Oportunismo

Lula estadista ou líder popular?

Ala centrista do PT defende candidatura de Lula, desde que seu papel seja o de administrar o Estado falido deixado pelos golpistas

Em artigo recente publicado pelo Diário do Centro do Mundo, Aldo Fornazieri, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP), trouxe à tona as teses do setor oportunista da esquerda nacional que pretende se acoplar à candidatura de Lula. Diferentemente de seus artigos obscuros de outrora, em que coloca sua posição de maneira muito escorregadia, Fornazieri aqui é bem claro logo em seu título: “Lula não deveria polarizar com Bolsonaro”.

A frase, em si, já é esquisita. Lula, afinal, não polariza com Bolsonaro porque quer. Não é uma escolha. Muito pelo contrário: Lula é o presidente que dizia aos quatro ventos que em seu governo os bancos ganharam como nunca. Sua política conciliadora é de longe conhecida. Não precisa, portanto, dos conselhos de Fornazieri.

O articulista, portanto, não se dirige às escolhas individuais de Lula, mas sim à situação política. Fornazieri acredita ser necessário clamar contra a polarização porque a polarização é uma realidade, está colocada na ordem do dia. Mas não por Lula, mas sim pela própria luta de classes. Lula, por ser o maior líder operário do País, é uma expressão da tendência do movimento operário a se radicalizar, na medida em que a ofensiva da burguesia contra os trabalhadores só aumenta.

A oposição de Fornazieri à polarização é, portanto, uma oposição ao desenvolvimento da luta política contra o golpe. O articulista procura aconselhar Lula a não polarizar porque defende uma política de conciliação com os golpistas, e não de enfrentamento com a direita. Isso fica claro quando, em na conclusão do texto, Fornazieri diz: “Lula pode e deve desempenhar um papel decisivo na construção coletiva e plural deste basta [grifo nosso]”. Isto é: a candidatura de Lula deve servir para agrupar setores diversos, plurais. E o que é diverso do movimento que já apoia naturalmente Lula só pode ser aquilo que está em oposição a ele: a direita golpista.

Lula não pode polarizar porque isso implicaria numa luta contra o PSDB, o DEM e todos aqueles que deram o golpe de Estado de 2016. Para os que defendem a candidatura de Lula por oportunismo, a partir de seus interesses em relação ao regime, e não a partir de um programa para a classe operária, trata-se de uma luta contra o regime e, portanto, uma luta com a qual não estão dispostos a arcar.

Para justificar seu oportunismo, Aldo Fornazieri tenta dar, em seu texto, uma guinada de 180 graus e mostrar que, na verdade, a luta política deveria se dar nas ruas, e não através da candidatura de Lula:

“A esquerda oba-oba não pode terceirizar para Lula a responsabilidade de enfrentar Bolsonaro, assim como ficou terceirizado para o STF este dever nesses dois anos de governo nefasto”.

O que dizer desse argumento absurdo? Ora, se a luta política contra o governo Bolsonaro não deveria ser travada através da candidatura de Lula, para que ela serviria então? Estaria Fornazieri admitindo que seu interesse na candidatura é apenas uma questão de cargos?

Se, na verdade, o articulista quis dizer que a luta nas ruas seria mais importante que a luta pela eleição de Lula, há, aqui, uma falsa relação. A luta nas ruas é o que pode derrubar Bolsonaro, mas é justamente a candidatura de Lula que pode dar a forma necessária para expressar os interesses das massas nas ruas. Sair às ruas é o único método capaz de dar conta da situação; sem um objetivo, sem um programa, a mobilização, no entanto, perde seu sentido. E Lula presidente, uma figura apoiada pelas massas, é sim um objetivo pelo qual vale à pena ir às ruas: a perspectiva de substituir o governo Bolsonaro por um governo dos trabalhadores ajuda muito mais a intensificar a mobilização do que uma pregação genérica em torno da vacinação.

O que Fornazieri chama de “terceirizar para Lula”, na verdade, é apostar nas ruas. E “terceirizar para o STF”, por sua vez, é apostar nas instituições, coisa que está em oposição total a política da mobilização por Lula presidente e que é, na verdade, a bandeira da esquerda frente-amplista.

Aparte de seu esboço de tipo anarquista — “o que importa é as ruas” —, Fornazieri tem como principal argumento uma tese profundamente direitista e que vai na contramão de qualquer análise baseada na luta de classes: a de que Lula não seria um líder de massas, mas sim um “estadista”:

“Justamente por ter construído uma reputação de estadista, Lula deveria comportar-se como estadista neste momento de fome e desemprego do povo, de morte, de dor, de medo e de desesperança. Nesta condição, Lula deveria unir forças para construir uma saída para tirar o Brasil do abismo deste momento terrível. (…) Lula é totalmente diferente de Bolsonaro não pela querela, pelo bate-boca, pela arruaça verbal. Lula é diferente e incomparável com Bolsonaro pela evidência do que cada um é, por aquilo que Lula fez como presidente e por Bolsonaro ser um antipresidente. A diferença política e moral entre os dois é abissal. Por ser uma diferença evidente, não cabe a Lula verbaliza-la, pois se ele recorre à verbalização, deixa de ser evidente. A diferença se evidencia pelos atos, pelos propósitos, pela conduta moral e política, pela responsabilidade para com o país e o povo, pelos bons exemplos”.

A diferença entre Bolsonaro e Lula estaria, portanto, no fato de que um é como Fornazieri supostamente desprezaria e um como Fornazieri supostamente admiraria. Um critério, portanto, moral, que não tem importância alguma para a luta política. Lula não é a pessoa que Fornazieri quer, baseado naquilo que o articulista acha que é correto ou não. Lula polariza com Bolsonaro porque está no polo político oposto. Lula representa a tendência das massas à mobilização, Bolsonaro representa a tendência da direita à reação.

No fim das contas, todos os compromissos que Fornazieri tenta impor a Lula por ser um “estadista” são compromissos burgueses. Nada têm de valor para o operário, mas tão somente para a manutenção da ordem capitalista. De nada importa se Lula bata boca ou não com Bolsonaro, o que importa é que sua política esteja centrada, sim, no confronto, no enfrentamento contra todo o regime.

A proposta do “estadista”, finalmente, é a proposta de um novo “Lulinha paz e amor”, o que levaria à derrota da esquerda em 2022. A política de Fornazieri, ao ficar totalmente contra o enfrentamento e a polarização, só poderá levar à ruína da esquerda.

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