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“Os grupos fascistas na Ucrânia são uma ferramenta perfeita para reprimir qualquer resistência popular”, diz jornalista ucraniano

Na Ucrânia, um governo de extrema-direita surgido de um golpe de Estado promovido pelo imperialismo acaba de instaurar uma semiditadura militar. No dia 26 de novembro, o presidente Petro Poroshenko decretou lei marcial por 30 dias.

A lei vigora em dez regiões do país, dentre elas Donetsk e Lugansk, regiões que declararam independência em 2014 e formaram a República Popular de Donetsk e a República Popular de Lugansk. O regime de Kiev não reconhece a separação e está em guerra civil contra os rebeldes.

O pretexto para a lei marcial foi a captura de três navios de guerra ucranianos por parte da Rússia no dia anterior da decretação da lei. Os barcos cruzavam o estreito de Kerch, saindo do Mar Negro para entrar no Mar de Azov, mas o estreito é controlado pelos russos, que avisaram as embarcações para não passarem pelo local, sendo ignorados e terminando por abrirem fogo e apreender os veículos e a tripulação. A Rússia considerou o ato como uma provocação da Ucrânia, país com o qual vive uma tensa relação, e com apoio do imperialismo. O caso gerou uma forte crise política entre os dois países e levou à instauração da lei marcial na Ucrânia.

Para explicar o que ocorre na região e seu contexto, o Diário Causa Operária Online conversou com o jornalista ucraniano Oleg Yasinsky. Ele falou sobre o golpe de 2014, o crescimento do movimento fascista na Ucrânia, o regime de extrema-direita impulsionado pelo imperialismo e seu conflito com as repúblicas independentistas do Donbass e com a Rússia.

O que é a lei marcial e quais estão sendo seus efeitos práticos até o momento?

Do ponto de vista legal, a lei marcial na Ucrânia que entrou em vigor em dez regiões fronteiriças do país pode significar o seguinte: restrições aos direitos e liberdades constitucionais da população, confisco de propriedades comunitárias e privadas “para as necessidades do Estado”, aplicação do toque de recolher, implementação de um “dever de trabalho”, que obriga civis a se incorporarem para trabalhar nas forças armadas, introdução de postos de controle militares e restrições sobre a transferência de informação nas redes sociais. A maioria desses pontos não tem caráter obrigatório e, mais que uma realidade, são uma possibilidade. Segundo informação que nos chega, o caótico e improvisado governo do presidente Petro Poroshenko não se atreve a reprimir a população com todas as faculdades que a lei lhe permite, já que o nível de apoio de seu governo é mínimo, sobretudo nas regiões onde foi imposta a lei marcial. Até agora, trata-se mais do que nada de uma base legal para justificar uma futura destruição do que restou da democracia ucraniana.

A repressão do governo não é uma novidade… O que tem acontecido desde o golpe de Estado de 2014, como o governo tem tratado os movimentos sociais e os partidos opositores, especialmente os de esquerda? Também há uma perseguição aos falantes de russo e à imprensa russa?

Diferentemente de uma grande parte dos países da América Latina, no momento do golpe de Estado na Ucrânia, assim como no resto das ex-repúblicas soviéticas, nesses territórios já não existia praticamente nenhum movimento social de esquerda capaz de enfrentar o avanço da extrema-direita. Os partidos pós-soviéticos que costumam se autodenominar de esquerda – como o comunista ou o socialista – nunca foram uma esquerda real e, para além de seu discurso meio nostálgico e meio progressista, nunca se desfizeram de sua cômoda e tranquila cota dentro do poder capitalista. Um par de décadas de uma hábil e descarada propaganda anticomunista nos principais veículos de imprensa “democráticos” da ex-URSS semeou entre as novas gerações um repúdio geral contra as ideias de esquerda e cultivaram uma fé cega no capitalismo como sinônimo de progresso econômico e liberdades pessoais.

O novo regime ucraniano – de longe o mais direitista em toda a Europa – desde suas primeiras no poder, reprimiu e amedrontou os fracos e divididos grupelhos de esquerda, embora estes jamais tenham chegado a ser uma referência, e, ao melhor estilo Bolsonaro, ilegalizou a propaganda e a simbologia comunista, tentando estabelecer dentro do imaginário das massas uma falsa igualdade entre o comunismo e o fascismo… usando o velho truque da comparação entre Hitler e Stalin.

Sobre a perseguição aos falantes de russo e à imprensa russa, o tema é mais complexo. Apesar de muitas afirmações da propaganda oficial russa, o principal conflito na Ucrânia não é entre o idioma russo e o ucraniano ou entre os ucranianos e os russos, mas entre duas visões da história, que, simplificando, poderíamos definir como uma orientação “pró-russa” no oriente do país, historicamente de fala russa, industrializado e culturalmente mais “soviético”, e uma orientação “pró-europeia” no ocidente, mais agrícola, nacionalista e mais distante da Rússia idiomática e mentalmente. As novas autoridades da Ucrânia, país diverso, multicultural e riquíssimo em suas culturas e paisagens, incentivaram e conseguiram separar essas regiões, gerando uma guerra civil a qual preferem apresentar como conflito com a Rússia, algo totalmente falso.

Com isso, é preciso ter em conta que a maioria dos ucranianos têm como seu idioma natal o russo e os russos étnicos da parte ocidental do país sempre falaram ucraniano. Apesar da imposição do idioma ucraniano nas regiões de uma maioria de fala russa, a linha divisória na Ucrânia não existe pelos idiomas, mas pelas ideias políticas. Muitos ucranianos de fala russa apoiam o atual governo de Kiev a acusam a Rússia de Putin de promover a guerra. E dizer que os russofalantes na Ucrânia são perseguidos por falar russo seria uma mentira. Sobre a imprensa russa na Ucrânia, há um claro filtro ideológico. Há anos existe uma censura oficial da imprensa estatal russa e como o governo ucraniano considera a Rússia um país inimigo, toda a imprensa oficial russa tem sérios problemas. Por outro lado, a imprensa russa opositora tem luz verde e, como é lógico, é tratada pelas autoridades ucranianas como amiga e aliada.

Tudo isso está relacionado com o aumento exponencial das atividades de grupos fascistas desde o chamado “Maidan” (golpe de 2014). Qual é a relevância e o poder desses grupos? Há um perigo de tomarem o poder do Estado? Parece que há inclusive grupos paramilitares e o temido Batalhão Azov, que recebeu apoio dos Estados Unidos e agora faz parte da Guarda Nacional da Ucrânia.

O atual governo da Ucrânia pôde chegar ao poder graças a dois grupos de choque da extrema-direita, o Partido Svoboda (Liberdade) e o Pravyi Sektor (Setor de Direita). Tendo uma representação mínima na sociedade e um apoio eleitoral insignificante, esses movimentos nazistas parecem ser forças melhor organizadas e estruturadas do país, ideologicamente muito claros e com suficiente força militar para amedrontar até certos círculos do poder que de vez em quando se incomodam um pouco com tanta proximidade que têm com eles. Seguramente eles têm simpatizantes entre os altos comandos militares e nos serviços de segurança. A tendência na relação entre o estado e os grupos paramilitares da extrema-direita é a de sempre. Me refiro ao que se viveu em El Salvador e Guatemala na década de 1980 e o que segue na Colômbia e no México hoje. São uma ferramenta perfeita para reprimir qualquer resistência ou descontentamento popular: os sequestros e assassinatos podem ser atribuídos ao “crime organizado”, o estado lava as mãos, oficialmente lamenta e até põe flores no túmulo da vítima. Com o futuro presidente do Brasil, é capaz que peçam assessoria a seus veteranos dos esquadrões da morte. Eles ainda têm muito a aprender. E o papel dos EUA nessas delicadas situações costuma ser de uma hipocrisia infinita… se aqui, na América Latina, sabemos muito de alguma coisa, é disso…

Então há milícias fascistas na Ucrânia? Como atuam? Atacam os sindicatos?

Existem vários grupos de choque sob diferentes nomes. Alguns se denominam os “dobrobat” (Batalhões do Bem), outros que são chamados na imprensa pelo eufemismo “grupos de radicais” costumam atacar pessoas solitárias, normalmente indefesas, sempre desarmadas. Suas vítimas frequentemente são sindicalistas, ativistas de esquerda, jornalistas, pacifistas, veteranos de guerra que participam de atividades comemorativas antifascistas, e, como do costume dos nazistas, atacam imigrantes, ciganos, gays e outros que não se encaixam em sua “norma”.

Destroem monumentos aos personagens históricos, revolucionários e antifascistas, profanam seus túmulos, atacam os meios de comunicação que não gostam, assim como os tribunais de justiça e a embaixada e consulados russos. A polícia normalmente não intervém. E quando intervém, como aconteceu há seis meses em Dnepr quando defendeu uma celebração popular da vitória sobre a Alemanha nazista, logo termina com os delinquentes absolvidos e policiais punidos e demitidos. Sendo hoje grupos bastante reduzidos, hoje se comportam como os donos das ruas.

O que está acontecendo no Donbass? Nos últimos meses se falou que o conflito pode voltar a escalar e o exército pode fazer uma nova ofensiva.

No Donbass se vive uma realidade paralela. As repúblicas independentistas apoiadas mas não reconhecidas por Moscou são uma peça a mais no jogo geopolítico entre EUA e Rússia, onde o capitalismo multinacional se apoderou do território ucraniano, pela primeira vez posicionando-se na fronteira russa a fim de desestabilizar seu governo e se apoderar de seus enormes recursos naturais. E o capitalismo nacional russo – inimigo mais fraco – tenta defender como pode seus sempre santos interesses. Mas creio que há uma clara diferença. Se para o governo ucraniano – um governo claramente colonial e profundamente antissocial – uma permanente guerra em seu território é o principal álibi e desculpa para justificar sua desastrosa política interna baseada na repressão e saque, para o governo da Rússia é uma fonte de instabilidade e perigo que ameaça seus interesses. Sobre o futuro dessa situação já se disse e se dirá muita coisa, mas tenho a impressão de que o ambiente se manterá tenso e ninguém sabe o que poderia acontecer. Enquanto esse governo ucraniano se mantiver no poder, essa guerra não vai terminar.

Em sua opinião, o movimento separatista do Donbass é legítimo?

Creio que o próprio conceito de “separatista” é parte de uma manipulação midiática. Os verdadeiros separatistas que dividiram a Ucrânia são suas autoridades que mandaram tanques e aviões de guerra ao Donbass para impor sua versão da história e futuro. Nesse sentido, creio que a resistência no Donbass é justa e legítima.

Você acredita que os EUA, União Europeia e OTAN estão utilizando a Ucrânia para ameaçar a Rússia?

Estou seguro de que o governo dos EUA, através dos instrumentos militares da OTAN e chantageando a União Europeia politicamente, tentam controlar os recursos naturais da Rússia. Não estão fazendo outra coisa senão o que costumam fazer em todo o mundo. A Ucrânia recebeu uma dupla missão: a de ser um laboratório para experimentar os métodos de desestabilização da Rússia (embora muitos ucranianos e russos digam que não, ou talvez se sintam ofendidos, as diferenças mentais e culturais entre os dois povos são mínimas e mais imaginárias do que reais) e a de ser a plataforma para desestabilizar e provocar a Rússia na mais vulnerável de suas fronteiras, a poucas centenas de quilômetros de suas principais cidades. Está claro que o objetivo da pressão ocidental não é o governo do senhor Putin, mas os recursos da Rússia e uma possível aliança estratégica entre Moscou, Berlim e Pequim que derrocaria do topo do poder mundial o decadente império dos EUA. A Ucrânia nesse caso não é mais que um tabuleiro de xadrez geopolítico.

O que você espera das eleições do próximo ano? Poroshenko não tem nem 10% de aprovação.

Hoje não conheço nenhuma força social decente nem interessante capaz de retirar o poder da atual administração colonial. Para salvar a Ucrânia se necessita de um potente movimento de baixo com uma orientação anticapitalista, capaz de apresentar um novo projeto político e cultural. Lamentavelmente, nem na Ucrânia, nem nos outros lugares do território que antes se chamava União Soviética, não se vê nada parecido. Segue a luta entre as sombras do passado, onde algumas se veem tão monstruosas, que outras ao lado delas parecem ser progressistas. Mas creio que não é mais do que um jogo de sombras. O futuro ainda não chega. Pensando nas eleições, quero repetir a velha frase argentina, “Que se vayan todos”. E, se quer uma resposta honesta, direi que não espero nada. Pelo menos, ainda não.

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