As discussões sobre o apoio da esquerda parlamentar ao bloco de Rodrigo Maia para a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados continuam dominando as polêmicas na imprensa progressista. A escolha de Baleia Rossi (MDB-SP) como candidato do bloco intensificou o debate, já que implica que a esquerda terá de apoiar o homem de Michel Temer para a presidência da Casa. Logicamente, trata-se de uma discussão sem sentido, afinal de contas, o que muda apoiar o DEM, o MDB ou o PSDB, todos eles partidos que estiveram na linha de frente da articulação do golpe de Estado?
O jornalista Jeferson Miola é um defensor da política de aliança da esquerda com a direita golpista na Câmara. Na semana passada, o jornalista já havia publicado um artigo onde chamava a articulação na Câmara de “frente antifascista”, usando inclusive Leon Trótski para justificar a política que na realidade é o exato oposto do que defendia o revolucionário russo para combater o fascismo. Mas isso foi assunto para artigo anterior.
Nessa segunda-feira, dia 28, Jeferson Miola publicou outro artigo, novamente defendendo a “tática antifascista” na Câmara dos Deputados: “Prioridade da esquerda é impedir eleição de títere do Bolsonaro para comando da Câmara”.
Como fica claro pelo próprio título, o que move a política de Miola é quase um vale-tudo contra Bolsonaro e para isso, impedir a todo o custo a eleição de seu títere, Arthur Lira.
Neste contexto de relação de forças desfavorável e da urgência do enfrentamento ao fascismo, a tarefa central da oposição é obstruir a marcha bolsonarista sobre as instituições e impedir a hipertrofia do seu poder, mesmo que isso signifique votar em Baleia Rossi, um expoente do golpista e canalha MDB que jogou o Brasil no precipício.
Vale tudo, até votar em Baleia Rossi “um expoente do golpista e canalha MDB que jogou o Brasil no precipício”. Desse primeiro argumento de Miola restam algumas questões: se o MDB foi quem jogou o Brasil no precipício – e nisso nós concordamos – porque seria uma obstrução à marcha de Bolsonaro o voto em Baleia? E ainda seria necessário acrescentar que não apenas o MDB jogou o Brasil no precipício como é um dos responsáveis inclusive pela chegada de Bolsonaro ao poder.
Para enfrentar o fascismo e obstruir a marcha bolsonarista, Miola quer fortalecer um setor do golpe que é mais poderoso do que o próprio Bolsonaro. A política defendida por Miola é de ocasião, para ele, frear o fascismo é apenas uma questão de nomes, no caso o bolsonarismo, e não enxerga – embora ele mesmo admita o perigo da outra ala – que o problema do fascismo não é Bolsonaro, o bolsonarismo ou coisa que o valha, mas é o próprio regime golpista.
As instituições, que Miola está preocupado em livrar do bolsonarismo, já estão há muito tempo dominadas pelos golpistas e boa parte pelo setores mais fascistas do golpe e são elas que dão sustentação a Bolsonaro e foram elas mesma as que garantiram sua subida ao poder. Apenas para citar um exemplo, quem prendeu Lula foi uma operação do regime golpista tendo como principais articuladores não o bolsonarismo de Bolsonaro, mas os golpistas do PSDB, do MDB e do DEM.
Mais à frente, Miola continua:
Sem alimentar ilusões, é preciso cobrar publicamente que Baleia Rossi assuma compromisso com a proporcionalidade dos partidos de oposição na Mesa, nas Comissões e nas relatorias de projetos; que priorize as agendas urgentes para o povo brasileiro negligenciadas pelo governo, como a vacinação universal, a garantia de renda mínima, a reconstrução econômica, a soberania nacional; e que não faça como seu padrinho Rodrigo Maia, que autocraticamente engavetou todos pedidos de abertura de processo de impeachment do Bolsonaro.
O colunista não quer “alimentar ilusões”, mas é difícil encontrar maior ilusão do que a que ele mesmo nutre para com Baleia e o bloco de Maia. Por que Maia escolheria um candidato que não estivesse disposto a levar adiante a mesma política levada por ele como presidente da Câmara?
O desenvolvimento da luta política pode fazer alterar as movimentações e manobras na Câmara, mas de um ponto de vista político, ou seja, da luta de interesses, os de Baleia coincidem com os de Maia. E se este sentou em cima dos quase 60 pedidos de impeachment, não há motivos para que Baleia não faça o mesmo, a não ser sob condições diferentes e desde que estejam elas favoráveis ao bloco golpista, nunca para a esquerda.
E por falar em ilusões, outra coisa importante a ser dita: se Baleia, indicado de Maia, é o representante do partido que levou o País ao precipício, por que agora deveríamos crer que ele será o que vai garantir a renda mínima e reconstruir a economia e a soberania nacional?
Segundo Miola, tudo isso poderia ser conseguido cobrando publicamente Baleia. as poucas dezenas de deputados da esquerda seriam então capazes de cobrar e serem ouvidos. Por que não foram até agora com Maia? Para isso, a esquerda precisa ingressar em uma aliança com os seus inimigos? E por falar novamente em ilusão…
Na realidade, todas as benesses apresentadas por Miola são a mais pura ilusão, produto de uma manobra parlamentar cujo único e real resultado será nada mais do que o fortalecimento da direita golpista, essa mesma que levou o Brasil ao precipício, elegeu Bolsonaro e agora sustenta o seu governo.
Miola conclui dizendo que se a esquerda adotar uma política “demarcatória”, ou seja, lançar um candidato independente, a consequência seria “a conquista do comando do Legislativo por um títere do regime”.
O verdadeiro títere de Bolsonaro e de todo o regime golpista não é Arthur Lira, mas Balia e o bloco de Maia. O que Lira pode fazer que Maia já não tenha feito? Absolutamente nada. Não é exatamente Bolsonaro, mas são todos os golpistas – em particular aqueles que jogaram o Brasil no precipício – os responsáveis pelo avanço do fascismo e o aprofundamento do regime de exceção.
A saída da esquerda é ter uma política independente que coloque em xeque esse regime. Para isso, é preciso abandonar as manobras parlamentares e mobilizar o povo. Mas é impossível fazer isso se aliando com os golpistas.