Já não é mais possível ocultar que os militares ocupam cada vez mais espaços importantes na vida política nacional. Constitucionalmente, os representantes da caserna estão impedidos de falar e emitir opiniões sobre política. No entanto, como é do conhecimento ostensivo do conjunto da sociedade, o que menos importa neste caso é a legalidade. Afinal o regime político civil constitucional pós ditadura nunca foi além de um pálido verniz passado por cima das instituições erguidas sob a batuta dos militares.
A “democracia” brasileira nunca foi além de uma tênue folha de parreira que mal dá para encobrir o verdadeiro domínio que os quartéis sempre exerceram sobre o regime político e o conjunto das instituições civis nacionais. A história recente da vida política do país atesta que os militares e as forças armadas sempre foram o fiel da balança nos momentos mais decisivos e importantes do Brasil.
Os militares, na verdade, nunca saíram de cena, sejam como protagonistas diretos ou na condição de tutores do poder civil. Mais recentemente, esta situação alcança o seu ponto de ebulição máxima a partir do golpe de estado de 2016, desde quando os militares fizeram a “transição” para os civis em 1985, com o advento da Nova República. Por uma ironia qualquer do destino o primeiro presidente civil pós era dos homens de farda foi exatamente um serviçal da ditadura, presidente do partido (PDS) que dava sustentação ao regime dos generais, ninguém menos do que a figura patética do senhor José Sarney.
Passando por cima de toda e qualquer legalidade constitucional, a verdade é que os militares estão se tornando cada vez mais protagonistas da cena política nacional, ocupando funções de alta relevância dentro do aparelho de estado. Isso fica patente não só nas declarações que vem sendo dadas por oficiais de alta patente da principal arma das FFAA, o Exército, mas principalmente pela presença no desempenho de funções que, em tese, deveriam ser de competência exclusiva do poder civil. Em fevereiro deste ano as forças Armadas foram chamadas a intervir militarmente no segundo estado mais importante da federação, o Rio de Janeiro, supostamente para combate ao tráfico e realizar a segurança da população. O que se viu nesses sete meses, contudo, foi não só a mais completa ausência de controle sobre o tráfico, como o aumento exponencial da violência contra a população pobre e explorada das comunidades ocupadas pelos militares.
Netas eleições, a presença de vários militares concorrendo a cargos eletivos é um indicador seguro da militarização cada vez maior da sociedade. O caso que ilustra de forma mais clara a tentativa dos representantes dos quartéis em se impor na vida nacional diz respeito ao General Hamilton Mourão, que concorre ao cago de vice-presidente na chapa do presidenciável de extrema direita Jair Bolsonaro, que é neste momento o segundo colocado nas pesquisas de opinião para ser o vitorioso nas eleições de outubro. Mourão é o mesmo general que ameaçou o país em setembro do ano passado, quando disse que as forças armadas poderiam intervir para “evitar o caos e restabelecer a normalidade das instituições, ameaçadas pela radicalização”. Ou seja, uma declaração sem meias palavras de que estaria em curso um golpe militar no país.
Os episódios que se sucederam ao longo dos últimos 3 anos, em que se concretizou o golpe de estado no país, com a deposição do governo eleito em 2014, chefiado pela candidata do partido dos trabalhadores, dão a exata medida da interferência direta dos militares nos acontecimentos, pois foram os quartéis que avalizaram a escalada do golpe contra a presidente Dilma Rousseff. No que diz respeito ao processo igualmente fraudulento contra o ex-presidente Lula, que culminou com o seu encarceramento em abril deste ano, as forças Armadas endossaram todas as medidas arbitrárias e ilegais contra Lula e o PT.
No episódio mais escandaloso, o comandante das forças armadas, general Villas Boas, colocou as baionetas diretamente sobre o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento de um pedido de habeas corpus em favor do ex-presidente. Os ministros do STF negaram o pedido da defesa de Lula, pressionados diretamente pelas declarações e ameaçadoras de Villas Boas na noite do dia anterior à apreciação da matéria pela Suprema Corte.
Neste momento agora o mesmo Supremo Tribunal Federal irá ter como novo presidente o ministro Dias Toffoli, que sucederá a desprezível Carmen Lúcia no comando da Suprema Corte. Toffoli já anunciou que convidará o general da reserva Fernando Azevedo, ex-chefe do Estado-Maior do Exército, para assessorá-lo na presidência do STF. É a confirmação, de forma explícita, direita e sem reservas de que as instituições da “democracia civil” já não respiram mais por aparelhos constitucionais, legais, mas pelas baionetas dos generais. A instituição que deveria, em tese, zelar e preservar pela garantia da ordem constitucional e da legalidade no país, terá um representante de alta patente das FFAA em suas fileiras, sabe-se lá fazendo o que. Na verdade, sabemos bem o que um general estará fazendo no STF. Exatamente a mesma coisa que todos os outros generais vem fazendo país afora: ameaçando e dando ultimatos ao país, sempre contra a esquerda e seus representantes, colocando a faca no pescoço do país e expandindo cada vez mais a ditadura dos quartéis, que é o que vem sendo imposto ao país.