Diante da prisão de Queiroz e a demissão e ameaça de prisão do agora ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, a esquerda pequeno-burguesa mais uma vez mostrou a completa desorientação política. Alguns setores não apenas comemoraram a ofensiva contra esses elementos bolsonaristas, como acreditam que tais fatos representam um progresso do ponto de vista da “luta democrática” no País. Nada poderia estar mais fora da realidade.
É o caso do editorial do portal Vermelho, do PCdoB, intitulado “Queiroz e Weintraub: bolsonarismo sente o peso do Estado de Direito”. Ali, como o próprio título deixa claro, defende-se a tese de que o chamado Estado democrático de direito estaria fortalecido com as ações contra o bolsonarismo.
Mais ainda, o editorial afirma que tanto a prisão de Queiroz e a saída de Weintraub seriam “vitórias”, não exatamente dos trabalhadores, mas precisamente desse chamado Estado Democrático de Direito. Diz o PCdoB, “tanto a prisão de Queiroz quanto a queda de Abraham Weintraub têm a ver com o Estado Democrático de Direito, que com suas armas faz a defesa da institucionalidade e do regime democrático”.
Sobre isso, é necessário algumas considerações. A primeira delas se é verdade que os dois acontecimentos representam algum progresso para este Estado Democrático. Para entender isso, é preciso entender que o editorial do portal do PCdoB considera que o STF seria a representação desse Estado e portanto o fortalecimento de um está diretamente relacionado com o do outro.
Deixemos de lado, ao menos por agora, essa concepção sobre o STF. Tal Estado Democrático de Direito não existe no Brasil há muito tempo. O que existe no Brasil é um arremedo de democracia, mesmo do ponto de vista da democracia burguesa. Alguns poucos direitos democráticos estão sofocados por leis e um sistema político e jurídico que é quem no fundo domina todo o Estado. Um exemplo muito claro disso é o próprio direito de greve que foi garantido formalmente pela Constituição de 1988 mas que é constantemente atacado pela ação do Judiciário.
Com o golpe de Estado que assolou o Brasil em 2016 essa situação se agravou enormemente. O que se tem no País é um progressivo fechamento do regime político.
Portanto, é errada, por si só, a ideia, de que dois fatos como os que ocorreram seriam uma vitória do Estado Democrático de Direito. Nem mesmo se fossem fatos progressistas seria correto afirmar que eles teriam força para reverter um regime político cujas tendências ao fechamento são profundas.
Analisemos agora os dois acontecimentos mencionados. O caso da prisão de Queiroz, foragido desde que foi acusado de envolvimento em casos de corrupção e com as milícias no Rio de Janeiro, parece mais simples. Analisando o Estado Democrático de Direito como algo puro e isento de interesses políticos, caso sejam provados os crimes, naturalmente o ex-assessor dos Bolsonaros deveria cumprrir a pena definida.
Mas o chamado Estado Democrático de Direito não é puro nem desprovido de interesses políticos. É nesse marco que devemos analisar sua prisão. No marco do interesse político, ou seja, da disputa entre setores da burguesia golpista. Se isso é verdade, decorre que a prisão de Queiroz tem mais relação com uma prisão política do que propriamente com uma vitória progressista do Estado Democrático.
Em suma, a prisão de Queiroz, que esteve foragido até agora, é produto de uma ação política. Muito longe, portanto, de uma ação tomada em nome do “bem”, da democracia etc.
Nesse caso específico, o que há é que uma ala golpista e antidemocrática colocou em marcha um setor da máquina estatal contra outra ala golpista.
Vejamos agora o caso Weintraub. Segundo o editorial do Vermelho, “Abraham Weintraub também incorreu em ilicitudes contra o Estado Democrático de Direito, como pôde ser visto na reunião ministerial de 22 de abril quando ele fez ameaças a ministros do STF. Recentemente, voltou a praticar o mesmo delito em uma manifestação antidemocrática que havia sido proibida pelo governo do Distrito Federal como medida contra a quebra do isolamento social”. A ameaça de prisão contra o agora ex-ministro seria devido ao fato de que ele “fez ameaças a ministros do STF” numa reunião fechada do governo e à participação dele em uma manifestação.
Os motivos esclarecem inclusive que o que está acontecendo é o exato oposto do que defende o PCdoB e outros setores da esquerda. A perseguição a Weintraub é meramente política, ou seja, a máquina do STF está voltada para uma ação política contra qualquer um que possa representar alguma contradição com o regime.
Os bolsonaristas são parte dessa máquina, mas não são toda ela. A outra parte é controlada pelo setor da direita golpista que é a seu modo tão fascista quanto Bolsonaro, a não ser que esqueçamos quem é Alexandre de Moraes e o papel do STF como um todo no golpe e na prisão de Lula.
E aí, chegamos à análise do STF, prometida acima. O Supremo está muito longe de ser uma instituição democrática. Esse papel antidemocrático se agravou com o golpe de Estado mas a sua própria existência está na contramão do “Estado Democrático”. É um órgão que não é eleito, comandado por 11 ministros que decidem tudo sobre qualquer coisa.
O fortalecimento dessa instituição só pode resultar no fechamento do regime e não o contrário. Se os perseguidos de agora são os bolsonaristas, não serão eles a maior vítima dessa ditadura.
A disputa entre as alas da direita golpista é em grande medida ocasional. Cada um dos lados utiliza sua influência e poder sobre essa máquina na disputa com o outro lado. Essa disputa, embora signifique uma crise interna da burguesia, vai fortalecendo a máquina ditatorial do Estado. Isso irá inevitavelmente se voltar contra a esquerda e o povo.
A única saída para a esquerda é uma política independente. Nem ficando a reboque da direita, muito menos apoiando ações que vão fortalecer essa máquina antidemocrática.
O “peso” da mão do Estado vai se voltar contra os trabalhadores como sempre acontece.