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"O Último Dia"

Natália Sedova narra os últimos momentos da vida de Leon Trótski

A revolucionária Natália Sedova foi esposa de Trótski, com quem teve dois filhos, e o acompanhou até o último segundo de sua vida

Neste dia 21 de agosto de 2020 completam-se 80 anos do assassinato de um dos maiores líderes revolucionários que a classe operária já produziu, Lev Davidovitch Bronstein, que passou para a eternidade como Leon Trótski.

Em razão dessa data, para lembrar um dos maiores crimes contrarrevolucionários que já ocorreram, perpetrado pela ditadura termidoriana de Josef Stálin, o Diário Causa Operária publica mais um artigo da série especial sobre o fundador do Exército Vermelho e da IV Internacional.

Neste artigo, de junho de 1947, Natália Sedova narra as últimas 24 horas da vida de seu marido, atingido por um golpe de picareta no crânio por aquele que, depois, se descobriria que era um agente pago diretamente pela burocracia soviética, a mando de Stálin.


Tínhamos colocado persianas de aço nas janelas do nosso quarto. “Os Siqueiros não chegarão mais tão facilmente até nós”, dizia Lev Davidovitch. Para nós a ideia de um outro atentado estava sempre presente. De manhã, quando acordávamos, Lev Davidovitch brincava: “Veja: dormimos uma noite inteira e não nos mataram… E você não está contente?” Uma vez, acrescentou num tom sério: “Sim, Natacha, estamos sendo beneficiados com um sursis…”.

Na manhã de 20 de agosto, ele se levantou de excelente humor. Uma dose dupla de barbitúrico tinha lhe garantido um sono benfazejo. Há muitos dias não se sentia tão lépido. “Ah, hoje vou trabalhar bem”, disse ele. Das 7h15 às 9 horas, na frescura matinal do jardim, cuidou dos coelhos, das galinhas e das plantas. Pensava ditar, à tarde, um artigo sobre a mobilização americana; tinha um outro, sobre a guerra, quase pronto; e páginas do Stálin. Um advogado veio nos ver; era preciso redigir imediatamente respostas aos ataques da imprensa comunizante… Lev Davidovitch ficou contrariado com isso. Depois do almoço, entreabri a porta do seu gabinete e o vi inclinado sobre papéis e jornais, a caneta na mão, na sua atitude costumeira. Eu estava contente em o ver tão bem, pois ele se queixava, há algum tempo, de uma penosa fraqueza… Ficava imaginando que vivia como um prisioneiro voluntário, como um monge num convento, mas para um grande combate (…) Por volta das 5 horas, tomamos o chá. Vinte minutos depois, vi Lev Davidovitch no fundo do jardim, perto das gaiolas dos coelhos. Tinha uma visita perto dele. Só reconheci quando veio na minha direção, tirando o chapéu: Jacson Mornard. Ele de novo, pensei, por que tantas vezes? (Já tinha vindo na véspera.) “Estou com muita sede”, me disse ele, “você não poderia me dar um copo de água?” — “Não prefere uma xícara de chá?” — “Não, almocei tarde, sinto um peso aqui…”, levou a mão à garganta. Seu rosto me pareceu esverdeado, seu nervosismo saltava aos olhos. “Por que você está de capa e de chapéu? O dia está tão bonito…” Ele respondeu absurdamente que poderia chover. “Como vai Sylvia?”, perguntei. Percebi que ele não me ouvia; eu o tinha deixado confuso falando da capa. Depois, se recompôs. “Sylvia? Sylvia? Bem, como sempre…” Bebeu um copo de água, disse-me que trazia seu artigo, datilografado desta vez, para o mostrar a Lev Davidovitch. “É melhor assim”, eu disse, “Lev Davidovitch não gosta de manuscritos ilegíveis…”

Um pouco depois, Lev Davidovitch e Jacson Mornard se aproximaram de mim, dirigindo-se para o gabinete de trabalho. Lev Davidovitch me disse: “Sylvia vem aí, eles vão amanhã para Nova York-“. Eu expliquei para Lev Davidovitch que tinha oferecido chá para o visitante, mas que alterado e sufocado ele só quis tomar um copo de água. Lev Davidovitch o observou atentamente: “Você não está com uma cara muito boa, Isso é ruim”, disse ele num tom de censura. “Muito bem, vamos ver seu artigo?” Lev Davidovitch teria preferido ficar perto dos seus coelhos. Tirou as luvas que usava no jardim, pois era muito cuidadoso com suas mãos; o menor arranhão o incomodava para escrever. Acompanhei os dois homens até a porta do gabinete de trabalho.

Passaram-se três ou quatro minutos. Eu estava no quarto ao lado. Ouvi um grito terrível… Lev Davidovitch apareceu, apoiando-se no batente da porta, o rosto ensanguentado, sem os pincenês, os olhos multo azuis, as mãos caídas… “Que foi? Que foi?”, eu o apertei nos meus braços sem entender. Ele me respondeu calmamente: “Jacson”, como se tivesse proferido: “Está tudo acabado”. Eu o ajudei. a se deitar sobre a esteira da sala de jantar. “Natacha”, ele disse, “eu te amo…” Falava com dificuldade, Indistintamente, como sem dar por Isso, enquanto eu enxugava o sangue que corria sobre seu rosto e colocava gelo na cabeça ferida. “Afaste Sieva daqui. .. Você sabe… lá (apontou na direção do gabinete de trabalho). Pressenti… Compreendi o que ele queria fazer… Ele quis… De novo… Eu o impedi…” Jacson Mornard tinha tentado golpeá-lo uma segunda vez, mas Lev Davidovitch tinha se atirado sobre ele. No “eu o Impedi”, murmurado em voz baixa, percebi uma espécie de satisfação… “Não deve… ser morto… ele precisa… falar”, disse, devagar, palavra por palavra. Charlie Cornell, Joe Hansen e Harold Robins tinham dominado rudemente o assassino que gritava: “Eles me obrigaram a feri-lo… Têm minha mãe em seu poder… Eles prenderam minha mãe…”.

O assassino, sentado na borda da mesa, enquanto Lev Davidovitch se Inclinava sobre um manuscrito, tinha desferido, de alto a baixo, um golpe de picareta de alpinista que estava escondida embaixo da sua capa… A craneotomia revelou uma fratura do crânio na região parietal direita: rompimento das meninges, penetração de vários centímetros na matéria cerebral…

Um médico declarou que o ferimento não era grave. Lev Davidovitch o ouviu sem emoção, como se tivesse dito por obrigação. Mas para Joe Hansen ele disse em inglês, com um gesto da mão no coração: “Eu sinto… aqui… que é o fim… Desta vez… eles… conseguiram…”.

A ambulância da Cruz Verde nos levou para a cidade e depois pela cidade as luzes noturnas já brilhavam. A sirene gritava, a cada Instante. Lev Davidovitch tinha o braço esquerdo Imobilizado, paralisado; seu braço direito descrevia sem cessar um movimento em arco… “Como você está se sentindo?” — “Melhor… melhor…”, ele me respondia. Na Cruz Verde, a maca teve que abrir caminho por entre uma multidão de curiosos. Eu tremia. Aqui, também, podiam voltar a atacá-lo (…) Uma enfermeira começou a cortar as mechas de cabelos cinza. Lev Davidovitch sorriu para mim, dizendo: “Eis o cabeleireiro…”, pois tínhamos falado, durante o dia, de mandar chamar um… Ele chamou Joe Hansen para perto dele e lhe ditou algumas palavras que Joe anotou no seu bloco de anotações. “O que ele lhe ditou?”, perguntei ao nosso camarada. “Alguma coisa sobre as estatísticas francesas.” Era estranho…

As enfermeiras contavam suas roupas. Ele disse, de repente, claramente, num tom grave, muito tristemente: “Não quero que outras pessoas me dispam… Quero que seja você…”. Estas deveriam ser suas últimas palavras para mim. Eu o despi. Coloquei meus lábios sobre os dele. Ele me devolveu o beijo, ainda uma vez, e mais uma vez. E perdeu a consciência. Fiquei a noite Inteira na sua cabeceira, esperando que ele voltasse a si, à vida. Seus olhos estavam fechados, sua respiração ora difícil, ora tranquila. Assim passaram a noite e o dia seguinte. Quase de noite, depois da trepanação, os médicos constataram uma melhora. Depois a respiração se tornou ofegante e Irregular… Ergueram-no, sua cabeça se inclinava sobre o ombro, seus traços guardavam a expressão altiva. Eu esperava contra toda desesperança. Tantas vezes, ao longo da vida, eu o tinha visto superar as crises, sair Ileso do perigo, resistir quando parecia Impossível resistir, que ainda acreditava no Impossível. Repentinamente ele Iria voltar ao seu vigor, abrir os olhos novamente, decidir sua vida ele próprio…

Esgotada, cochilei numa poltrona. Um pressentimento, talvez um movimento, me despertou. Vi dois médicos de avental branco na minha frente. Compreendi… Lev Davidovitch tinha morrido, calmamente, um Instante antes, em 21 de agosto de 1940, às 7h25 da noite. Aos 60 anos.”

Toda sua longa vida de trabalho, de combate, Lev Davidovitch a tinha consagrado à causa dos trabalhadores, Aqueles que dele se aproximaram sabem quão grande era seu desapego e como ele só concebia sua própria existência em função de uma grande tarefa histórica, que não era a sua própria, mas a do movimento das massas socialistas conscientes dos perigos e das possibilidades da nossa época. “Estes são tempos amargos”, escrevia ele, “mas nós não temos outra pátria.” Tinha um caráter íntegro, no mais amplo sentido do termo: não concebia solução de continuidade entre conduta e convicção, pensamento e ação; não admitia que se pudesse sacrificar os Interesses superiores, que dão sentido à vida, ao transitório, ao pessoal, ao pequeno egoísmo banal. Sua retidão moral se aliava a uma Inteligência ao mesmo tempo objetiva e apaixonada, sempre voltada para a profundidade, a amplidão, o esforço criador, o combate justo… Era um homem simples. Certa vez, anotou na margem de um livro cujo autor fazia alusão à sua “vontade de potência”: “(Um outro) quis o poder pelo poder. Eu sempre Ignorei esse sentimento … ) Procurei o poder sobre as Inteligências e as vontades ( … )”. Bem mais que um autoritário — e sem Ignorar a utilidade prática da autoridade — , sentia-se um animador, um condutor de homens, que não adulava seus baixos Instintos, mas os chamava para o Idealismo, para a razão clara, para a grandeza de ser plenamente homens de um novo tipo destinados a transformar a sociedade.

Os que o perseguiram e mataram, como mataram a Revolução Russa e martirizaram os povos da URSS, conhecerão o castigo. Já atraíram sobre a URSS, debilitada pelos massacres que foram chamados de “depurações stalinistas”, a mais desastrosa Invasão. Continuam sua corrida para os abismos… Poucos dias depois da sua morte, escrevi estas linhas — que não quero em nada mudar —: Durante toda sua vida heroica, Lev Davidovitch acreditou no futuro e na libertação dos homens. Nos sombrios últimos anos, longe de fraquejar, sua fé amadureceu ainda mais e se fortaleceu na provação. A humanidade futura, liberada de toda opressão, eliminará de sua vida toda a violência. Como a muitos outros, ele me transmitiu essa fé”.

Coyoacán, junho de 1947

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