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Ditadura

Quem vai dizer o que é racismo e o que é liberdade de expressão?

Condenação por comentários supostamente racistas não é um avanço na luta do negro

Em artigo publicado pelo Portal Disparada, a jurista Waleska Miguel Batista se propõe a explicar por que a liberdade de expressão deveria ser desprezada por aqueles que lutam contra a opressão do negro na sociedade capitalista. O texto, que tem como nome “Racismo não é liberdade de expressão: Ludmilla vs. Val Marchiori”, não apresenta fundamentos legais, nem mesmo princípios democráticos para sustentar suas teses, mas sim um amontoado de concepções reacionárias e vulgares do Direito.

Para demonstrar sua tese, a articulista introduz o caso da comentarista Valdirene Aparecida Marchiori (Val Marchiori), que afirmou que o cabelo da cantora Ludmilla parecia “bombril”. Val Marchiori foi julgada e absolvida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sob o argumento de que a opinião da comentarista é permitida “em observância à liberdade de informação”, e que “entender de modo diverso seria o mesmo que impedir a efetivação do pluralismo de ideias, restringindo a manifestação social que, inclusive, é fundamental para a garantia da propagação das atividades artísticas e culturais exploradas pela própria autora/apelada”.

Indignada com a decisão, a jurista do Portal Disparada conclui seu texto clamando para “que essa decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro seja revertida pelo Supremo Tribunal Federal e, caso ainda seja mantida, que a questão seja levada à Corte Interamericana de Direitos Humanos”. De onde viria tanto interesse em ver a comentarista condenada pelo apodrecido sistema judiciário brasileiro e latino-americano – promotor dos golpes recentes no continente, a mando do imperialismo?

Independentemente dos motivos que levem alguém a querer a condenação de Val Marchiori, o fato é que, caso ela fosse condenada, estaria tendo a sua liberdade de expressão tolhida. Isto é, se alguém for condenado, seja penal ou civilmente, por ter dito alguma coisa, seja nas redes sociais, em um discurso ou em uma manifestação, estabelece-se o seguinte problema: na sociedade, nem tudo pode ser dito sem que haja consequências legais. E, assim sendo, o indivíduo não é, portanto, livre para se expressar. Essa é a lei antidemocrática que vigora em nosso regime político.

Acontece que a liberdade de expressão é um direito democrático, um direito fundamental. Existe porque, sem ela, é impossível haver um Estado Democrático. Neste ponto, contudo, é que a jurista se confunde e procura apresentar o Estado Democrático como uma espécie de moderador entre a liberdade de expressão e os direitos dos agredidos pela liberdade de expressão.

Segundo a autora, o ato da comentarista deveria ser punido porque teria violado um outro direito:

“Conforme mencionado, não há conflito entre liberdade de expressão e violação à honra, mas sim notável violação de direito, bem como manifestação do que cientificamente é caracterizado de racismo, uma vez que opiniões com fundamento racista são violentas e traumáticas. (…) Comparar o cabelo de mulheres negras a bombril é resgatar o estigma da colonização, que reproduz um padrão de beleza europeu, e retira a condição de sujeito das pessoas negras”.

Isto é, para Waleska Miguel Batista a liberdade de expressão poderia ser descartada, desde que o seu motivo não fosse moral — isto é, a honra de alguém — mas sim supostamente positivo, concreto — no caso, o direito de outrem. A tese, no entanto, apresenta dois problemas. Em primeiro lugar, ao condicionar a liberdade de expressão à garantia de outro direito, a jurista decreta o fim da liberdade de expressão. Liberdade condicional não é liberdade. Em segundo lugar, o suposto “direito” cerceado pela liberdade de expressão não existe de fato.

Do ponto de vista estritamente legal, a comentarista não infringiu contra direito algum. A lei em que Waleska Batista se baseia, que diz que a liberdade de expressão pode estar sujeita a certas restrições para “assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas” e para “proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas”, vem do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1992, e não da Constituição. Mesmo que estivesse na Constituição, seria, portanto, constitucional, porém ilegítimo do ponto de vista do Estado Democrático de Direito.

Do ponto de vista filosófico, a jurista recorre à seguinte explicação de por que xingar alguém em virtude de sua cor seria a infração de um direito e, portanto, deveria ser punido pelo Estado:

“O Estado Democrático de Direito estabelece que as pessoas devem ser tratadas com mútuo respeito em relação a sua cor de pele, religião, classe, bem como a todos deve ser garantido segurança, saúde e liberdade, na medida em que outros não sejam oprimidos [grifo nosso]”.

Ora, a questão do Estado Democrático de Direito não é um “respeito” genérico e abstrato aos indivíduos. Se for assim, qualquer coisa pode ser considerada um desrespeito e, portanto, se tornar um crime. Se um pentecostal se sentir desrespeitado porque viu uma mulher de calça jeans ao seu lado no ônibus, a mulher teria, então, de ser punida. Esse é o Estado Democrático dos sonhos do pequeno-burguês, que procura moldar o mundo de acordo com suas conveniências, mas nada tem a ver com a definição do Estado Democrático de Direito.

A ideia do Estado de Direito implica essencialmente no seguinte: que exista uma lei que limite o poder do Estado. As leis do Estado Democrático de Direito servem, portanto, para garantir que o indivíduo se proteja das arbitrariedades do Estado, e não que seja triturado por este devido a suas opiniões. É por isso, inclusive, que a liberdade de expressão é, finalmente, um direito político: sem liberdade de expressão, não há como contestar o Estado. Sem contestar o Estado, há apenas a ditadura e o despotismo.

O Estado, neste sentido, é que deve ser contido, e não o indivíduo. As leis devem garantir que o indivíduo se expresse, e não punir o indivíduo que expresse o que supostamente está em desacordo com os interesses do Estado.

A ideia de que o Estado deveria respeitar a cor da pele, a religião ou qualquer outro aspecto individual, portanto, quer dizer que o Estado, naquilo que lhe diz respeito, deve promover ações que não discriminem os indivíduos.

Essa discussão sobre o Estado é fundamental porque, finalmente, é disso que se trata o problema da condenação da comentarista ou de qualquer outro cidadão por expressar sua opinião — por mais ofensiva ou detestável que ela seja. Não é uma discussão ética sobre o quanto dizer que alguém tem cabelo de “bombril” magoa ou não uma pessoa, mas sim sobre o poder que o Estado tem para determinar o que as pessoas podem ou não falar. Se o movimento negro se sente ameaçado pelos comentários de Val Marchiori, têm todo o direito de se manifestar da maneira como achar que deve. No entanto, a punição institucional não irá resolver nem o problema de Ludmilla, nem do movimento negro, nem de ninguém.

A cantora já foi xingada. Puna ou não Val Marchiori, o Estado não poderá fazer coisa alguma a esse respeito. No entanto, se o Estado for apoiado pela população em geral na condenação de pessoas por simplesmente falarem o que pensam, está aberta, então, uma ditadura. No fim das contas, é apenas o Estado que sai ganhando com tudo isso: ganha mais um pretexto para punir aqueles que falam “o que não deve”. E se o Estado que não tem nada de “antirracista” vai punir alguém simplesmente porque falou do cabelo de outra pessoa, o que dirá de quem propor a derrubada desse Estado reacionário?

Como os negros estão entre os maiores interessados na derrubada do Estado, serão eles próprios os mais perseguidos pela ditadura de um regime sem liberdade de expressão.

Quando se diz que o Estado pode punir alguém por falar qualquer coisa, diz-se literalmente. E os setores da esquerda pequeno-burguesa que ingressaram nessa defesa apaixonada do Estado refletem bem essa tendência. Segundo o próprio texto do Portal Disparada,

“Silvio Luiz de Almeida (2018, p. 25) afirma que o racismo é a prática sistemática de discriminação consciente ou inconsciente com fundamento na raça, e que não precisa de intenção. Desta forma, ainda que haja argumentos de que não houve dolo na ação racista, não quer dizer que não houve crime”.

Por esse trecho, tem-se, portanto, o ridículo que é usar a luta contra o racismo para acabar com a liberdade de expressão. No fim das contas, basta que o Estado diga que algo é racista, para que o indivíduo, independentemente de saber que está sendo racista, pode ser acusado de um crime. Esse Estado falaciosamente “antirracista”, portanto, nada tem de progressista. É um Estado, na verdade, de dar inveja ao gulag stalinista e às fogueiras da Santa Inquisição.

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