O massacre do Jacarezinho, ocorrido no dia 6 de maio, trouxe à tona novamente qual a função do aparato repressivo do Estado. Em plena pandemia, o Rio de Janeiro assistiu a chacina mais letal já vista na cidade, realizada pela Polícia Civil contra os moradores da favela do Jacarezinho, que deixou 28 mortos.
Desde então notícias, fotos, vídeos e relatos sobre o massacre não param de surgir. É o caso de recentes relatos de moradores que foram levados presos pela polícia no dia do ocorrido:
“Ele botou a gente pra descer num beco assim, tinha vários corpos assim no beco. E ele falou: bora, você vai ser obrigado a levar esses corpos aqui. […] Já comecei a chorar e ele: Chora, não. Querendo pegar minha cara e tacar assim na tripa do moleque que estava para fora.“, afirmou um dos seis homens presos durante o massacre.
“Eu falei: eu não vou levar esse daí, não. Aí ele começou a me bater, falando que eu era obrigado a levar. Eu falei: não vou levar não, não vou levar não, não vou meter a mão nisso daí, não. Aí ele: bora, mete a mão logo. Começou a me dar várias porradas para meter a mão. Mais de dez corpos ele fez isso comigo”, relatou o mesmo rapaz.
Esses relatos, em conjunto com os laudos de alguns dos assassinados no local, mostram a brutalidade policial que, como se não bastasse invadir o bairro e diversas casas e matar inocentes e pessoas rendidas, ainda deixam a imagem de terror de rostos dilacerados e corpos com as vísceras para fora.
Outro rapaz levado a delegacia como suspeito, ao ser perguntado pelo juiz se se lembrava do rosto dos policiais, relatou: “eles pisavam na cara falando que não era para olhar para a cara deles […] era mais de uns 10, 15, toda hora sobe dois, três e dão chute na cara.”. Este mesmo homem afirmou que não relatou as agressões durante o exame porque um dos policiais permaneceu na mesma sala, uma atitude que beira o fascismo. “Como que relata? O cara lá dentro quase matando nós”, afirmou o rapaz.
Os relatos são parecidos para todos os seis homens presos:
“Tive que carregar uns dez corpos, por aí, para dentro do caveirão. […] Todos eles [policiais] falaram a mesma coisa: abaixa a cabeça senão vai apanhar mais, abaixa a cabeça.”
“[Fui agredido] Sim. Com fuzil. Na cabeça, nos braços e nas costas”
Outro rapaz afirmou ter sido torturado física e psicologicamente em frente a própria família. Todos afirmaram algum tipo de agressão. Por meio de uma defensora pública que assistiu às sessões, das quais algumas não tiveram vídeos divulgados, foi descoberto que um dos homens viu policiais assassinando duas pessoas dentro de uma casa. O fato, entretanto, não foi encontrado nos relatórios da sessão.
Seguindo os padrões do judiciário brasileiro, uma verdadeira máquina de moer gente pobre, o juiz entendeu que tais acusações contra os policiais, mesmo que verdadeiras, não inocentam os seis presos durante a chacina. Esses, vale destacar, foram acusados de tráfico de drogas e presos provisoriamente — o cenário padrão capaz de dar passe livre para qualquer atrocidade da polícia, sejam os “suspeitos” culpados ou não.
No meio de todo esse cenário, os moradores que “tiveram a sorte” de não terem sido mortos ou presos, vivem com o medo constante de mais um massacre:
“O gato pula na telha, a gente já fica desesperado”, afirma um morador que não quis ser identificado por medo de retaliação.
“Moro no Jacaré há quatro anos. Eles nunca vêm para prender. Eles mataram mais de 25 pessoas”, relatou (antes da divulgação oficial de 28 mortos) Taynara Paes, que teve o marido morto a facadas após este já ter sido rendido.
“Ele estava em casa comigo, a moradora abriu a porta, ele se rendeu. A polícia entrou, pegou ele e rodou com ele no morro. Ele foi estraçalhado a facadas, com faca na cara. Se é operação, eles tinham que levar ele preso. Ninguém merecia isso”
“Eles [policiais] apontaram o fuzil para mim dizendo que eu tinha que morrer, porque eu fui falar com eles para perguntar onde o corpo do meu filho estava. Chegaram atirando.”, relatou uma mãe que teve seu filho assassinado pela polícia a um morador que postou o vídeo na internet.
Todos estes e mais inúmeros relatos que possam ser encontrados apenas evidenciam que a polícia é um órgão de repressão contra a população pobre e negra. Como reforçado por este diário desde o dia do massacre, a palavra de ordem da esquerda não pode ser “desmilitarização da PM” ou “melhores condições de trabalho para a polícia”, isso porque a responsável, desta vez, foi a ‘não-militarizada’ Polícia Civil. Além disso, os policiais parecem ter tido ótimas “condições de trabalho”, afinal conseguiram quebrar o recorde da última chacina, com direito a “fuzis, pistolas, granadas, coletes balísticos, roupas camufladas e todo tipo de acessórios militares [além dos helicópteros e carros blindados]”, como afirma uma nota da Polícia Civil do dia do massacre.
A política a ser seguida é a de exigir o fim das polícias, seja civil ou militar. É necessário que o povo se organize em comitês de autodefesa e milícias populares de bairro e façam sua própria segurança por meio do seu próprio armamento e organização.