Os episódios da história do Brasil são interpretados pela historiografia oficial como manobras e arranjos da elite nacional como se não existissem contraditórios interesses entre as classes e inclusive entre as frações da própria classe dominante e ignoram, por consequência, a própria luta de classes. Desse modo, para essa pretensa historiografia, as massas trabalhadoras, as classes oprimidas passam completamente à margem da história.
A esquerda pequeno-burguesa é profundamente influenciada por tal concepção. Trata-se de “uma grosseria simplificação histórica que vê os acontecimentos políticos e a luta de classes que se dá entre as frações da classe dominante como irrealidade e como farsa” (A República Velha, ascensão e morte, um resumo, Revistas Textos https://www.causaoperaria.org.br/textos/?p=54). Segundo essa ideia, os acontecimentos políticos se sucedem como um fenômeno sem causa nem efeito, como se fossem mero produto da vontade política de um pequeno grupo de pessoas ou mesmo de indivíduos. Claramente, essa concepção não apenas é errada como é uma ideologia muito apropriada para a burguesia dominante, que precisa convencer o povo brasileiro de uma passividade que é falsa, mas serve como propaganda política reacionária, paralisante, contra o povo.
A episódio da Proclamação da República – e seu processo de consolidação -, que completou 130 anos nesta sexta-feira, foi uma das primeiras e talvez a principal vítima dessa concepção histórica falsa e reacionária que ensina que “o Brasil não teria tido revoluções e lutas, mas encenações da classe dominante para iludir a grande massa da população, o que dá a toda a análise da história nacional o caráter de caricatura. Ao contrário, porém, do que prega a lenda historiográfica do País, (…) a substituição do regime imperial pela República foi parte de um vasto processo de revolução política e social, que começa com o movimento abolicionista e vai até o governo de Prudente de Morais.” (idem).
Com o aniversário de 130 anos da República, a imprensa burguesa apresentou essa interpretação da história, que é abraçada pela esquerda pequeno-burguesa. Entrevista da Folha de S. Paulo com o historiador José Murilo de Carvalho destaca que a Proclamação teria acabado com privilégios somente dos Braganças. Daí se conclui que nada mudou no Brasil, tudo não passou de uma manobra “por cima” não apenas sem a participação do povo, mas sem que por parte das classes dominantes nada teria mudado.
É interessante ressaltar que tal ideia parte da imprensa burguesa brasileira atual, esta que faz parte de um monopólio reacionário que colocou em marcha setores sociais e políticos que jogam o País para os tempos mais obscuros de uma Monarquia Absoluta. Ideia ainda mais extravagante apresentou a venal revista Istoé com matéria chamada “República sem povo”. A direita brasileira, através de sua imprensa, usa a demagogia mais rasteira, com a cobertura pseudo-esquerdista da historiografia oficial para na realidade atacar a tradição de luta do povo brasileiro.
Ao contrário de tudo isso, a Proclamação da República e os anos de sua consolidação foram um resultado de uma intensa luta política. Uma luta que se deu principalmente entre as frações da classe dominante mas que era a expressão de uma crise política “por baixo” e de diversas alas nas Forças Armadas.
A República é uma consequência de uma crise que começa ainda no Império e dezenas de revoltas importantes, que atinge uma crise aguda com a abolição da escravidão, que passa por uma série de revoltas e lutas até se estabilizar no massacre em Canudos. Tudo esse período, diferente do que afirma a historiografia oficial, é um período revolucionário no País, que se encerra na derrota do levante de Canudos.
Dada a importância do tema, o Diário Causa Operária inaugura, com este, alguns artigos sobre o tema da República, procurando demonstrar e analisar os acontecimentos envolvendo esse processo de um ponto de vista da luta de classes.