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Eduardo Vasco

Militante do PCO e jornalista. Materiais publicados em dezenas de sites, jornais, rádios e TVs do Brasil e do exterior. Editor e colunista do Diário Causa Operária.

Enfrentamento ou acordo?

Lula deve repetir 1989 ou 2002?

É preciso aprender com a experiência do passado e lutar pela independência política dos trabalhadores

Há um grande debate na esquerda a respeito do caráter da candidatura de Lula em 2022, se ela se concretizar. Bem, uma parte extremamente direitista da esquerda sequer pretende que o petista esteja nas urnas nas próximas eleições – alguns abutres, como Guilherme Boulos, querem estar em seu lugar.

Mas entre os que defendem a candidatura de Lula, há basicamente duas correntes. Uma daqueles que, entendendo a necessidade de finalmente se desgarrar do peso morto que é a burguesia e os partidos da direita, propõem uma candidatura que agrupe as forças da esquerda e do movimento popular, sem os golpistas.

A outra corrente está ligada aos que não querem Lula nas eleições, mas ela entende que Lula é o único político da esquerda com capacidade eleitoral. No entanto, ela acredita que não basta uma aliança com a esquerda e os trabalhadores, que isso não seria suficiente para vencer as eleições. Segundo essa esquerda, somente uma frente com partidos do “centrão” é que Lula e a esquerda poderiam vencer.

Essa última tese consiste na política da frente ampla com Lula na cabeça. Mas a história das últimas 40 décadas mostra que tal política não leva os trabalhadores ao governo, nem mesmo quando se vence as eleições.

Vem-se discutindo muito e traçando comparações entre as eleições de 1989 e 2002, e entre essas e as próximas, de 2022. Para sabermos qual a política mais acertada a ser levada a cabo é preciso entender corretamente o que ocorreu no passado.

O enfrentamento de 1989

As eleições de 1989 ocorreram em um cenário de enorme crise do regime político, que levou à queda da ditadura em 1985. O ponto central dessa crise foi a mobilização de características revolucionárias da classe operária brasileira, seguindo a tendência de ascenso do movimento operário mundial com a crise do capitalismo e a revolução política que ocorria no leste europeu, acompanhada de revoluções em vários países atrasados, como o Irã e a Nicarágua, ambas em 1979.

O PT havia sido criado em 1980 e a CUT logo em seguida. Eram a expressão da luta dos trabalhadores pela independência de classe. Os anos seguintes foram os mais agitados da história da classe trabalhadora brasileira, com inúmeras greves e a radicalização da luta no campo, com a fundação do MST. As Diretas Já foram um gigantesco movimento de massas que, no entanto, terminou traído pela política de frente popular – ou frente ampla, na linguagem de hoje – de parcela da esquerda, fazendo um acordo com a burguesia e os militares para que houvesse uma saída por cima, sem qualquer modificação significativa nas estruturas carcomidas que sustentavam o regime militar.

Em 1989 ocorreria a primeira eleição direta para presidente da República. Lula, principal liderança forjada na luta de todos esses anos dos trabalhadores, era a expressão do ascenso da classe operária, mas também das vacilações de sua direção.

Primeiro, a esquerda se viu dividida – como hoje – em apoiar ou não a candidatura de Lula. O PCO, ainda uma corrente interna do PT, defendeu desde o princípio a candidatura de Lula, sob o lema “Lula presidente, por um governo dos trabalhadores”. Outros setores, mais notadamente o PDT – ainda com alguma base popular -, demonstrando uma completa direitização, resolveram boicotar Lula, o PT, a CUT e o movimento popular, e lançar a candidatura de Leonel Brizola. O PCB, manifestando o caráter reacionário do stalinismo, lançou o famigerado Roberto Freire.

PDT e PCB tiveram o papel positivo de revelar sua verdadeira face burguesa, mas o papel negativo de trabalhar pela sabotagem da candidatura de Lula, enganando e dividindo uma parcela dos trabalhadores a fim de retirar votos do PT para ajudar os candidatos da direita a vencerem.

Entretanto, no próprio movimento da Frente Brasil Popular – composta por PT, PCdoB e PSB – houve um trabalho de boicote à candidatura Lula. O lema de Causa Operária, “Lula presidente, por um governo dos trabalhadores”, designava qual deveria ser a essência daquela candidatura: uma candidatura que lutasse por um governo operário, sem a burguesia.

Essa luta ficou mais intensa quando o PCdoB uniu-se ao PSB, um partido burguês, para impor como candidato a vice de Lula o senador José Paulo Bisol, um político do MDB e um dos fundadores do PSDB, que se filiou ao PSB com o intuito de se passar por esquerdista a fim de entrar na chapa de Lula e boicotar uma candidatura dos trabalhadores. Por esse mesmo motivo, Causa Operária, ao lado da primeira palavra de ordem, levantou também a reivindicação de que o vice deveria ser, como Lula, alguém ligado aos trabalhadores. Essa posição, entretanto, acabou derrotada por tramas tanto dos outros membros da FBP como do próprio PT, que prenunciavam uma virada cada vez mais à direita do Partido dos Trabalhadores, da qual uma das consequências imediatas foi a expulsão de Causa Operária de dentro do partido.

Isso levou a que, mesmo com o apoio de uma massa gigantesca de trabalhadores, em comícios extraordinários, Lula terminasse derrotado. Apesar de todas as manobras da burguesia para turbinar Fernando Collor, não foi esse o motivo da derrota dos trabalhadores em 1989. Foi a própria política da esquerda, que capitulou diante das pressões da burguesia e não conseguiu se desfazer das amarras que a prendiam ao capital. A frente com o que Trótski chamou de “o fantasma da burguesia”, isto é, com um setor secundário dos capitalistas, disfarçado de socialista, foi apenas a expressão da aposta pela moderação e não pela radicalização dos trabalhadores, mesmo em um cenário de intensa polarização e radicalização potencial.

A derrota de Lula representou um duro golpe contra a classe trabalhadora e o início de seu refluxo. Daí em diante nenhuma eleição teria um caráter tão radicalizado. Lula foi candidato por mais duas ocasiões, em 1994 e 1998, ainda com grande apoio popular, mas nada parecido com aquele de 1989. O PT também foi adotando uma política cada vez mais conciliadora com a burguesia, algo que já era visível em 1989, mas que se aprofundou à medida que o movimento operário refluía.

O acordo de 2002

Os anos 90 marcaram o auge do neoliberalismo, com a política de espoliação de FHC levando milhões de trabalhadores ao desemprego, à fome e à miséria. O choque neoliberal foi tão grande que, ao mesmo tempo que golpeou como jamais havia feito qualquer medida da burguesia com exceção das ditaduras militares, levou a um aprofundamento da crise política, resultado da crise econômica histórica do capitalismo e da crise social que se abrira.

Esse era um cenário comum a todo o continente latino-americano. Entretanto, ao invés de trazer estabilidade ao domínio da burguesia e do imperialismo, à qual essa sempre foi subordinada, o período de choque neoliberal levou a uma instabilidade extremamente crítica. O primeiro grande sinal de crise foi o Caracaço em 1989 na Venezuela, que moldou o destino daquele país até os dias de hoje. Foi na onda desse movimento popular gigantesco que Hugo Chávez ascendeu ao poder em 1999, antecipando a tendência da América Latina no novo milênio.

As massas, empobrecidas, miseráveis e famélicas, começavam a retomar sua movimentação, única maneira de escapar das garras das aves de rapina imperialistas. Vizinhas do Brasil, Argentina e Bolívia afogavam-se em crises sociais jamais vistas nos últimos 50 anos, nas quais nenhum governo se sustentava em pé e caía em questão de meses, semanas ou dias. A rebelião popular se espalhava por todo o hemisfério, motivada pelo repúdio total à política neoliberal.

A classe operária brasileira, a mais poderosa do continente, ameaçava seguir pelo mesmo caminho de revolta. A situação apresentava-se cada vez mais insustentável para a estabilidade do regime. FHC e toda a direita eram completamente impopulares. A burguesia e o imperialismo não viam alternativa nas eleições de 2002.

Eis que, já completamente integrado ao regime político, surgem o PT e seus aliados da esquerda pequeno-burguesa, como PCdoB e PCB, novamente apoiando uma candidatura de Lula, dispostos a ser essa alternativa da burguesia. Como em 1989, o vice era um burguês, mas com uma diferença fundamental: José Alencar (Partido Liberal) já não era uma “sombra da burguesia” como o fora Bisol, mas sim um representante puro-sangue dos interesses imperialistas.

Demonstrando o controle da burguesia sobre sua candidatura, ao contrário de 1989, a campanha eleitoral de Lula foi publicamente mais moderada e mesmo direitista do que as anteriores. Desta vez, o “sapo barbudo do ABC” que era atacado por todos os lados pelos capitalistas, transformou-se no “Lulinha paz e amor”, amigo dos empresários e banqueiros. A famosa Carta aos Brasileiros sepultou qualquer dúvida a respeito do caráter da candidatura de Lula em 2002. Foi eleito em 1º turno, com mais de 60% dos votos, vencendo José Serra (PSDB) em todos os estados, com exceção de Alagoas, terra de Collor. Não havia dúvidas: o imperialismo fizera um acordo com Lula e o PT para aceitá-los no governo, garantindo que não atentassem contra seus principais interesses, visando conter a tendência à mobilização dos trabalhadores e recompor a burguesia para que esta integrasse novamente seus partidos na liderança do governo dentro de pouco tempo.

E agora?

O que a esquerda que compara 2022 com as eleições de 2002 não entende é que não é mais possível repetir 2002. O PT acabou ficando mais tempo no governo do que a burguesia esperava e, mesmo sem realizar qualquer mínima transformação social (o que não poderia ter sido muito diferente, dado o caráter reformista e conciliador do PT), terminou por ser derrubado.

A crise de 2008 impôs ao imperialismo a necessidade de aplicar uma política de ataques frontais aos direitos dos trabalhadores, o que resultou nos golpes de Estado nos países atrasados e na promoção de um movimento de extrema-direita mesmo nos países de capitalismo avançado. Tal política levou ao golpe de 2016, expressando o rompimento do pacto da burguesia com o PT, rompimento este que ficou ainda mais claro com a prisão de Lula e a posterior eleição fraudulenta de Jair Bolsonaro.

Consequência de toda essa instabilidade política, econômica e social desde 2008 foi o acirramento da luta de classes e, com ele, a polarização política entre os trabalhadores e a burguesia, manifestado na adesão de uma parcela significativa da população à luta contra o golpe e de outra parcela ao presidente fascista.

As eleições de 2022 inserem-se, pois, nesse quadro de intensa luta política. Desse modo, assemelha-se muito mais a 1989 do que a 2002. Lula, como há 30 anos, não é um colaborador como em 2002, mas um antagonista da burguesia e do imperialismo. Isso não significa que sua política tenha tido mudanças substanciais. Como um típico membro da esquerda pequeno-burguesa – mesmo oriundo da classe operária -, Lula mantém uma política centrista, zigue-zagueante. Já em 1989 tentava uma conciliação com setores do empresariado nacional e internacional. Desta vez não é muito diferente. Entretanto, a crise de agora é maior do que a de 1989 e o movimento operário e popular tende a se radicalizar mais do que antes, embora ainda esteja em um refluxo histórico.

Lula sempre foi um político empírico, sem um programa claramente definido. Tenta se adaptar conforme o ritmo dos acontecimentos. Em 1989, a radicalização considerável do movimento operário o levou para a esquerda. Em 2002, o refluxo que precedeu a ascensão iminente, que foi abortada justamente pela política de colaboração do PT, o levou para a direita.

O papel dos setores mais conscientes da esquerda, dos setores militantes ligados de alguma maneira aos trabalhadores, é empurrar o movimento operário para uma radicalização, que tende a ser mais profunda que em 1989. Isso só será possível se for superada a ideia que imperou em 2002 – a de um governo fruto de um acordo com a burguesia, na esperança de que ela permitiria que a esquerda aplicasse uma política voltada aos interesses dos trabalhadores. Será possível se também for superado um aspecto dessa posição, que levou à derrota de 1989, isto é, de que ao menos algum setor da burguesia pudesse apoiar a esquerda.

Da mesma forma que a burguesia rompeu o acordo com o PT e a esquerda com o golpe de 2016, a esquerda precisa romper as ilusões de um novo acordo com a burguesia. As eleições de 1989 e de 2002, cada uma da sua maneira, ensinaram que a divisão dos trabalhadores e a conciliação com a burguesia ou levam à derrota histórica dos trabalhadores em um curto prazo (1989) ou em um longo prazo (2002-2016). Mas levam, inevitavelmente, à derrota.

O Lula de 2022 – e é preciso haver a candidatura de Lula em 2022 – deve ser mais parecido com o “sapo barbudo” de 1989 do que com o “paz e amor” de 2002. Mas o movimento operário e a esquerda devem aprender essas duas lições para não cair no mesmo erro.

É por essa razão que o Partido da Causa Operária, compreendendo o acerto de sua política em 1989, volta a fazer uma campanha ideológica em defesa dos interesses da classe operária pela candidatura de Lula. É por isso que levantamos novamente a palavra de ordem de “Lula presidente, por um governo dos trabalhadores” e de “Lula presidente e um vice popular”. Para que seja uma candidatura que provoque a efervescência das ruas, pintadas de vermelho, molhadas do suor dos operários, estupefatas diante de sua própria capacidade de moldar o destino político do País. Para que abra caminho a um amplo movimento de massas, classista e revolucionário, que derrube Bolsonaro, derrote o golpe e possibilite a construção de um governo operário.

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