Nesse 12 de outubro de 2021, completam-se 90 anos da inauguração do Cristo Redentor, monumento-símbolo da brasilidade.
Sobretudo para quem é natural do Rio de Janeiro, o Cristo Redentor, a maior estátua em art-decó do mundo, com os seus 38 metros de altura, pode afigurar-se banal e comum, ainda mais por poder ser visualizado de distintos e longínquos pontos da cidade e até mesmo de municípios vizinhos como Niterói.
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Não se pode, contudo, perder de vista o profundo significado desse monumento, ainda mais em tempos onde uma iconoclastia furiosa e piromaníaca contra os símbolos e a alma nacionais ameaça devastar a história e a identidade brasileiras.
O Cristo Redentor, inteiramente recoberto pela brasileiríssima pedra-sabão, a mesma das icônicas e grandiosas esculturas de Aleijadinho, como os Doze Profetas, simboliza o cristianismo brasileiro, mestiço e tropical, complementando a obra do mestre mineiro no que diz respeito à elevação artística brasileira em sua relação com a religiosidade popular.
O Cristo sem a Cruz e de braços abertos, a todos acolhendo, é a apoteose da Vida, do Deus que se faz homem e, alheio à morte, ao sofrimento e à crucificação, convida todos a um afetuoso abraço.
Trata-se, pois, do Cristo brasileiro e cordial, no sentido do “homem cordial”,arquétipo do brasileiro segundo Sérgio Buarque de Holanda, reconcilia a Humanidade e a Divindade, não pela Dor, mas pelo Amor.
Principal símbolo do Brasil, representa, então, o Cristo feito Nação, unificando-a em torno da mensagem cristã de Amor e Caridade vitalizada pelo sincretismo miscigenado do qual fazemos parte.
Contrapõe-se, assim, em pleno continente americano, à maçônica Estátua da Liberdade, símbolo do gélido Iluminismo norte-atlântico, que renegou Cristo em nome de um Deus racionalista e não-cristão, bem como do imperialismo estadunidense, desdobramento econômico-militar do Iluminismo.
A ideia de construir o Cristo Redentor surgiu em 1859 com o padre Pedro Maria Boss. Ao final do Império, a Princesa Isabel a resgataria. Após a Abolição, um grupo de cortesãos sugeriu homenagear a Redentora com uma estátua no cume do Corcovado, onde então se localizava o mirante Chapéu do Sol. Ela recusou a proposta, defendendo, no mesmo local, uma estátua em homenagem a Jesus Cristo, que, no seu entender, seria o verdadeiro redentor da humanidade.
Com a Proclamação da República, a ideia foi abandonada por, supostamente, contrariar o princípio da laicidade do Estado, caro aos dirigentes republicanos. Somente 30 anos depois, às vésperas do centenário da Independência, a ideia ganhou força, dessa vez pela iniciativa popular.
Em 1922, um abaixo-assinado com mais de 20 mil nomes, apoiado pelo Círculo Católico do Rio de Janeiro, liderado pelo coronel Pedro Carolino Pinto – participante da Missão Cruls, que delimitou, no final do século XIX, as coordenadas e o perímetro da futura capital federal, onde Brasília seria edificada – solicitou ao presidente Epitácio Pessoa a construção da estátua.
O governo, então, cedeu o topo do Corcovado para a instalação do Cristo. Os responsáveis pela construção da estátua, que durou de 1922 a 1931, foram os engenheiros brasileirosHeitor da Silva Costa, autor do projeto, e Heitor Levy, o engenheiro francês Albert Caquot e o escultor polonêsradicado na França Paul Landowski.
Apenas os moldes de gesso da cabeça e das mãos foram enviadas da França para o Brasil, tendo todo o restante sido construído no município fluminense de São Gonçalo, no bairro Barro Vermelho, sob a liderança de Silva Costa e Levy, sem a presença de Caquot e Landowski. As pedras-sabão originais foram aqui coladas por mulheres brasileiras, voluntárias do maior empreendimento artístico nacional.
A obra foi inteiramente financiada por contribuições de brasileiros comuns, através de campanhas de arrecadação promovidas por núcleos católicos em eventos de todo tipo, inclusive esportivos, sob a liderança do cardeal Sebastião Leme.
O Cristo, portanto, não foi um “presente” da França, mas o resultado do empenho popular em erigir um símbolo nacional à altura da devoção e da grandeza do Brasil.
Inaugurado com a presença do presidente Getúlio Vargas no dia 12 de outubro de 1931, tendo a missa inaugural ocorrido no Estádio das Laranjeiras, pertencente ao Fluminense. O evento ocorreu exatamente no dia de Nossa Senhora Aparecida, que havia sido oficialmente reconhecida Padroeira do Brasil nesse mesmo ano.
Imediatamente, o Cristo Redentor tornou-se um marco civilizatório brasileiro, parte integrante da política nacionalista da Era Vargas e do seu empenho em construir as bases materiais e simbólicas do Brasil brasileiro. Mais do que cartão-postal e uma das “Novas Sete Maravilhas do Mundo”, título concedido em 2007, o monumento simboliza a capacidade auto-afirmativa do Brasil no processo civilizatório.
*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a posição deste Diário.