Com a radicalização das manifestações das últimas semanas no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, a imprensa burguesa, encontrando forte eco na esquerda pequeno-burguesa, decidiu fazer uma campanha genérica e policialesca contra a presença de “infiltrados” em protestos. De acordo com essa campanha, a polícia estaria infiltrando pessoas nos atos para que essas usassem da violência nas manifestações e, com isso, fornecesse um bom motivo para que o Estado pudesse reprimir brutalmente a revolta do povo.
No dia 7 de junho, o portal The Intercept Brasil publicou um artigo sobre esse tema, tendo como título “Uma breve história dos agentes infiltrados em protestos nos EUA”. O texto, que é assinado por Ryan Grim e Jon Schwarz, procura, com base em um histórico, alertar a esquerda para a possibilidade de a polícia infiltrar seus agentes nos atos. Não entraremos aqui na discussão dos casos apresentados, mas sim diretamente nos argumentos presentes no artigo.
Segundo os autores do artigo,
A intensidade da discussão sobre protestos que se tornam violentos, bem como as consequências extremas de ficar do lado errado da opinião pública, deixam pouco espaço para um debate com mais nuances. Se esse diálogo fosse possível, seria simples discutir a diferença entre a indignação de uma multidão e as ações que ela acaba praticando. Uma multidão indignada que permanece não violenta e não se envolve em depredação de propriedade privada não é menos legitimamente indignada do que outra que o faça. A única diferença, frequentemente, é se essa indignação é desencadeada e estimulada, e como.
A discussão fundamental sobre os infiltrados, no entanto, não é a de se os protestos que não têm violência são legítimos ou não. Mas o próprio fato de esse tipo de discussão ter vindo à tona já revela, em si, uma grande distorção do problema. A principal discussão que deve ser feita em relação às manifestações de rua não reside em seus métodos — embora eles tenham alguma importância — mas sim na sua composição.
Chama bastante atenção que essa preocupação não aparece no artigo do Intercept, sendo que é essa que deve ser utilizada como bússola para qualquer análise das ruas. Se o povo estiver nas ruas, se a esmagadora maioria da população estiver apoiando os protestos, o caráter violento de uma manifestação se torna indiscutivelmente legítimo. Isto é, se em um ato com 500 mil pessoas, a maioria delas vinculadas à classe operária, começa a se tornar violento, não tem importância alguma se o gatilho foi dado por algum infiltrado da polícia ou por algum manifestante. A manifestação será expressão da vontade do povo como um todo e será legítima. E como a violência, nesse caso, expressa a vontade da maioria da população, o povo poderá conseguir impor-se, mesmo que a direita conte com um aparato de repressão poderoso.
Neste mesmo momento, as mobilizações em todo o mundo apontam para a constituição de verdadeiros movimentos de massa. A campanha pelo “Fora Bolsonaro”, no Brasil, é extremamente popular. Nesse sentido, fazer com que as manifestações se tornem mais violentas não é a prioridade da burguesia — seria, na verdade, uma manobra extremamente arriscada. Todo o esforço da burguesia — e inclusive do próprio presidente ilegítimo Jair Bolsonaro — está no sentido de tornar as manifestações menos radicalizadas. A violência, neste momento, representa um grande perigo para a burguesia, que pode ver o regime político despedaçar-se em um piscar de olhos, a depender da disposição das massas.
Obviamente, é preciso estar atento às possíveis infiltrações nos movimentos. E é preciso responder a esses infiltrados da maneira correta, escorraçando-os dos atos. No entanto, cabe destacar que a campanha de tipo alarmista sobre os infiltrados cumpre, nesse momento, o papel de inibir a violência das manifestações. Isto é, trata-se de uma verdadeira tentativa da burguesia de se infiltrar nos atos. Não com seus agentes, mas com suas ideias. O que a burguesia quer é que a esquerda, ao ver o povo se rebelando contra a direita e partindo para a violência, o denuncie como um “povo infiltrado”, digno de ser algemado e preso pela polícia.