O fenômeno do fascismo, ao contrário do que acredita parte dos intelectuais, não é uma novidade brasileira moderna, fruto da misoginia ou do ódio gratuito ao PT. Na França, berço da grande revolução que sacudiu o mundo em 1789 e um dos países mais desenvolvidos do planeta, a extrema direita cresce entre a classe média e uma parcela mais atrasada dos trabalhadores. Esta semana, a França foi ameaçada de um golpe militar por 1.200 militares franceses da reserva, por meio de uma carta aberta endereçada ao presidente Emmanuel Macron. O texto traz ameças ao regime republicano, e coloca a esquerda francesa em xeque.
Fascistas e militares se aproximam
A iniciativa partiu do ex-capitão Jean-Pierre Fabre Bernadac, de 70 anos, na reserva desde 1987. A publicação foi feita no dia do aniversário de 60 anos do “Golpe de Argel”, uma tentativa de golpe militar ocorrida em 21 de abril de 1961 por parte de militares fascistas. Bernadac e 1.200 militares da reserva, incluindo 24 generais, assinam o texto publicado pela revista ultraconservadora Valleurs Actuelles.
A carta acena com a possibilidade de intervenção militar caso o presidente Emmanuel Macron não tome medidas para “erradicar os perigos” que ameaçam a França de desintegração e que tem causado o seu declínio. Para os fascistas franceses, “perigo” é sua própria população de origem árabe e o que chamam de “hordas dos banlieues“, nome dado aos subúrbios de cidades francesas onde vivem muitos imigrantes pobres, extremamente oprimidos. Muçulmanos e imigrantes pobres são usados como bode expiatório para a crise capitalista que joga milhões de pessoas na pobreza todos os dias.
Rapidamente a extrema direita tratou de apoiar a ameça dos militares, Le Pen conclamou generais da ativa a se juntarem a ela no que chamou de “Batalha da França”. Os Militares franceses, mesmo na reserva, são proibidos por lei de expressar opiniões públicas sobre religião e política, o que levou à ministra responsável pelas Forças Armadas, Florence Parly a pedir a punição dos que assinaram a carta.
A posição capituladora da esquerda francesa
Diante do desmoronamento dos regimes ditos democráticos, que já não conseguem manter o ritmo de exploração e transferência de riquezas, as direções burocráticas da esquerda pequeno-burguesa em todo o mundo tentam desesperadamente se agarrar a um navio que afunda. Esta postura favorece o crescimento da extrema direita que se apresenta como única força antissistema. Esta é a verdadeira razão da polarização política que vemos no Brasil, nos Estados Unidos e também na França e muitos outros países da Europa: a crise terminal do regime capitalista.
A esquerda francesa não apoiou os coletes amarelos, uma revolta espontânea dos trabalhadores que foi o estopim da revolta popular contra o arrocho neoliberal imposto por Macron, chegando até a ameaçar invadir o palácio do Eliseu no ápice dos protestos. Devemos lembrar que para evitar o “mal maior”, que seria o fascismo representado por Le Pen, a esquerda francesa em geral apoiou a direita, ou seja, Macron, em 2017.
Diante da polarização e da direitização da burguesia francesa, Macron se move cada vez mais à direita para se salvar, carregando consigo uma parcela da esquerda, confusa e sem rumo, para uma nova frente ampla. A ausência de uma oposição política combativa de esquerda na França fortalece o crescimento da extrema-direita e faz crescer a ameaça de um golpe militar.
O discurso contra o islamismo adotado pelos militares franceses é um discurso fascista, o mesmo usado por Marine Le Pen e mostra o crescimento da extrema direita que tem conquistado muitos adeptos na França e em toda a Europa, apresentado-se como única solução para a crise. No lado oposto a esquerda se vê diante do dilema de abandonar de vez as ilusões com o regime político ou enveredar mais uma vez numa frente com os neoliberais, e de se associar àqueles que são responsáveis pela política de arrocho, razão da insatisfação popular.
A ausência da esquerda pode custar caro ao mundo
Até mesmo a impressa francesa, que não tem nada de revolucionária, tem cobrado uma posição mais independente da esquerda, que já foi chamada de “kamikaze” pelo jornal Le Monde. Há um vácuo na política francesa que deixa sem direção a insatisfação dos trabalhadores empobrecidos, os imigrantes vistos como ameça e dos descendentes islâmicos da exploração das colônias francesas no norte da Africa e Oriente Médio.
A aposta da esquerda na manutenção dos neoliberais no poder pode permitir a ascensão do fascismo na França, uma potência econômica e militar, que pode fazer o pêndulo do continente europeu e mesmo do mundo se virar para a extrema-direita e uma política ainda mais intensa de golpes de Estado com promoção de movimentos fascistas pelo globo.