No dia 23 de outubro, o portal Brasil 247 publicou o artigo “Só Lula pode evitar que Brasil vire um Chile”, assinado pelo linguista Gustavo Conde. No texto, o autor afirma que o ex-presidente Lula seria a única pessoa capaz de impedir uma convulsão social no Brasil.
No início do artigo, Conde critica supostos intelectuais e ideólogos que se arrogam no direito de determinar o momento certo para que os acontecimentos políticos aconteçam.
Comentaristas, ideólogos, “líderes”, opositores acham que revolta popular é questão de timing e senso de oportunidade.
“Ah, não é hora de tomar as ruas” (como se isso fosse uma questão de ‘desejo’). “Ah, pedir impeachment é um erro”. Ah, se brasileiros forem às ruas como os chilenos, teremos o endurecimento do ‘regime”.
Ou seja: é melhor ficarmos todos quietinhos esperando a “ordem” de alguém “muito inteligente” que saberá exatamente o momento exato para “nos revoltarmos”.
De fato, não é papel de nenhuma liderança da esquerda determinar o momento em que as revoltas devem acontecer. Como disse Karl Marx:
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.
Ironicamente, no entanto, Conde se contradiz ao desenvolver seu texto. Ao tratar do caso do ex-presidente Lula, o linguista apresenta a tese de que Lula seria uma pessoa capaz de “controlar” uma convulsão social:
O Brasil está na fila da convulsão. E se isso trará generais de volta, se isso levar o país a um golpe branco ou verde-oliva, trata-se absolutamente do imponderável.
Timing se identifica, não se produz. Curiosamente, o timing histórico coloca Lula mais uma vez no olho do furacão. Ironicamente, Lula é a única chance da elite – e de todos nós -, para se evitar um banho de sangue.
Só Lula conseguirá ‘controlar’ a convulsão social que está por vir. Lula é parte estrutural da identidade de todo e qualquer brasileiro e sua presença no cenário social destruído a que o Brasil foi lançado poderá evitar aquilo que hoje se vê no Chile.
“Aquilo que hoje se vê no Chile” é uma imensa mobilização popular contra a política neoliberal. Na última sexta-feira (15), cerca de 1,2 milhão de pessoas saíram nas ruas para protestar contra o governo Piñera – sendo que o Chile tem apenas 18 milhões de habitantes, segundo os levantamentos mais recentes. O país inteiro está convulsionado após anos de uma política de massacre do povo – uma política assentada em diretrizes de uma ditadura com características fascistas e que roubou até mesmo a aposentadoria dos chilenos, levando muitos idosos ao suicídio.
A mobilização no Chile está fazendo o governo direitista de Piñera recuar e os mais variados setores da população a se unificar em torno de uma decisão: pôr um ponto final na farra dos capitalistas, que estão saqueando toda a América Latina. Esse, inclusive, é o único caminho a ser seguido: a direita já mostrou que não respeita eleições, que não se importa em matar milhões, tampouco segue qualquer lei que não seja de sua conveniência. Portanto, a única forma de os trabalhadores alcançarem suas reivindicações é por meio da força – isto é, da mobilização da revolucionária, disposta a ir até as últimas consequências para ter suas demandas atendidas.
A convulsão social, desse modo, não é algo a ser temido pelos brasileiros. Pelo contrário: a convulsão é justamente o que o Brasil precisa para ter sucesso na luta contra os golpistas. O Brasil já é o Chile – isto é, castigado pelas aves da rapina do imperialismo. É hora, portanto, de agir como o Chile – de agir como o povo chileno, de sair às ruas de maneira decidida a romper com as instituições golpistas e fazer prevalecer a vontade dos trabalhadores.
A revolta no Brasil é, além de necessária, inevitável, como aponta o próprio Gustavo Conde. E assim p é em todos os demais países. Os levantes na Catalunha, em Honduras, no Haiti, no Equador e no Chile não são coincidência, mas sim a prova de que é impossível que um povo aguente calado as torturas da política neoliberal. Se é inevitável, por que impedir, ou até mesmo “controlar” a convulsão social, conforme propõe Conde?
Se a sociedade é dividida em classes, os acontecimentos que enfraquecem um determinado polo, automaticamente fortalecem seu oposto. É impossível, portanto, que a “convulsão social” seja um evento negativo tnto para a burguesia quanto para os trabalhadores. A quem interesse controlar a convulsão e a quem interessa, portanto, levar adiante uma revolta generalizada do povo?
A revolta no Chile, que expressa, em linhas gerais, as mesmas contradições dos demais países, é, conforme dissemos, um movimento que unifica a população em torno de uma luta contra a direita. O objetivo é um só, inviabilizar qualquer governo que tente levar adiante uma política neoliberal – o que, na prática, levará inevitavelmente a um governo dos trabalhadores, que são os únicos que não têm interesse em sustentar os banqueiros. Qualquer outro caminho que drible a necessidade de uma mobilização revolucionária não é suficiente para garantir a derrota da política neoliberal – se não a burguesia não se sente ameaçada de ser violentamente derrubada, a solução será um acordo obscuro, que, no fim, manterá os representantes da direita no poder.
Se Lula de fato fosse a única chance da “elite”, segundo declarou Conde, defender Lula como um grande conciliador da convulsão social não faria o menor sentido – a menos que o linguista estivesse disposto a se colocar como conselheiro da “elite”, apontando o que seria melhor para sua sobrevivência. No fim das contas, não é esse o papel que a esquerda deve reservar a uma liderança fundamental como o ex-presidente Lula: é preciso utilizar toda a sua influência para alavancar uma política de mobilização das massas, e não de contenção de uma convulsão social.
A convulsão, afinal, é inevitável, pois ela será imposta pelas condições econômicas. Cabe à esquerda formular uma política que leve todo os setores do movimento operário e do movimento popular liderados por Lula a se chocar diretamente com o regime golpista.