A Holanda continua sob toque de recolher para conter a epidemia do coronavírus após três noites consecutivas de distúrbios em várias cidades daquele país. Desde a Segunda Guerra Mundial esta foi a primeira que um toque de recolher foi decretado no país. Fogueiras foram acesas nas ruas, carros da polícia foram queimados e vitrines foram destruídas e lojas foram saqueadas. O governo respondeu às manifestações com repressão violenta da polícia que colocou nas ruas suas tropas de choque. Cerca de 300 pessoas foram detidas durante o fim de semana e na noite de segunda-feira feira mais 150 pessoas foram também detidas. O Primeiro-Ministro holandês usou termos fortes para condenar os manifestantes, acusou-os de terem motivações que nada têm a haver com o confinamento e prometeu medidas duras contra os protestos. O prefeito de Roterdã Ahmed Aboutaleb baixou um decreto de emergência aumentando os poderes da polícia para deter manifestantes. Prefeitos de outras cidades anunciaram medidas semelhantes. A polícia anunciou que imagens de vídeos serão usadas para identificar e prender quem estiver “infringindo a lei”. Novas manifestações violentas estão sendo esperadas para os próximos dias e semanas.
Curiosamente as manifestações de protesto contra medidas restritivas que se pretendem destinadas a combater a pandemia do COVID-19 como as que se viu na Holanda vêm ocorrendo principalmente em países que na área da economia seguem a cartilha neoliberal. As populações desses países vêm percebendo que as medidas são cosméticas. Elas estabelecem restrições à livre circulação e à liberdade de reunião, mas quando se trata de fixar condições seguras de trabalho nada está sendo feito, aí incluído os transportes públicos que vivem lotados. Por outro lado, nada se vê sendo feito com relação ao combate à pandemia em si. O único modo de tratamento reconhecido, a vacinação, encontra-se sendo muito malconduzida e o que se tem visto é que os governos não tomaram as providências necessárias para montar campanhas de vacinação em massa. Descontando-se a descomunal incompetência administrativa e o desastre de relações públicas que é o governo Bolsonaro a situação não é tão superior à que vemos no Brasil. Aqui um confinamento rigoroso como o que está sendo imposto na Europa aliado à inoperância total do governo provavelmente levaria a uma explosão social.
Também como no Brasil a esquerda europeia parece estar vivendo no melhor dos mundos possíveis e não só não denuncia como endossa as medidas governamentais. Ignora a penúria a que a massa trabalhadora está sendo submetida e finge que não vê que o que está sendo feito com relação à emergência sanitária não levará a lugar nenhum. Espertamente a extrema-direita coloca-se na oposição e formula as denúncias e assim vai ganhando espaço. Recente pesquisa (Harris Interactive) indica que se as eleições presidenciais na França fossem realizadas agora a líder da extrema direita, Marine Le Pen (Reunião Nacional), venceria no primeiro turno por uma leve vantagem. A França também está sob o regime de toque de recolher. O país já esteve sob confinamento duas vezes e é possível que um terceiro seja decretado para evitar um colapso nos hospitais. A percepção geral é de que o país está sendo destruído. Em entrevista à estação de rádio FranceInfo nesta semana Le Pen declarou:
“Confinamento é a última solução quando todas as outras falharam. Por que o governo não aproveitou o último confinamento que exigiu muitos sacrifícios dos franceses, para testar maciçamente e se adiantar à pandemia?…”
Conforme a analista da Sputnik France, Rachel Marsden:
“Macron se encontra diante da possibilidade do que os franceses chamam de ras-le-bol – o que quer dizer, os franceses totalmente saturados dele e de sua equipe, ao ponto de votar em quem for necessário para substituí-lo no segundo turno.”
É mais um triste capítulo na história da esquerda este em que ela se comporta bovinamente diante da política de destruição levada a efeito pelo capitalismo e deixa de assumir seu papel de conduzir o processo de rejeição a tal política e não assume liderança daqueles que estão sendo vitimizados por uma crise da qual eles não têm culpa.