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Rafael Dantas

Membro da Direção Nacional do PCO e diretor de redação do Jornal Causa Operária.

Fogo no Borba Gato

A “revolução” sob medida para um lobby na Câmara Municipal

Ação da "Revolução Periférica" foi apenas um golpe de marketing eleitoral. A prova está na “atividade legislativa” conjunta do PSOL com o PSDB na Câmara dos Vereadores de S. Paulo

Ao atear fogo à estátua do bandeirante Borba Gato, o “movimento” Revolução Periférica disse que queria “abrir um debate”. Sigamos essa trilha.

Paulo Galo, preso no último dia 28 após assumir a autoria do incêndio, explicou diante das câmeras de TV ao se entregar que os piromaníacos queriam “abrir um debate sobre se as pessoas querem uma estátua de 3 metros de altura que homenageia um genocida, um abusador de mulheres”. 

Em 2 de agosto, na sua página no Twitter, criada dias antes do ocorrido, o “movimento” Revolução Periférica desdobrou a questão com a profundidade de um píres: “Por que você acredita que a estátua de um genocida, estuprador, senhor de escravos, tem que estar lá? E por que você acredita que não tem que estar lá?”.

Eis tudo o que foi dito pelos “periféricos” desde o dia 24. Acrescentaram quatro coisas: um vídeo de uns poucos minutos em que Paulo Galo conversa com a câmera ao som de um pianinho dramático – no melhor estilo “depoimento sincero” –; uns quatro versos do “MC” Dugueto Shabazz; a frase “O dia em que o morro descer e não for Carnaval” e a pergunta “quem foi Borba Gato?”, mas não mudaram nada do ponto de vista do conteúdo, da “mensagem” que queriam mandar. 

Importante foi mesmo a repercussão dada ao feito tanto pela imprensa capitalista quanto pelos meios de comunicação “alternativos” e “progresistas”. E, se com o fogo nem mesmo conseguiram abalar a estrutura do gigante de concreto cravado em Santo Amaro, não resta dúvida de que esse “debate” e seus desdobramentos eram mesmo tudo o que os fogueteiros queriam provocar.

A grande questão é: por que precisavam abrir esse debate? Arrisco apontar uma singela resposta: para chamar a atenção, justificar, embelezar e engrandecer um projeto de lei (PL 0047/2021) apresentado em 18 de fevereiro pelas vereadoras novatas Luana Alves, líder do PSOL na Câmara e Érika Hilton, primeira “transvestigênere” eleita pelo PSOL para a Câmara Municipal e por um vereador do PSDB (falo desse esplêndido “tucano antifascista” mais abaixo), a lei que “dispõe sobre a substituição de monumentos, estátuas, placas e quaisquer homenagens que façam menções a escravocratas e higienistas”.

Não vou falar aqui das justificativas ideológicas de cunho identitário que transbordaram na imprensa “progressista” em apoio e solidariedade ao ato pirotécnico. Não vou mencionar também que todo esse fuzuê não passa de pastiche do que fez a esquerda identitária nos países imperialistas (nos EUA, pátria do identitarismo, mas também no Reino Unido e na Alemanha). Vou apenas sublinhar o que disse a imprensa golpista, a Folha de S.Paulo, esse pasquim tucano, que entrou na “discussão” proposta pelos “revolucionários” de periferia, encampando as posições respaldadas pela esquerda imperialista – as mesmas dos periféricos e de seus apoiadores na esquerda liberal pequeno-burguesa.

Além do mau gosto no trocadilho, destaco o conteúdo do artigo de 31 de julho, que começa dizendo que “o fogo na estátua (…) reacendeu o debate”, a insuspeita e democrática Folha de S.Paulo dá voz à autora do projeto (não a única, como vimos, mas a que a Folha julgou conveniente apresentar como tal). “Aqui nós encontramos muita dificuldade. O projeto que eu apresento na Câmara não traz novidades em relação ao que outras cidades do mundo fizeram i.e.: pastiche]. Mas falar sobre retirar uma estátua é questionar a estrutura de poder atual no Brasil”, disse Luana Alves. 

Puxa, deve ser difícil mesmo enfrentar as “estruturas de poder” no que diz respeito à “pertinência de monumentos que homenageiam pessoas ligadas à escravidão, à ditadura e a outros períodos sensíveis no passado do Brasil”, como diz a proposta de lei feita pelo PSOL e abraçada pelo PSDB. Talvez para reforçar o projeto apresentado no início do ano, nos dias seguintes à queima do Borba Gato, o “mandato coletivo” da “Bancada Feminista” do PSOL propôs uma “consulta pública”, que nada mais é que uma espécie de plebiscito castrado – afinal, a decisão final sobre o destino da estátua caberá mesmo aos vereadores, que por meio da consulta só “ouvirão” a voz do povo.

As parlamentares do PSOL já tentaram comprar essa “briga” em outras instâncias das “estruturas de poder” de que participam com projetos de lei apresentados pela deputada estadual Érica Malunguinho e pelas deputadas federais Taliria Petrone, Áurea Carolina em conjunto com Orlando Silva (PCdoB).

Mas… (sempre tem um “mas”) tudo isso pode morrer na praia porque “é muito difícil debater pautas como essa no país”, como disse a vereadora do PSOL. A Folha diz: “as iniciativas encontram resistência” emendando que “embora tenha sido aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), tem pouca perspectiva de ganhar o sim do plenário [da Câmara dos Vereadores]”. No que diz respeito ao projeto que tramita na Câmara dos Deputados, a Folha acrescenta, concluindo, “assim como as outras proposições, o projeto aguarda votação, mas tem pouca perspectiva de aprovação”.

O que realmente chama a atenção no artigo do jornal que vestiu amarelo “a serviço do Brasil” é a insistência em que leis sobre estátuas, monumentos, placas e logradouros sejam muito difíceis de passar… No entanto, esse tipo de legislação é justamente o dia-a-dia de qualquer Câmara de Vereadores – e a da capital paulista não foge à regra. O “debate” sobre a estátua está, portanto, no seu devido lugar. Se é assim, vejamos o que aconteceu com o texto apresentado aos vereadores pelos iconoclastas de meia tigela antes do aplauso geral que a queima do Borba Gato recebeu.

Perdoe o leitor pela subsequente longa exposição dos rumos que esse projeto de lei tomou na Câmara dos Vereadores. Julgo necessário fazê-lo porque não é todo dia que o PSOL consegue emplacar um projeto de lei com o apoio do PSDB e o voto favorável de 56% da bancada do governo e de sua base aliada em quatro comissões diferentes e esse fato é indispensável para entender o “debate” proposto pelos “revolucionários” periféricos.

O projeto de lei e sua justificativa receberam o parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa em 23 de junho, com a adesão do seu presidente, o veterano Carlos Bezerra Jr., médico, pastor evangélico e vereador pelo PSDB em seu terceiro mandato na Casa (também passou oito anos na Assembleia Legislativa de 2011 a 2019 e foi secretário do Esporte e Lazer no mandato de Bruno Covas). O tucano não só votou a favor como assumiu a co-autoria do projeto, de modo que não se trata mais de um projeto apresentado pela esquerda, mas por uma frente ampla “parlamentar” (se isso não for pura tautologia), do PSOL com o PSDB.

Mas não dependia só deles. Para chegar ao Plenário, o projeto teve que obter maioria na Comissão. E conseguiu, por 6 a 3. De onde vieram os votos favoráveis em um parlamento de 55 vereadores, dos quais 41 são do governo e da base aliada? Vejamos quem mais quer “combater a discriminação e o preconceito racial” e quão “periféricos” são os legisladores que aprovaram a lei.

Além do PSDB, outros três dos seis votos favoráveis da Comissão foram dados por vereadores da direita, de modo que temos que acreditar que um dos defensores da história da população negra e indígena do município é, por exemplo, o experientíssimo vereador Arnaldo Faria de Sá (ex-deputado com mais de 30 anos de Congresso Nacional, ex-secretário das prefeituras de Paulo Maluf e Celso Pitta, com passagem por sete legendas de direita desde que começou a atuar nos anos 1980 até fixar residência no PP em 2018). 

Outra campeã da luta contra a discriminação racial e a opressão dos indígenas é a presidenta do DEM-Mulher de S. Paulo e vice-presidenta da Comissão, Sandra Tadeu (com quatro mandatos nas costas). O último nome é de mais uma incansável defensora da justiça e da memória dos oprimidos, a primeira “transvestigênere” eleita… pelo Partido Liberal (PL), Thammy Miranda.

Além deles, é claro, chancelaram a lei os outros únicos dois esquerdistas da Comissão, o Professor Toninho Vespoli (vereador desde 2012 pelo PSOL), que não poderia fazer mais do que votar a favor do projeto apresentado por suas correligionárias e o relator, Alessandro Guedes (líder do PT em seu segundo mandato na Câmara).

Passado pelo crivo dos responsáveis por dizer se a lei proposta fere a Constituição ou outras leis, o projeto apresentado pelo PSOL e pelo PSDB foi encaminhado para a avaliação de três comissões que se reuniram de uma só vez, a de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente; de Educação, Cultura e Esportes; e de Finanças e Orçamento, em 16 de julho, onde foi apreciado por 19 vereadores que decidem se uma lei orna com as demais leis municipais, se serve para engrandecer a Educação (afinal, que vereador não “luta” pela educação?) e se vai haver verba para colocá-la em prática.

O leitor já deve ter se dado conta que, matematicamente, essa lei contra escravocratas e higienistas do passado só pode ter sido aprovada com o concurso de toda a base aliada da prefeitura do PSDB, isto é, de todos os escravocratas e higienistas do presente. Por isso, mencionaremos apenas que, dos 19 votos dados pelas três comissões reunidas de uma só vez, apenas dois foram contrários (Sonaia Fernandes (Republicanos) e Sandra Santana (PSDB) e houve uma abstenção, a do primeiro homossexual assumido a ocupar o cargo de vereador, Fernando Holiday (o fascistinha negro de alma branca do Movimento Brasil Livre encrustado no partido NOVO). Isso, no entanto, não impediu que vereadores dessas três legendas se unissem ao PTB, PSB, Solidariedade e MDB – além dos já citados PSDB, DEM, PP e PL – na aprovação de uma lei para “ressignificar a memória histórica paulistana a partir da perspectiva dos grupos historicamente subaltenrizados, em especial negros e indígenas”.

Ofereço então ao leitor meu humilde palpite: o incêndio da estátua de Borba Gato foi apenas um golpe de marketing eleitoral. Um instrumento de lobby parlamentar. A prova está dada pela “atividade legislativa”  conjunta do PSOL, do PSDB, do PP, do DEM, do PL, do PTB, do PSB etc – todos grandes amigos da luta do negro e dos indígenas – na Câmara de S. Paulo. Esse truque de punguistas com diploma de vereador – que estão permanentemente em campanha eleitoral – é mais velho que andar pra frente. Consiste em apresentar uma lei sob as luzes mais favoráveis para, de uma só vez, angariar apoio para sua aprovação (o bom e velho lobby) e promover seus “autores” (coisa garantida pela publicidade dada pela imprensa amiga da esquerda bem-comportada). 

“A revolução será periférica ou não será”, disseram. Sim, meus caros leitores, queimar a estátua, definitivamente não é uma revolução… menos ainda, porém, é articular um lobby com vereadores de direita, intelectuais de meia tigela e a imprensa burguesa para fazer passar uma lei inspirada pela ideologia da esquerda burguesa imperialista, repetida como papagaio por gente que prefere substituir a luta atual, real, em curso pela derrubada do governo Bolsonaro e de todos os golpistas, por mero discurso de vereador.

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