Os estudantes da Universidade de São Paulo (USP), uma das maiores da América Latina, foram surpreendidos nos últimos dias com a notícia de que foi construída uma base fixa da Polícia Militar dentro da Cidade Universitária, localizada no Butantã. A reitoria direitista aproveitou o período da pandemia, quando alunos e professores não estão frequentando o campus, para concluir as obras dessa nova base. A notícia circula as redes sociais, dentro de grupos de alunos da USP, que se colocam totalmente contrários a esse novo ataque à autonomia da Universidade.
A presença da Polícia Militar dentro da Universidade foi legalizada pelo estado no ano de 2011, sob muitos protestos dos alunos e professores. Já naquela época, foi levantado o absurdo da medida. A Universidade é uma entidade autônoma, que não deve ser fiscalizada pelo Estado burguês e suas forças repressivas não devem entrar nos campi sob nenhuma circunstância. No entanto, o reitor à época, João Grandino Rodas, deu um golpe violentíssimo na autonomia universitária ao trazer a PM para a Cidade Universitária.
Naquela época, a PM entrou com bases móveis e viaturas na USP e já foi um importante fator para diminuir o número de protestos e mobilizações dentro do campus e para o aumento exponencial da repressão aos alunos. Os moradores do Conjunto Residencial da USP (CRUSP), a camada mais pobre do corpo discente da Universidade, sentem frequentemente na pele o sentido dessa intervenção policialesca no campus Butantã.
A construção de uma base fixa dentro da Universidade constitui mais um ataque profundo na sua autonomia. Nos grupos de alunos das redes sociais, é possível ver os protestos dos alunos diante da medida. Comentários como “Absurdo! Fora polícia do campus!”; “Perfeita para um molotov”, “Verba para isso eles tem né?? Rs” mostram a indignação que isso causa na juventude, que será o setor mais atacado pelos policiais que estarão baseados nesse edifício. A indignação com relação às verbas investidas no prédio da PM está diretamente relacionada com o fato de que as salas de aula e os espaços destinados aos alunos estão caindo aos pedaços, sob a justificativa de que não há dinheiro do estado para mantê-los em condições decentes.
O Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários (CAELL), que representa os estudantes da Letras, o curso com maior número de alunos da Universidade, emitiu uma nota em que denuncia o verdadeiro sentido da construção dessa base dentro da universidade. Na nota, é explicado que “Na USP a polícia (…) não está a serviço de proteger os estudantes, trabalhadores e professores, mas sim já deu provas de estar a serviço de garantir os ataques propostos pelos governos e pela reitoria, nem que para isso tenha que jogar bombas em membros da comunidade universitária”, além disso também é comentada a postura dos policiais frente aos moradores da São Remo, favela localizada perto da Cidade Universitária, que são um dos grupos que mais sofre com a presença ostensiva da polícia ali.
O coletivo “Florescer Rosa Vermelha – Ceupes 2020” também emitiu nota em protesto à construção da base, onde lembra que “Não à toa a base se localiza estrategicamente ao lado dos blocos K e L, que foram tomados pela reitoria e são uma reivindicação histórica dos moradores do CRUSP, onde dias atrás foi reprimido com gás de pimenta e bombas de efeito moral um protesto dos moradores que denunciavam a precariedade das condições de moradia enquanto a USP sediava um evento milionário com mais de 30.000 pessoas”. O evento ao qual a nota se refere é o Boat Show, evento da burguesia paulistana para exibir seus barcos, e que ocorreu na raia olímpica da Cidade Universitária, cedida por um aluguel irrisório para os organizadores do evento, também sob muitos protestos dos alunos e moradores do CRUSP.
A estudante Victória L., que frequenta o campus do Butantã desde 2016, relata que “as tentativas de limitar a liberdade dos estudantes dentro do campus têm sido cada vez mais ostensivas por parte da Reitoria, chegando ao ponto de instalarem uma base fixa próximo à área residencial da Universidade (o Crusp). Antes, havia apenas uma base móvel e a entrada de viaturas no campus já era constante. O movimento se intensificava no período noturno, a partir das 18 horas, em especial nos dias em que havia festas promovidas pelos institutos. Os PMs eram instruídos, pela própria Reitoria, a tratar os frequentadores e organizadores desses eventos como criminosos. No ano passado, vimos episódios absurdos, como quando os PMs entraram portando fuzis na FFLCH, intimidando professores e alunos dentro das salas de aula, para revelarem a localização de um indivíduo específico, que supostamente era acusado de produzir pornografia infantil ou algo do tipo”.
Um estudante de Ciências Sociais, que preferiu não se identificar, disse para nós: “Eu acho que a presença da PM dentro do campus, de maneira cada vez mais intensiva e ostensiva, impede que o pensamento na Universidade seja desenvolvido de uma maneira mais crítica, livre e democrática. O que privilegia um conhecimento mais instrumentalizado e orientado mais pelos valores de mercado, como no geral a política e o nosso mundo social tem se encaminhado no neoliberalismo. E a PM faz isso reprimindo a presença e a organização dos estudantes, em diversos episódios pelo campus, espalhando um ambiente de medo, segregando a população, fazendo com que o acesso à Universidade fique ainda mais restrito do que ele já é, tornando-a um ambiente ainda mais elitista e segmentado. Esse modelo e esse policiamento ostensivo faz com que as medidas que o reitor toma, políticas e de interesse da Universidade, mas na verdade do interesse de pequenos setores, que não contempla uma composição coletiva e de formulação de interesses com docentes, alunos e funcionários, faz com que as decisões que ele toma sejam muito menos debatidas e passíveis de menos debates porque você não pode protestar contra elas, já que já tem um instrumento de repressão a postos, do lado. Além disso, isso não ajuda na segurança porque a maior parte da violência é ocasionada e perpetuada pela própria polícia.”
A construção dessa base constitui um ataque à autonomia dos estudantes, professores e funcionários, além de um avanço de uma verdadeira ditadura dentro do campus. Os três setores devem se organizar e lutar para que a polícia seja retirada definitivamente da Universidade, onde ela nunca deveria ter entrado. Deve-se pedir “Fora PM da USP”, uma completa autonomia da Universidade, sem a intervenção estatal e a exigência de um governo tripartite, em que professores, alunos e funcionários decidam os caminhos da Universidade.