Presidencialismo de coalizão e o funcionamento do sistema político brasileiro parte III

A constituição de 1988 teve como uma dos implicações fundamentais a implementação do chamado presidencialismo de coalizão, que tem como característica básica o fato que o poder  executivo para ter governabilidade precisa  estabelecer uma ampla coalizão no legislativo. Para  a construção e aprovação da ” agenda governamental” são necessárias negociações permanentes, envolvendo a participação dos partidos aliados na máquina pública, bem como acesso a verbas públicas e benefícios variados para parlamentares da ” base aliada”.

A evolução política do modelo político baseado no presidencialismo de coalizão é descrito por Sergio Abranches através da experiência histórica dos governos pós 1988. São abordados acontecimentos do governo Fernando Collor de Melo, passando pelos governos Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula até o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

O texto é marcado por uma exposição rica e detalhada , apresentando episódios políticos, as principais medidas governamentais,  as costuras para as eleições das mesas diretoras das casas legislativas do Congresso Nacional, a formação de ministérios, impactos das eleições municipais e para governos estaduais na ” governalidade” e na correlação de forças entre situação e oposição, ainda  são divulgados dados de pesquisa de opinião sobre a popularidade dos presidentes.

No capítulo 10 intitulado O estranho de dentro do ninho, Sergio Abranches reporta a  primeira campanha eleitoral depois da ditadura militar, as eleições de 1989  que teve como resultado a vitória de  Fernando Collor, que contou como uma campanha profissional no estilo norte- americano, apresentando como slogan principal o “ combate aos marajás”.

O resultado final das eleições de 1989 indicou a completa desidratação dos candidatos dos maiores partidos, que evidenciou o completo fracasso do governo Sarney, “ deu-se o paradoxo de que os dois maiores partidos (PMDB/ PFL) tiveram 5 % dos votos para Presidência da República.”

O que não é explicitado é que a vitória de Collor foi uma medida improvisada da burguesia para evitar que a candidatura Lula pudesse ser vitoriosa, por isso aconteceu um deslocamento do aparato político dos principais  partidos do regime da Nova República, PMDB e PFL para uma candidatura de um representante marginal do sistema político.

O governo Collor foi caracterizado por um governo tenso sem uma base de sustentação coesa e coerente, muito em fusão da improvisação da manobra política nas eleições de 1989, efetivamente o presidente eleito sequer tinha um partido político.

“ Collor chegou à presidência isolado e acreditou que poderia usar a pressão popular, expressa no seu cacife eleitoral, para forçar os partidos a apoiarem sua agenda legislativa de governo (…) ” (Abranches, idem,p.95).

De uma maneira geral, “ nos seus dois anos de governo, Collor conseguiu evitar que as forças majoritárias no Congresso se reunissem numa sólida coalizão de veto contra ele. Mas em momento algum suas posições coincidiram com as posições dominantes no Legislativo.” (Abranches, idem,p.113).

Uma questão relevante sobre a abordagem do autor sobre o processo de impeachment de Collor é que o mesmo aproveita a oportunidade para se posicionar em relação a derrubada de Dilma Rousseff em 2016.   “ houve tratamento desigual para os dois presidentes afastados sob a mesma Constituição. Os prazos foram mais curtos para Collor. A ex-presidente Dilma só teve que deixar o cargo após instauração do processo no Senado. Faltou a Collor apoio de militância e uma defesa político- parlamentar estruturada, baseada em organizações partidárias fiéis e sólidas.”

Além disso,  “ o isolamento político reduziu suas chances não apenas de escapar ao impeachment, mas de preservar uma narrativa contraposta à vitoriosa, como aconteceu no caso de Dilma Rousseff (…) “ A presidente teve essa defesa todo o tempo e, embora ela não tenha sido suficiente para impedir a interrupção de seu mandato, o foi para livrá-la da suspensão dos direitos políticos e para firmar a contranarrativa apresentado o impeachment como uma golpe.”

Na visão de Sergio Abranches, o impeachment esta previsto na constituição e portanto “ Os as duas são golpes parlamentares ou nenhuma das duas deve ser interpretada como tal.”

O que pretende Sergio Abranches com essa comparação entre o processo de impeachment de 1992 com o realizado em 2016 ?

O objetivo central de Sergio Abranches é demostrar que não houve golpe de Estado em 2016, e que os grupos políticos não desrespeitaram as “ regras do jogo”. No capitulo sobre a queda de Dilma, Abranches caracteriza que o impeachment de Dilma foi até mesmo mais “democrático e com mais garantias” do que na época de Collor. Sendo que “ Exagero falar em golpe, pois o impeachment é traumático, mas faz é uma deposição institucional, constitucional, legal e legitima.” ( Abranches, p.317)

O que o autor não diz é que, ao contrário do processo contra Collor, não havia nem sequer um crime de responsabilidade da presidenta Dilma em 2016.  Além do mais, a manipulação dos índices de popularidade do governo Dilma, a ação orquestrada da imprensa monopolista, bem como a intervenção do judiciário para colocar em marcha o golpe de Estado não estão presentes no texto.

As supostas “ garantias democráticas e constitucionais” foram meramente aparências para justificar um golpe de Estado. A inexistência de crime de responsabilidade e a condução do processo de impeachment na Câmara de deputados, por  Eduardo Cunha, então presidente da Câmara é um fato revelador das “ garantias” do processo farsa.

A grande repercussão da denúncia do golpe  de Estado em 2016, inclusive internacionalmente é minimizado como sendo apenas uma “ contranarrativa”. Além disso, Sergio Abranches, mesmo com “ ressalvas” pontuais sobre os excessos da judicialização  da política, apresenta um apoio as vezes aberto outras vezes velados da Operação Lava Jato e da Ação Penal 470 ( mensalão), comprando o discurso tradicional da direita golpista de “ Luta contra a corrupção”.

Como já salientamos anteriormente, a Ciência Política acadêmica, mesmo a que procura se apresentar como “ realista” e mesmo “ critica”, não consegue ter uma explicação efetiva da crise política brasileira.

O livro de  Sergio Abranches sobre o modelo político brasileiro a partir da noção “ presidencialismo de coalizão”, apesar de demostrar alguma eficiência na descrição de aspectos do funcionamento do sistema político, em especial da relação Executivo e Legislativo, não consegue ter uma análise de conjunto da crise política brasileira. Não tem uma apreciação dos interesses sociais e econômicos por detrás das operações políticas. E o mais grave, quando aborda o processo de impeachment que levou a derrubada do governo Dilma, acaba por cumprir um papel de encobrimento do golpe de Estado, justificando formalmente a “ legalidade” do golpe.

 

 

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