João Doria foi abrindo caminho em meio à decadência das principais figuras da direita tradicional no PSDB. Apresentador de televisão, fez uso desde o começo de sua experiência com marketing, participando de peças publicitárias onde se vestia de varredor de rua, por exemplo. Diante do derretimento de figuras como Geraldo Alckmin e José Serra, foi alçado ao posto de principal candidato eleitoral dos tucanos.
Assim como Bolsonaro, Doria surfou na onda do antipetismo e meses após o golpe de estado de 2016 foi eleito prefeito de São Paulo. Seu personagem na ocasião era “João Trabalhador”, um grande gestor, um empreendedor que iria revolucionar a maneira de governar a cidade. Sem o menor escrúpulo, se travestiu de trabalhadores braçais em peças de publicidade, onde vendia a imagem de ser uma pessoa “humilde”, que se coloca no lugar do outro.
Nos dois anos em que esteve à frente da prefeitura, praticou todo tipo de violência contra o povo. Tentou substituir a merenda nas escolas por uma espécie de “ração humana”, a famigerada farinata. Diante da tragédia social dos miseráveis que perambulam pelo centro da cidade, transformou a Guarda Civil Municipal numa sucursal da PM, intensificando a violência ao ponto de derrubar parte de uma casa com gente dentro.
Sua curta gestão na prefeitura culminou nas eleições de 2018, quando Doria foi eleito ao governo do estado já fazendo o personagem “BolsoDoria”. De fato, esse personagem foi muito mais fácil de representar, pois era só ser ele mesmo. Para ser o BolsoDoria não era preciso se fantasiar ou criar cenários fictícios, nos dois anos que ocupou o posto de prefeito deixou um verdadeiro legado bolsonarista.
Durante a pandemia de covid, já pensando na próxima parada da sua jornada carreirista, Doria procurou se desvincular de Bolsonaro. Abandonou o personagem BolsoDoria para encarnar o “governador científico”, cujo único recurso era uma quarentena fajuta. Depois que a burguesia decidiu que era hora de suspender qualquer medida de isolamento social, o personagem trocou a quarentena pela vacina, como se trocasse de bordão num programa humorístico.
Nesse processo, foi ensaiado o “João Vacinador”, uma possibilidade para seu próximo personagem eleitoral. Apoiado numa parceria entre o Instituto Butantan e um laboratório chinês, Doria procurou se promover como pai da CoronaVac. As manobras do tucano durante a pandemia, amplamente exaltadas na imprensa burguesa, serviram para que o fascista João Doria recebesse apoio até de setores da esquerda, apoio inabalável mesmo diante da baixa eficiência da vacina e do baixíssimo índice de vacinação no estado mais rico do país.
Uma característica básica de Doria é a capacidade de trocar de fantasia rapidamente, como num show de música pop. Já foi lixeiro, empreendedor, dublê de Bolsonaro, científico e agora, por que não, identitário. O incentivo aberto da burguesia às políticas identitárias, que traz de brinde o apoio de uma parte da esquerda pequeno-burguesa, criou o cenário para o surgimento do “IdentiDoria”. Quem ainda acredita que o identitarismo é uma política popular, de esquerda, vai ganhar uma aula do PSDB.
A esquerda identitária, que pede mais repressão, penas mais severas e censura, vai ter ao seu lado um político com poder real para fazer todo o tipo de loucura. A queima da estátua do bandeirante Borba Gato, não por acaso, ocorreu paralelamente a um projeto de lei que une uma deputada estadual transexual do PSOL e Mário Covas Neto do Podemos. Uma união dessas seria possível num projeto de lei que distribuísse a terra, recuperasse direitos trabalhistas ou melhorasse de alguma forma a vida do povo?
É preciso reconhecer o dinamismo e pragmatismo da burguesia mundial. Diante da enorme crise capitalista e da necessidade de destruição das economias atrasadas e dos direitos trabalhistas, ela molda sua propaganda ideológica para ganhar um verniz “democrático” quando necessário. Figuras como Bolsonaro ou Trump não servem para essa missão, pois estão engessados por suas próprias bases de apoio; para violentar o povo segurando a bandeira da “diversidade” são necessários Bidens e Dorias. A própria vice de Biden, nos Estados Unidos, é uma mulher negra, promotora de justiça e impulsionadora da política de encarceramento em massa, que atinge em especial proporção a população negra do país.
Voltando ao João “Anuncie Aqui” Doria, cabe estabelecer que o central da sua política não é abalado nem minimamente durante suas “transformações”. Ao contrário de Bolsonaro, que tem dificuldades para impor as privatizações tão cobradas pela burguesia, Doria vem passando um rolo compressor sobre os patrimônios estaduais em São Paulo. Além das empresas, parques, institutos, universidades e até vias públicas estão sendo entregues aos capitalistas. Por trás da máscara, a realidade é sempre a mesma: ataques profundos à população.
