Em entrevista concedida ao Portal do PCdoB, o presidente do PCdoB no Amazonas, Eron Bezerra, colocou a público novamente a discussão da rede de solidariedade contra o coronavírus. Entre as declarações do dirigente amazonense, que podem ser encontradas no artigo Presidente do PCdoB-AM fala de lições do coronavírus diante do colapso, publicado no dia 23 de abril, destacamos o seguinte trecho:
A prefeitura de Manaus estima que próximo de 40% dos óbitos estão ocorrendo nas residências, sem qualquer apoio médico. Diante dessa calamidade, nossa atitude, via os movimentos sociais, é de criar uma rede de solidariedade, mobilizando alimento básico e até apoio psicológico aos casos mais críticos.
A contradição entre a política defendida por Eron Bezerra e a realidade pode ser encontrada na mesma declaração. Isto é, se não há qualquer apoio médico na capital amazonense, propor que os movimentos sociais e a esquerda criem uma rede de solidariedade contra o coronavírus é uma proposta delirante. Afinal, se não há médicos, a única maneira de suprir a carência de pessoal capacitado é contratando mais médicos. Se não há hospitais, seria necessário, construir novos hospitais. Se faltam equipamentos, não haveria outra alternativa para evitar a morte do povo do Amazonas a não ser a compra de todos os insumos que se fizerem necessários.
Até certo ponto, é possível que a população consiga se organizar para distribuir alimentos entre si. O apoio psicológico, que é citado pelo presidente local do PCdoB, poderia ser empreendido, desde que houvesse um contingente razoável de voluntários. Mas a questão que fica é: em meio a uma crise de dimensões ainda não conhecidas, mas que irá arrastar a economia mundial para uma recessão durante pelo menos um ano, que está elevando o valor do dólar quase que diariamente e que está jogando milhões de pessoas na miséria, será que a ação solidária de baixa intensidade, organizada pela internet, inacessível para muitos, seria suficiente para alimentar todas as pessoas em situação vulnerável por causa do vírus? E, pior ainda: considerando que o problema da fome estivesse resolvido, como resolver o problema estritamente sanitário da crise — isto é, como prevenir a doença, como prevenir doentes?
A ideia colocada traz em si um aspecto sinistro, macabro. Ora, se o coronavírus não vai ser combatido — mas apenas a fome —, a morte de milhares e milhares de amazonenses seria inevitável. O apoio, neste sentido, não seria para fortalecer os doentes, muito menos para preparar o povo para se manter de pé e enfrentar aqueles que lhe negam até o direito à saúde. Só restaria, portanto, aos responsáveis pelo apoio psicológico, consolar os trabalhadores pelos seus entes que morreram ou para pedir ao povo que não se desespere, pois, uma hora, a doença irá passar.
Estivera consciente ou não, Eron Bezerra, ao conceder essa entrevista, estava defendendo uma política extremamente reacionária — fundamentalmente, um programa perfeito para a burguesia diante da crise. Uma política que põe como lema uma postura quase que religiosa diante do problema — a doença existe, cabe a nós aguardar que ela suma — e que dissolve, deste modo, todo e qualquer compromisso que as organizações populares e a esquerda tenha com as urgências da população. A destruição que está sendo causada pela pandemia é uma política consciente dos golpistas — o colapso do sistema de saúde de Manaus e o total despreparo do Estado brasileiro para conter a doença são o resultado da pilhagem histórica dos capitalistas diante de todo o patrimônio do povo. É preciso dizer, claramente, que não há hospitais, máscaras, testes, remédios, enfermeiros e ambulâncias porque todo o dinheiro do Estado vem sendo sugado pelos mesmos parasitas que derrubaram a presidenta Dilma Rousseff e colocaram Bolsonaro no poder: pelos capitalistas.
O maior inimigo dos amazonenses — e de todo o povo brasileiro, de maneira geral — não é um ser microscópio, que vem viajando o mundo e causando o caos por onde passa. Para lidar com o vírus, há a ciência, que permitiria um combate efetivo, ao invés do apoio psicológico de tipo extrema-unção proposto pelo dirigente amazonense. O problema, no entanto, é que qualquer medida que permitia frear a pandemia se encontra sufocada nas mãos de um governo que declarou guerra a seu povo desde o dia da posse. Para permitir que haja um combate real ao vírus, é preciso enfrentar o governo Bolsonaro e toda a direita de conjunto.
O vírus em si não é um fenômeno da política, mas da medicina, a maneira como a sociedade lida com ele, depende da medicina, mas depende também daqueles que administram a sociedade, ou seja, no final depende da luta política. A medicina diz que precisamos de respiradores e leitos para diminuir as mortes, se virão 2 ou 200 destes, isso será decidido na luta política. O Amazonas foi duramente atingido pelo vírus, se a o amazonas parecerá mais como uma Alemanha, com sua baixa taxa de letalidade, ou com uma Itália, e seus 25 mil mortos, isso dependerá da política.
A luta pela derrubada do governo Bolsonaro, ancorada na mobilização dos trabalhadores, únicos interessados em pôr um fim na farra dos especuladores da indústria farmacêutica e nos sanguessugas por trás dos bancos, se coloca, hoje, como uma tarefa fundamental para a sobrevivência de toda a população. Se a direita não for forçada a recuar, nada menos que um genocídio será esperado. A compra de 15 mil túmulos por parte do governo do Ceará já dá mostras do que poderá vir pela frente.