O futebol, sem dúvida nenhuma, é uma fábrica de entretenimento, mas na virada para o século XX, se consagrou como um empreendimento onde o jogo se tornou um produto que, colocado no mercado, é consumido pelos milhões de torcedores espalhados por todo o planeta, onde os Clubes são empregadores, e os atletas seus empregados.
Decididamente, aí estão todos os ingredientes que colocam essa indústria de entretenimento no cenário capitalista, e uma demonstração muito clara de disputa, não só pela bola, mas pelo bom salário, pelas condições dignas de trabalho, que resumidamente pode-se dizer: uma luta de classes.
O palco onde ela é travada, os campeonatos, são verdadeiramente os mercados da bola de sua localização e o palco de onde o reflexo nas relações desenroladas em campo, sendo fator decisivo o econômico, que embora estejam inseridos numa trama de globalização, são marcados pelos dramas e alegrias de regiões onde localizam, sendo determinantes se centrais ou periféricas, tendo como referência os colonizadores e os colonizados, as nações desenvolvidas ou subdesenvolvidas, e etc.
Inserir neste contexto os campeonatos Liga dos Campeões, da Europa, e a Libertadores da América, da América Latina, por exemplo, nos dá conta de muitos aspectos neste sentido.
Douglas Ceconello, jornalista e um dos fundadores do Impedimento.org, dedicado ao futebol sul-americano, escreveu no GE — Porto Alegre de ontem(18) que considera a o primeiro bem mais democrático do que o outro.
Nas razões para isso, ele levou em conta alguns dados que elencou, disse ele: “nas últimas dez temporadas, 18 times alcançaram as semifinais da competição mais importante do futebol europeu, enquanto no continente sul-americano foram 28 clubes diferentes. Aqueles que chegaram na antessala do sonho na Europa representavam seis países, em um total de 54 confederações, e na América do Sul foram nove nações representadas entre as onze que participaram (incluindo o México, nosso amigo folgado). Apenas o Perú e a Venezuela não classificaram nenhum semifinalista na última década.”
Ele continua com: “três clubes europeus ocuparam a metade das 40 vagas em semifinal nesse recorte de tempo: Real Madrid (oito), Bayern (sete) e Barcelona (cinco). Recordista em presenças entre os quatro melhores, os merengues ficaram ausentes justamente das últimas duas edições.
Na contrapartida, lembra que na Libertadores, diferente do que acontece com o campeonato na Europa, a Liga das Campeões, o equilíbrio na disputa era muito maior, permitindo a participação em semifinais e finais de times variados sem que houvesse a predominância, vejamos:
“Algumas edições da Libertadores atrás, o equilíbrio na América do Sul era até maior, já que nos três últimos anos River Plate, Boca Junior e Grêmio tornaram-se presenças assíduas nas semifinais. Os dois gigantes argentinos, aliás, são os recordistas da década em participação nessa fase do torneio (quatro vezes cada um), enquanto o Tricolor gaúcho chegou por ali nas últimas três edições. Ou seja: precisamos urgentemente retomar a nossa desorganização financeira e administradora e permitir que se repita algo como a épica semifinal de 2014, com quatro clubes jamais campeões: Bolívar (BOL), Nacional, o Querido (PAR), Defensor (URU) e San Lorenzo (ARG), que enfim sairia da fila libertadora.”
Embora os dados sejam conclusivos para que Douglas chegue à conclusão de ser a Libertadores um campeonato mais democrático, não resta dúvida de que o que ele chama de democrático ou antidemocrático, está estritamente relacionado com o poder concentrado do capital em uma região Central, como é a Europa, e a dominação do mercado se fazer de forma mais decidida por um grupo mais poderoso e controlador, ao passo que na América Latina, dada a briga destacada de grupos nacionalistas burgueses na criação de um mercado interno ser mais atuante, isso implicaria em um controle menor e uma lucratividade mais distribuída, embora não seja menos elitista.
O desenvolvimento é desigual para os Clubes. Há, contudo, na América Latina pelo menos dois fatores que contribuem para que o controle diminua e os clubes menores tenham alguma chance, afinal. O primeiro está no fato de, principalmente o Brasil, sermos uma fábrica de craques. Todo dia nasce um novo, e pode ser visto e muitos jogos de “várzea”, o outro é que, quando um craque é descoberto, em todas as transações desse craque no futuro, o clube de base que o revelou ganha um percentual e tenha chance de crescer, fazendo com que alcancemos o resultado de termos, por exemplo, só no Brasil, mais times que em toda a Europa.
Dessa forma, o futebol ganha mais expressão, mas está longe de se tornar um empreendimento que fuja da luta de classes, onde as relações são tratadas de forma a considerar as regras capitalistas.