Causou escândalo a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, de conceder habeas corpus para que o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello tenha o direito de ficar em silêncio na CPI da Covid.
Não há dúvida que é um princípio fundamental do direito é o cidadão poder ficar calado sempre que ele entender que isso possa prejudica-lo. Quanto a isso, não devemos ter dúvida. Porém, a questão que deve ser discutida é o significado político da decisão.
Num momento em que todos os princípios democráticos fundamentais são facilmente e sob qualquer pretexto atropelados, chama a atenção a preocupação de Lewandowski de conceder esse habeas corpus para Pazuello.
Antes de explicar o problema, vale a pena fazer um exercício de imaginação: será que tal direito seria concedido para alguém de esquerda na mesma situação? Qual seria o tamanho do escândalo da imprensa golpista caso isso acontece?
De fato, o que está em jogo no caso não é um debate jurídico. O que está em jogo, simplesmente, é a decisão política dos militares de não dar nenhum tipo de munição para a CPI. Afinal, a decisão de preservar Pazuello está diretamente relacionada aos interesses dos militares, foram os generais que pressionaram o STF e a própria CPI para que não haja pressão sobre o ex-ministro, que também é general.
A primeira análise é a de que as Forças Armadas, em particular os generais, não querem saber de nenhum tipo de investigação que possa retirar sua autoridade. Não querem correr o risco de que uma desmoralização de Pazuello perante a CPI, ou seja, perante o Congresso, possa abrir o caminho para uma política que atinja outros setores dos militares. Os generais deram o recado de que não é para atacar Pazuello.
Mas a conclusão mais importante a ser tirada desse fato é a própria política dos militares em relação ao governo Bolsonaro.
A CPI foi montada pela burguesia, ou seja, pela direita golpista tradicional, para desgastar Bolsonaro e procurar, a partir daí, encontrar uma alternativa eleitoral para 2022. Uma alternativa que seja da confiança da direita.
Esse objetivo da CPI, pelo menos até agora, não está sendo atingido. A maior parte dos depoimentos são inócuos desse ponto de vista, os ministros que foram interrogados não tinham nada demais a apresentar, ou se tinham, não apresentaram nada que comprometesse o governo. Pazuello era provavelmente o nome que mais poderia comprometer Bolsonaro no que diz respeito à política do Covid. A entrada em cena dos generais, no entanto, frustou qualquer esperança nesse sentido.
Pazuello vai entrar mudo e sair calado da CPI.
Isso mostra que os militares parecem não estar dispostos a contribuir com a burguesia contra Bolsonaro. Tudo indica, à primeira vista, que os generais tendem mesmo a um apoio ao governo.
Isso coloca em questão o próprio apoio da burguesia a Bolsonaro. Se a tentativa de conseguir uma alternativa for fracassada, como até agora tem sido, o nome para 2022 será Bolsonaro.
Essa conclusão é essencial para a esquerda definir sua política. É preciso acabar com as ilusões de que a direita tem pretensões a apoiar Lula. Tudo leva a crer que não. Se não conseguir um nome de sua confiança, como aconteceu em 2018, a burguesia vai correr para apoiar Bolsonaro. Tal parece ser, até agora pelo menos, a tendência da direita e do chamado “centrão”.
Por isso, a mobilização real contra o golpe e pela candidatura de Lula é mais que urgente. Se há alguma possibilidade de a esquerda sair vitoriosa é através de uma ampla mobilização.