Quem enxerga a crise política no Brasil como um fenômeno isolado, cuja “culpa” deveria ser atribuída apenas aos equívocos administrativos de Dilma ou às alianças espúrias do PT com partidos oportunistas e reacionários, se engana profundamente. Aproveitando-se de debilidades e traições internas, o golpe de Estado que se iniciou com o impeachment Dilma e se prolonga com a prisão de Lula tem sua origem e motor no estrangeiro, na crise do imperialismo mundial, principalmente norte americano. Dos últimos anos para cá, este passou a forçar um realinhamento não só econômico como político de toda América latina, ainda mais diante da iminência de um conflito que oporia dois blocos na cena mundial.
Um exame mais amplo da situação de vários lideranças latino-americanas atesta a concretude do intervencionismo norte americano. Pode-se mencionar como exemplo o caso da ex-presidente da Argentina, Cristina Kirchner – que atravessa problemas semelhantes em seu país aos que enfrentam hoje no Brasil Lula e o PT. Ela é acusada de receber propina por meio de aluguel de quartos em hotéis que não estavam sendo usados. A ex-líder do governo argentino atribuiu ao atual presidente, Mauricio Macri, a responsabilidade por dar andamento a esses processos para “esconder o desastre que está acontecendo” no país. “Os preços nos supermercados aumentam, os salários não sobem e não se convocam as paritárias [como são chamadas as negociações entre governo e sindicatos na Argentina]. É claro que o dinheiro não chega para alguns, mas sobra para outros”, disse Cristina em seu encontro com a presidenta deposta Dilma Rousseff.
Em artigo recente publicado no “Libération”, o escritor peruano Alfredo Pita assinala que “com a queda dos governos progressistas no Brasil e na Argentina, e o enfraquecimento do que está no poder no Equador, a imagem de uma América Latina que tomou o seu destino em suas próprias mãos está se dissipando e a fragilidade de modelos alternativos relativos à velha ordem dependente e neocolonial aparece claramente.”
Outro exemplo é a Venezuela, que atravessa um período de grave instabilidade política impulsionada pelo capital estrangeiro, que visa apoderar-se do petróleo da região. Tudo alimentado por uma campanha falaciosa que oporia a “democracia e as liberdades” a uma pretensa “ditadura” imposta por Nicolau Maduro, atual presidente e herdeiro de Hugo Chavez.
Negligenciar o estado de coisas mundial, deslocando a causa de todo mal que assola o Brasil para os supostos “erros do PT”, como costuma fazer boa parte da esquerda, é passar ao largo da real situação do continente latino americano, e impedir-se de lutar contra as causas efetivas de nossa crise institucional. Crise de graves consequências para os setores populares, que convivem hoje com a suspensão do estado de direito no país, com concomitante suspensão das garantias individuais.