Setores da esquerda brasileira comemoraram a eleição de Joe Biden (Partido Democrata) para a presidência dos Estados Unidos nas eleições de 2020. Diziam que se tratava de uma luta “civilizatória” contra o “fascismo” personalizado na figura do ex-presidente Donald Trump (Partido Republicano).
Lejeune Mirhan, sociólogo e colunista do Portal Vermelho do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), coloca Biden como um avanço, um progresso, em relação a Trump. Na eleição de Obama, ele também disse que, apesar dos problemas, havia de se comemorar. O que isso demonstra é a falta de análise e o “puxa-saquismo” de elementos da intelectualidade brasileira em relação aos Estados Unidos.
Biden, um representante direto do imperialismo norte-americano, bancos, grandes capitalistas, empresas petrolíferas e complexo industrial-militar, se utilizou de um discurso identitário para cooptar setores da classe média esquerdista a apoiá-lo como “mal menor”. A questão das mulheres, negros e LGBTs estava no centro de seu discurso político. Sua vice, Kamala Harris, é uma mulher negra. Após assumir o mandato, Biden colocou mulheres, negros e travestis em sua equipe de governo. Contudo, passados quase quatro meses de sua posse, o que se observa é uma política externa mais agressiva e intervencionista nos países atrasados, agora em nome da “defesa da democracia” e até mesmo em nome da “defesa das mulheres”, este último no caso da guerra do Afeganistão.
O discurso identitário buscava criar uma fachada democrática para um político do imperialismo. Biden foi responsável por legislação que aumentou a violência do Estado contra os negros nos Estados Unidos, inclusive fazendo explodir a população encarcerada pobre, negra e latino-americana. Contudo, a realidade de seus atos não impediu que setores do movimento negro pequeno-burguês, como Ângela Davis, o apoiasse.
Na época da eleição de Barack Obama (Partido Democrata), a esquerda também comemorou sua eleição como uma vitória civilizatória contra o “mal maior”, George W. Bush (Partido Republicano). Tal como hoje, diziam que se tratava de uma vitória contra a política intervencionista de Bush nos países do Oriente Médio, da doutrina da guerra preventiva. Nada disso se confirmou com o desenvolvimento da luta política.
A demagogia identitária salientava que Obama era o “primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos” e esse fato deveria ser saudado como uma grande conquista. Contudo, seu governo bateu recordes de deportação de imigrantes latino-americanos, cerca de 2 milhões, maior que qualquer governo na história. No plano interno, os EUA continuaram sendo o país que mais prende e oprime o povo negro. Os campos de concentração para imigrantes foram construídos pelo governo Obama, que também não fechou a prisão de Guantánamo, localizada em Cuba. Sua política econômica se direcionou a apagar o incêndio criado pela crise capitalista de 2008, com a implementação de pacotes de estímulos por parte do Estado. Na sequência, manteve a política neoliberal.
Barack Obama tinha como vice Joe Biden. Este último foi o articulador dos golpes de Estado contra os governos nacionalistas na América Latina. O primeiro golpe aconteceu em Honduras e derrubou o presidente Zelaya (Partido Liberdade e Refundação). O golpe foi executado pelas Forças Armadas com o apoio dos Estados Unidos. Nos próximos anos, os governos nacionalistas foram caindo. No Paraguai, Fernando Lugo (Frente Guasú) sofreu um impeachment relâmpago no Congresso. Na Argentina, o golpe aconteceu mascarado de processo eleitoral. No Brasil, o Biden derrubou Dilma Rousseff (PT) através de um processo de impeachment fraudulento no Congresso e colocou um serviçal, Michel Temer. A Venezuela sofreu diversas tentativas de golpe.
A espionagem mundial foi revelada pelo ex-agente da Agência Central de Inteligência,(CIA, sigla em inglês) Edward Snowden. O governo Obama mantinha a mesma política de vigilância interna e externa. O projeto Prisma da Agência de Segurança Nacional (NSA, sigla em inglês) se propunha a vigiar a todos e armazenar os dados que circulam na internet para sempre. Presidentes e instituições de outros países, empresas estatais, concorrentes comerciais, organizações políticas, cidadãos eram mantidos sob estreita vigilância pelas agências de espionagem sob comando de Barack Obama.
O atual presidente Joe Biden tem no identitarismo uma forma de esconder sua verdadeira natureza e se apresentar como “democrático”. As agências de segurança, as forças armadas, o aparelho de repressão estatal, o sistema carcerário e a legislação repressiva contra a população, bem como a política econômica neoliberal, serão as mesmas de seus antecessores. No que tange à política externa, Biden já mostrou a que veio, com bombardeios na Somália, aumento da pressão sobre a China e o Irã, ameaças de sanções econômicas contra Mianmar. No contexto das mobilizações contra Hosni Murabak no Egito, foi claro que Obama sustentava o regime. A derrubada dos governos nacionalistas no Oriente Médio e Norte da África, casos da queda de Kadafi e da guerra civil na Síria, contou com a participação do primeiro presidente negro. Na guerra do Iraque, Obama enviou mais soldados.
O imperialismo nos governos Obama e Biden se apresenta como “democrático”. É um artifício para esconder seus interesses. E diversos setores da intelectualidade de esquerda, apegados às aparências dos fenômenos, embarcam na manobra.