“Agora sempre que quer se convencer alguma coisa, você fala ‘preta’, ‘pobre’, ‘não sei o quê’, virou um chavão. Sabe quem menos morreu? As pretas… Mesmo o aborto legal é inseguro, ainda mais num país que adotou agora trazer cubano, isso e aquilo outro”. Essas são falas claramente racistas e mentirosas de Raphael Câmara Medeiros Parente, na audiência pública organizada pelo STF, em agosto de 2018, para discutir a ADPF 442, que trata da descriminalização do aborto até a 12º semana gestação.
Raphael Câmara é ginecologista-obstetra, membro do Conselho Regional de Medicina no Rio de Janeiro e recentemente convocado pelo governo de Bolsonaro para a Secretaria de Atenção Primária, do Ministério da Saúde.
O médico ficou amplamente conhecido depois de seu posicionamento no Supremo ao se colocar contra a descriminalização do aborto, afirmando que as mortes de mulheres na clandestinidade em decorrência da criminalização é uma invenção – no mesmo ano em que Ingriane Barbosa, uma mulher negra, pobre, com três filhos pequenos, também no Rio de Janeiro, morreu com um talo de mamona no útero depois de fazer um aborto inseguro em casa.
Vale lembrar que Parente ainda se associou ao obscurantismo medieval da Ministra Damares ao defender a abstinência sexual como política pública, em 2019.
O discurso que se pretende supra ideológico de Parente não esconde a quem ele serve. Sua indicação para o posicionamento anticientífico e contra às mulheres na audiência do SFT foi feito pelo Instituto Liberal de São Paulo (Ilisp), para o qual ele defende que o aborto não é uma questão de saúde pública. O próprio conselho de medicina do qual ele fazia parte já havia tomado medidas violentas contra às mulheres, como por exemplo em 2019 que foi autorizada a resolução que obriga as mulheres gestantes à se submeterem a procedimentos de saúde contra à sua vontade, assim como a cesariana forçada e a autorização da episiotomia (corte entre a vagina e o ânus no parto), não recomendada pela OMS.
Outros posicionamentos claramente preconceituosos, como as restrições de doação de sangue pelos homossexuais, também fazem parte do repertório ideológico do bolsonarista – quando neste caso sabemos que o conceito de grupo de risco não é apropriado, dado que a ciência trabalha com o conceito de comportamento de risco.
Parece ser típico dos bolsonaristas um pouco mais escolarizados a retórica da neutralidade e da denúncia dos “militantes”, enquanto movem a máquina fascista do governo, sustentando mais ainda a precarização da população, sobretudo as mulheres pobres, negras, indígenas, as que mais sofrem com as ofensivas neoliberais. E quanto ao “doutor” Raphael Câmara, nada de novo sob o sol: mais um defensor do liberalismo… de goela.