As eleições na Câmara dos Deputados e no Senado, ocorridas no início do mês, demonstraram, mais uma vez, que a expectativa da esquerda em torno de uma “frente democrática” com a direita golpista não passa de uma ilusão. Movidos pela compra escancarada de votos — rotina de qualquer votação importante no parlamento —, os deputados do chamado “centrão” — MDB, DEM, PSDB seus satélites — abandonaram a candidatura de Baleia Rossi (MDB) para apoiar o candidato governista, Arthur Lira (PP).
Baleia Rossi é tão ou mais direitista e inimigo do povo quanto Arthur Lira e também tentou comprar os votos de seus nobres colegas. As diferenças entre uma candidatura e outra eram de caráter superficial. Enquanto Rodrigo Maia (DEM), articulador da candidatura do MDB, tentou comprar votos com a influência que tinha enquanto presidente da Câmara, Jair Bolsonaro comprou o apoio a Arthur Lira com ministérios e cargos no governo federal, o que tornou a disputa bastante desvantajosa. Além disso, embora Baleia Rossi tenha sido um dos articuladores do golpe de 2016 na Câmara, a esquerda parlamentar passou a defender sua candidatura como se fosse a defesa da “democracia” contra o “fascismo”.
A esquerda pode até ter o interesse em defender os direitos democráticos do povo. Mas isso nunca passou pela cabeça dos golpistas Baleia Rossi, Rodrigo Maia e demais. Prova disso é que a maioria da direita nacional, apontada como “democrática” e “civilizada” pela esquerda pequeno-burguesa, não teve qualquer escrúpulo em defender o candidato do governo Bolsonaro. E a própria esquerda, apoiando-se em desculpas esfarrapadas e no oportuno e deliberado silêncio, decidiu apoiar o candidato de Bolsonaro no Senado, o bolsonarista Rodrigo Pacheco (DEM).
A política da frente ampla se mostrou desastrosa porque, além de partir de premissas absurdas, como a de que os golpistas defenderiam algum tipo de “democracia”, ela é a expressão da indisposição de um setor direitista da esquerda nacional para a luta política. A reivindicação de “frente democrática com Rodrigo Maia” não partiu de qualquer movimento popular. Não veio de uma greve, não veio dos comitês de luta, não veio do enfrentamento dos trabalhadores com o regime político. Veio dos parlamentares, o setor mais reacionário e burocrático das organizações da esquerda.
Aqueles que mais gastaram saliva para defender Baleia Rossi sequer eram movidos pela ingenuidade de acreditar que essa seria a salvação da humanidade. Mas sim pelo interesse em garantir um cargo na mesa-diretora de qualquer uma das casas legislativas. E qual a importância desses cargos? Absolutamente nenhuma. Sevem, entre outras futilidades, para regulamentar o passaporte dos parlamentares e os seus apartamentos funcionais. Para quem dedica a carreira ao mais puro fisiologismo, tais cargos podem servir para chantagear os deputados. Para o povo, que está morrendo de coronavírus e de fome, isso não tem importância alguma.
O interesse por um cargo que nada tenha a ver com as necessidades do povo não é uma questão pontual na política nacional. É a ambição, por definição, do político pequeno-burguês. Desde o sindicalista ao parlamentar, o pequeno-burguês vê na política apenas uma oportunidade para ascender socialmente. É por isso que, na medida em que a polarização política aumenta, a pequena burguesia fica ainda mais furiosa contra a mobilização dos trabalhadores. A possibilidade de derrubada do regime é, para o pequeno-burguês, uma ameaça de demissão.
Os mesmos parlamentares que procuram substituir a luta sincera das massas contra o regime por um show de demagogia no Congresso agora já prepara o próximo espetáculo de horrores da frente ampla. Segundo o jornal golpista O Globo, o PT estaria confiante de que Arthur Lira, apontado como um expoente do “fascismo” há algumas semanas, irá tirar do papel a CPMI da Lava Jato. O argumento, dessa vez, é o de que, como Lira acabou sendo apoiado pelo “centrão”, do qual muitos deputados foram atingidos pela força-tarefa, o novo presidente da Câmara teria interesse em levar adiante a investigação.
Trata-se do mesmo erro político que nas eleições da Câmara. E ainda piorado, já que a experiência acabou de mostrar o fracasso desse tipo de política. Não há um interesse comum entre a esquerda e a direita golpista em relação à Lava Jato. Afinal, a direita em peso apoiou a operação. O que a direita quer é, por um lado, “moralizar” regime político, livrando-se de uma operação odiada pelo povo, e, por outro, colocar um freio na força-tarefa que acabou sendo utilizada contra determinados setores da própria burguesia. Que a Lava Jato seja utilizada para perseguir a esquerda e entregar o País ao imperialismo, os honoráveis deputados do “centrão” não têm nada contra. Neste sentido, apostar em Arthur Lira e no “centrão” para atacar duramente a Lava Jato é inócuo.
E não só inócuo. Ter como política a CPMI da Lava Jato não só não levará a um resultado positivo como confundirá ainda mais a população. Se, há pouco tempo, o PT apontava a direita como inimiga por causa do golpe de 2016, como agora seria a grande esperança para os problemas políticos que estão colocados?
Essa política, na verdade, serve apenas para salvar o regime político de uma crise que poderia levar a sua própria dissolução. O fim da Lava Jato deveria ter como consequência imediata a anulação dos processos contra o ex-presidente Lula, coisa que a direita não irá fazer. A política da CPMI, portanto, serve apenas para que a esquerda brinque de parlamentarismo e jogue areia nos olhos do povo que quer se mobilizar pelo Fora Bolsonaro e por Lula presidente.