Assim que foi eleito presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) correu para o Palácio do Planalto para pedir ao golpista Bolsonaro a lista de suas prioridades legislativas. Não foi só um ato simbólico de subordinação ou de vínculo. A lista foi entregue e contém 35 projetos, 20 em tramitação na Câmara dos Deputados e 15 em tramitação no Senado Federal. O primeiro da lista, não à toa, é a autonomia do Banco Central .
Nesta semana começa a votação do PLP 19/2019, de autoria do jornalista e Senador Plínio Valério (PSDB/AM), que estabelece a autonomia do Banco Central e mandato para o seu presidente e seus diretores. Esse projeto foi aprovado em novembro do ano passado no Senado Federal, em meio à pandemia e sem observar a tramitação regimental. Não foram realizadas audiências públicas nem houve como a sociedade se manifestar. Parecia uma operação na surdina, que contou com a colaboração da imprensa burguesa e a omissão do Ministério Público e do Supremo. Bem ao estilo proposto pelo ex-senador Romero Jucá (MDB-RR): “com supremo e com tudo”.
Esse ponto é um elemento chave do conjunto de produtos que o atual governo prometeu entregar aos banqueiros em troca de apoio. Um apoio que garante não só grande parte da imprensa burguesa e dos tribunais superiores, como financia a maioria das bancadas parlamentares e envolve praticamente todos os partidos políticos.
Tornar o Banco Central uma entidade fora da jurisdição política do Estado, não subordinada ao Executivo, nem ao Legislativo e com imunidade perante o Judiciário, é uma situação que foge a toda e qualquer compreensão do papel político que joga um Banco Central em uma economia nacional. Além de controlar a taxa de juros e o câmbio, estabelecer a moeda e garantir os sistemas bancário e financeiro, as decisões do Banco Central afetam de modo direto os investimentos do Estado e de particulares, o nível de emprego e a taxa de inflação.
Nas últimas décadas, todos os governos ou foram cúmplices ou foram capturados por ideias que retiram da política econômica seu caráter eminentemente político e lhe tratam como se fosse um conjunto de aforismos tão somente técnicos e desprovidos de interesses de classe. Ao se tratar a economia como uma questão técnica, cria-se da ideia de que as decisões que beneficiam os banqueiros, os donos de empresas e as financeiras, são decisões justas e as únicas possíveis que acabam por interessar também aos trabalhadores e a toda a sociedade, pois no final, todos se beneficiarão dessas decisões, porque não havia outras a tomar. É assim que a imprensa burguesa trata as decisões governamentais na área econômica, especialmente quando são anunciadas por “órgãos técnicos”.
O Banco Central tem nove diretores, sendo um deles o presidente da instituição. Após indicação do presidente da República, os aspirantes aos cargos ainda precisam passar por sabatina e votação no Senado.
O texto não altera a composição dessa diretoria colegiada do Banco Central, mas estabelece mandato de quatro anos para o presidente do BC e os demais diretores. Todos eles podem ser reconduzidos ao cargo, uma única vez, por igual período.
Pela proposta, o mandato da presidência do BC não coincidirá com o da presidência da República. De acordo com o texto, o presidente do Banco Central assume o cargo no primeiro dia do terceiro ano do mandato do presidente da República.
Por exemplo: se o projeto tivesse sido aprovado no ano passado e o presidente atual do BC, Roberto Campos Neto, tivesse sido indicado para continuar no comando do BC, o mandato dele se encerraria em 2024, mesmo que Bolsonaro, por exemplo, não se reelegesse em 2022.
Hoje, o BC é vinculado ao Ministério da Economia, apesar de não ser subordinado à pasta. Mas em momentos de bloqueio do Orçamento, por exemplo, é a Economia que indica o valor que o BC precisa cortar de despesas. Com a proposta, o Banco Central passa a se classificar como uma autarquia de natureza especial caracterizada pela “ausência de vinculação a Ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica”.
Segundo o projeto, o BC se caracterizará pela “autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira”. É praticamente o mesmo status de uma agência, como Anvisa (saúde) ou Aneel (energia).
O projeto também estabelece as situações que levam à perda de mandato do presidente e dos diretores do Banco Central:
A pedido do próprio dirigente;
Em caso de doença que o incapacite para o cargo;
Quando sofrer condenação, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, por improbidade administrativa ou em crime cuja pena leve;
À proibição de acesso a cargos públicos;
Em caso de “comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil”.
Nesta última hipótese, o Conselho Monetário Nacional (CMN) deve submeter ao presidente da República a proposta de exoneração, que estará condicionada à prévia aprovação por maioria absoluta do Senado.
Caso aprovado, o projeto de autoria do senador Plínio Valério (PSDB/AM), transformará o Banco Central do Brasil (BC) num supra órgão, autônomo em relação à estrutura administrativa do país e desvinculado de qualquer ministério.
Além de contrariar o artigo 61 da Constituição Federal, que reserva esse tipo de proposta à exclusiva competência do presidente da República, a iniciativa representaria um golpe capaz de entregar a entidade responsável por regular e supervisionar todo o sistema financeiro nacional ao controle daqueles que deveria fiscalizar: os bancos.
Segundo Maria Lucia Fattorelli, que é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), responsável pela interpelação extrajudicial enviada a Lira, o argumento de que é preciso deixar o BC livre de pressões político-partidárias é insustentável.
Para ela, a ausência de tutela ou subordinação hierárquica deixará o BC à margem de todos os sistemas de controle e contabilidade pública, o que é extremamente perigoso para o Brasil e vai facilitar manobras que beneficiam o repasse de verbas públicas para os cofres dos bancos.