou devidamente e, portanto, foi derrubado. No Brasil, ficou claro para todos que Bolsonaro só chegou à presidência devido ao golpe contra Dilma Rousseff, financiado pelo conjunto do imperialismo, principalmente pelas grandes petrolíferas e capital financeiro, por seus representantes no Brasil, como a FIESP, a Rede Globo e o PSDB, pela promoção destes a grupos que eles mesmos criaram, como o MBL, Vem Pra Rua, defensores da intervenção militar, neonazistas. Um movimento de massas, de classe média, que serviu depois como eleitorado de Bolsonaro, eleito em 2018 graças à prisão de Lula, executada por aqueles mesmos agentes do imperialismo.

São esses monopólios que, entendendo-se mutuamente a respeito da necessidade de determinada jogada política, poderão descartar Bolsonaro, da mesma forma que descartaram Trump. São esses mesmos monopólios que manipulam eleições ao redor do mundo, promovem guerras, exploram mão de obra barata, poluem o meio ambiente, secam rios, desmatam florestas, desindustrializam economias inteiras, rasgam legislações trabalhistas.

Mas como eles fazem tudo isso bem vestidos, utilizando pronomes neutros e sendo politicamente corretos, conseguem enganar incautos como a esquerda pequeno-burguesa, que está mais preocupada com o que as pessoas dizem do que com o que elas fazem.

O que Arcary está fazendo é tentar justificar a política do mal menor, a mesma utilizada pela esquerda pequeno-burguesa para apoiar Paes, Baleia Rossi e Doria, utilizando o fascismo como espantalho. Seria melhor apoiar a censura à liberdade de expressão por parte do imperialismo “democrático” do que aceitar os fascistas e seu eventual ataque às liberdades democráticas. Arcary aponta que não haveria nada pior do que Trump nos EUA e do que Bolsonaro no Brasil. Assim, deixa aberta a possibilidade de apoio a quaisquer que se apresentem como seus adversários (Biden nos EUA e Doria no Brasil).

Os representantes do imperialismo, portanto, seriam necessários para que se imponha uma derrota aos fascistas. Mas como já explicamos, o perigo não reside na ideologia de determinado grupo social, e sim na força que ele tem. Os fascistas sem o apoio da burguesia – que estaria apoiando os “antifascistas” – não são nada. Os “antifascistas”, com o apoio da burguesia, é que representam o grande perigo para as massas populares. Portanto, tendo o apoio da burguesia – como realmente têm -, Biden e Doria são muito mais perigosos e nocivos à população trabalhadora do que Trump e Bolsonaro.

O pior erro que a esquerda pode cometer é levar os trabalhadores a confiarem em seus maiores inimigos e algozes, que não são os fascistas, mas sim a burguesia imperialista de conjunto e seus representantes. Mesmo que essa confiança seja pontual, porque se você dá a mão à burguesia, ela te arranca o braço inteiro! Quando percebermos, já estaremos submersos em uma ditadura fascista, implantada exatamente sob a desculpa do combate ao fascismo!

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