O Pacote Anticrime, um ataque brutal contra toda a população, foi sancionado pelo presidente ilegítimo Jair Bolsonaro na última terça-feira (24). Mesmo assim, Bolsonaro recebeu várias críticas de sua base, uma vez que sancionou várias emendas. Uma delas chama bastante atenção: a emenda proposta pelo deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que cria o juiz de garantias.
O objetivo dessa polêmica não é o de analisar profundamente os detalhes da emenda – afinal, isso seria um diversionismo diante da discussão principal que merece ser levantada. Nos propomos, portanto, a discutir quais são os fenômenos que levariam um governo de extrema-direita, capacho do imperialismo norte-americano, a sancionar, a contragosto de parte de sua base, uma emenda proposta por um parlamentar da esquerda nacional? A pergunta se torna ainda mais intrigante quando levamos em consideração que o próprio Marcelo Freixo, no início do ano, dissera que Bolsonaro havia eleito o Psol como “principal inimigo”.
O caminho da adaptação
Antes de qualquer coisa, é preciso ser dito que a mera proposta de uma emenda parlamentar para um projeto monstruoso já é, em si, uma capitulação tremenda por parte de Marcelo Freixo e da bancada do Psol. O Pacote Anticrime foi concebido pela burguesia para impor uma repressão ainda mais dura à população, que já sofre diariamente nas mãos de uma das polícias mais sanguinárias que já existiram no planeta.
Encobertos pela demagogia do “aumento da criminalidade”, os golpistas se sentiram à vontade para propor um aumento da repressão. Uma política, obviamente, reacionária e diretamente ligada aos acontecimentos mais recentes, que confirmam a fortíssima tendência dos povos a se levantarem contra a política neoliberal na América Latina.
O papel da esquerda, nesse caso, não poderia ser outro a não ser o de denunciar a operação dos golpistas. Em vez de ir à tribuna propor uma mudança pontual no projeto, a política correta seria a de mobilizar a população contra a ofensiva da direita – culpar a burguesia pela desigualdade social, que é a razão da chamada “criminalidade” e exigir a retirada das tropas dos agentes da repressão das ruas.
O que isso revela é uma política de adaptação completa ao bolsonarismo – isto é, do avanço da extrema-direita. Na medida em que os parlamentares do Psol se recusam a enfrentar a direita e mobilizar suas bases para derrubar o governo, estão se adaptando às exigências do regime político, indicando a seus apoiadores que é necessário fazer tudo aquilo que a extrema-direita ordenar.
A adaptação mostra também uma profunda incompreensão dos parlamentares da atual situação política. A burguesia não impôs nenhuma derrota definitiva sobre os trabalhadores, tampouco o governo Bolsonaro se mantém estável. Muito pelo contrário: a crise capitalista é tão profunda em todo o mundo que torna a burguesia cada vez mais encurralada em torno de seu próprio caos. Por isso, não é hora de se ajoelhar ao inimigo e ceder às suas exigências: é hora de ir para cima e pôr todo o regime abaixo.
A esquerda camaleão
O outro aspecto que fica claro com a sanção bolsonarista à emenda de Freixo é que a esquerda pequeno-burguesa, pressionada pela direita, que avança sobre o regime, vai abandonando seus princípios e adotando um programa cada vez mais reacionário. Nos últimos tempos, contrariando os interesses reais dos trabalhadores, os ideólogos da esquerda pequeno-burguesa têm defendido um programa de combate à corrupção e um programa de promoção da segurança pública.
A justificativa para aderir a essas pautas da direita seria a de que uma dita opinião pública estaria preocupada com esses temas. Nada poderia ser mais falso. A classe operária continua preocupada com as mesmas questões de sempre, as demandas mais materiais e urgentes: o combate à fome, o salário, o emprego, o direito à terra etc. O combate à corrupção e à criminalidade nunca foram pautas populares: são apenas objeto de uma forte campanha por parte da burguesia para aprofundar o controle sobre o regime político.
Adotar o programa da direita, além de refletir um completo abandono das camadas às quais deveriam defender, mostra que os parlamentares da esquerda pequeno-burguesa não têm princípio algum – e, deste modo, se tornam verdadeiras marionetes nas mãos da burguesia. A política de camaleão – isto é, de mudar constantemente suas bandeiras – contribui apenas para que as mobilizações contra a política neoliberal se arrefeçam, ao mesmo tempo em que a esquerda pequeno-burguesa é agraciada com um ou outro cargo.
Por fim, esse tipo de política é, também, um fracasso inexorável. Afinal, se o objetivo de defender as mesmas pautas que a direita seria conquistar a opinião pública – isto é, o eleitorado da direita -, é certo que a esquerda pequeno-burguesa perca, cada vez mais, o prestígio perante as massas. Ao mesmo tempo, a capacidade de atrair votos da direita é extremamente limitada – afinal, para os setores que já são tradicionalmente ligados à burguesia e defendem uma política de ataque aos trabalhadores, faria muito mais sentido apoiar nos políticos que defendem abertamente a política do governo Bolsonaro do que os que se apresentam como membros da oposição.