Ao menor sinal de estratégia de defesa contra a truculência da PM em manifestações nas ruas, o ato causa perplexidade ao seu Comando e torna-se uma ameaça à ofensiva contra o povo, que, geralmente desarmado e sem uma pretensão maior do que se conduzir numa passeata e aglomerar na frente de um carro de som, é presa fácil e perfeitamente controlável.
Esse foi o caso de Fábio Harano, de 26 anos, que foi preso, junto a outro ativista, após um protesto na avenida Paulista em 2014, e que, segundo o secretário de Segurança Pública de São Paulo na época, Fernando Grella, ele faz parte dos primeiros adeptos da tática black bloc detidos em flagrante por associação criminosa. Além de incitar à violência durante o ato, Fábio portaria, segundo os policiais, material explosivo. Declarações que não passam de mentiras que sustentaram uma prisão, que sem ela, seriam ilegais.
A versão oficial, no entanto, é desmentida por pessoas que acompanharam a prisão. Ao contrário do que foi registrado como prova no boletim de ocorrência, não havia, segundo dizem, nenhum artefato explosivo com o manifestante. O padre Júlio Lancelloti, um ativista dos direitos humanos que viu o jovem ser revistado, afirma que “os policiais viraram e reviram os pertences dele e não acharam nada.”
Em maio passado na Paulista, a Polícia Militar de São Paulo, diante de alguns manifestantes que participavam de ato contra o governo, sob o argumento de serem suspeitos de ser terroristas por portarem artefatos químicos, fogos de artifício e canivetes, foram presos e conduzidos para a delegacia.
O fato é notório e são vários os exemplos que denotam a iniciativa pelo comando da PM, em reprimir e punir os manifestantes quando chegam a um nível maior de organização na sua defesa, sendo comum, inclusive, métodos covardes para impedir a manifestação. Infiltração de policiais para causar o caos, provocar a desordem e motivar a investida da corporação para dispersar a multidão e evitar a aglutinação; prisão ilegal e abusiva; violência na abordagem para intimidar; lançamento de bombas de gás, tiros com balas de borracha, e provas plantadas para incriminar, são algumas das várias formas de coibir o ato popular.
Sob o pretexto de combater militantes fundamentalistas islâmicos, por exemplo, o mundo inteiro, incluindo o Brasil, resolveu propor leis mais severas para punir manifestantes. Mas muitos textos de leis antiterroristas, ao buscar coibir o terrorismo, acabam por criminalizar grupos cuja tradição de contestação política o tornam alvos do aparato repressor do Estado.
No Brasil, esses grupos podem ser ilustrados pelos movimentos sociais e que têm assumido várias faces como Fora Bolsonaro, Lula Livre, Antifas, LGBT, Black Live Matter, Black Bloc, além das várias Greves promovidas pelas Centrais Sindicais, e que têm movimentado as ruas com multidões de manifestantes.
A interpretação de artigos de lei com definições vagas, por sua excessiva amplitude, tem permitido a detenção por tempo indefinido de manifestantes tidos como suspeitos sem direito a julgamento e concedendo poderes amplos às autoridades sem as salvaguardas necessárias para prevenir abusos.
Mesmo que a vítima seja gente da extrema-direita, como é o caso de blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, solto com restrição de liberdade no dia 5 passado, depois de ter a sua prisão decretada no dia 26/06, por suspeita de “impulsionar o extremismo do discurso de polarização contra o STF e o Congresso Nacional”, por meio das redes sociais, o fato é que, incentivadas medidas como essa, se já causa problema para apoiadores do governo fascista, imagine para a esquerda radical e revolucionária. Esse é, sem dúvida alguma, o tipo de poder que não se pode conceder ao congresso, sob pena de vermos a esquerda legislar contra ela própria e pagar um preço alto com a sua liberdade. O que cumpriria com propósitos bastante convenientes, ainda mais nesse período que passamos, quando a radicalidade e o confronto da esquerda com a direita tende a se acirrar, pela necessidade clara de uma sobrepujar a outra na luta política.
Ou por outra, mesmo que não se chegue a tanto, até mesmo movimentos ou partidos mais moderados em suas exigências políticas, poderiam ser criminalizados nessa luta, como já vem sendo o caso do PT no confronto com o Bolsonaro, que, a pretexto de conseguir impedir sua ascensão pelo voto nas urnas, os golpistas o enquadram como comunistas, terroristas, comedores de crianças, e outras aberrações mais.
O caso de Lula e o judiciário como um todo, envolvendo órgãos como a Política Federal, tribunais de justiça e o Ministério Público, tornou-se emblemático, e demonstrativo da dimensão que tudo isso pode ganhar na luta pelo poder, com prejuízo à liberdade, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, que são corolários da Constituição Federal, lá inscritos pela crescente participação popular e da classe trabalhadora e de muitos dias de greve e reivindicações.
Mas o alerta já vem tarde. Todas essas medidas só revelam que a ditadura não precisa necessariamente vir de Bolsonaro, podendo perfeitamente ser implementada pela direita “dita” civilizada, a exemplo do que estamos vendo com o julgado do blogueiro pelo STF, e de outros exemplos vindos de governadores e administradores da coisa pública, cujo abuso, por exemplo no combate à epidemia, são provas de covardia, flagrante desrespeito à cidadania, e pura tirania.