O golpe militar em marcha na Bolívia está servindo para esclarecer aonde vai parar a política da esquerda pequeno-burgesa. Entre as muitas ideologias da burguesia, repetidas por essa esquerda, está o chamado identitarismo.
No caso da Bolívia, muitos setores da esquerda se confundem com o fato de que a direita fascista está atacando os representantes indígenas, que são parte fundamental, não só da massas de trabalhadores bolivianos e do seu setor mais combativo – a classe operária – como também do próprio governo Evo Morales.
Uma das organizações da esquerda pequeno-burguesa que apresenta uma interpretação um tanto quanto identitária para a situação na Bolívia é a MRT (Movimento Revolucionário dos Trabalhadore). Em seu sítio na internet, o Esquerda Diário, o MRT afirma que “enquanto no Equador e no Chile os levantes populares trouxeram o protagonismo das populações indígenas e seus símbolos, na Bolívia o movimento “cívico” queima bandeiras Whipala, símbolos dos povos originários quíchuas e aimarás.”
Segundo o autor do texto, Marcello Pablito, o essencial da situação política no continente seria o identitarismo. No Chile e no Equador, as mobiliações “levantam as bandeiras mapuches e indígenas” e a diferença na Bolívia é que esses símbolos são queimados pelos golpistas. Para o MRT, esse seria o problema central da luta política nesses países, se não central, com certeza muito mais importante do que outros.
Para não deixar dúvidas, logo depois, o texto afirma que “o imperialismo busca, através de um golpe de Estado racista, dar uma resposta reacionária ao ascenso da luta de classes na região.” A resposta do imperialismo, portanto, seria o racismo. Para o MRT, a luta de classes está determinada pelo racismo.
Adolf Hitler, na Alemanha, perseguia os judeus. Pela lógica do MRT, issso seria a resposta da burguesia alemã diante da classe operária. O problema essencial não seria justamente a destruição dos sindicatos, dos partidos operários, do terror contra o povo para impor uma derrota aos trabalhadores alemãs. Para o MRT, que não por coincidência é o que afirma a “história oficial” contada pela burguesia, o central do nazismo era a perseguição ao judeus.
O que o MRT e a esquerda pequeno-burguesa em geral não entendem é que a perseguição aos judues, embora tenha sido um dos absurdos do nazismo, foi uma cobertura ideológica para a perseguição política da classe operária e de suas organiações. Ou seja, o central era a luta de classes, não em palavras, mas em ação efetiva da burguesia contra os trabalhadores.
Os ataques racistas contra os indígenas na Bolívia é uma cobertura para a política de extermínio do povo. É preciso denunciar esses ataques, mas é preciso situá-los corretamente na luta de classes. Chamar simplesmente o golpe de “racista” só ajuda a confundir o panorama.
O que está acontecendo na Bolívia, assim como o que ocorre no Brasil, é a ofensiva do imperialismo e da direita contra os trabalhadores e o povo. É um ataque político que visa destruir as organiações operárias, populares, reprimir os trabalhadores, acabar com direitos seus democráticos. O objetivo de tudo isso é um enorme ataque econômico contra o País, em primeiro lugar contra os trabalhadores.
E qual é o problema dessa confusão política? Ao atribuir esse viés identitário ao golpe militar, o MRT e a esquerda pequeno-burguesa que defende tal política caem num política de tipo frente populista. Isso porque apaga-se a questão de classe – ou, na melhor das hipóteses, dissolve em outras questões. Existe luta de classes, mas a luta do povo indigena tem o mesmo peso. Segundo essa lógica, deveríamos então defender um indígena seguidor de Luis Fernando Camacho?
Esse é o extremo da política que a esquerda pequeno-burguesa coloca em prática no Brasil. Quando Manuela D’Ávila se solidaria com a fascista Ministra de Bolsonaro, Damares Alves, ou com a socialite fascista Joice Hasselman, o conteúdo disso é uma suposta identidade pelo fato de serem mulheres. Ignorando com isso o fato de que são mulheres que agem com muito mais energia e poder contra os direitos das próprias mulheres do que a maioria dos homens.
Também na Bolívia, se levarmos até o fim a ideia do MRT, nem devemos atacar a presidenta golpista autoproclamada Jeanine Añez, afinal, ela é mulher.
O que está em jogo na Bolívia é o caminho de uma guerra civil, ou seja, a expressão mais aguda da luta de classes: o imperialismo contra a classe trabalhadora. A burguesia racista e a “não-racista”, se é que existe isso, deve ser combatida. Esconder esse conteúdo fundamental da luta é não só confundir os trabalhadores, como é jogar o movimento para uma política de aliança com a burguesia, desde que ela esconde seu racismo ou não queime as bandeiras Whipala.