Gabinete de Segurança Institucional: órgão de repressão política ditatorial

Quem comanda o regime golpista desde a derrubada de Dilma Rousseff, em 2016, são os militares. Especialmente organizados no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), recriado pelo golpista Michel Temer em uma de suas primeiras medidas como presidente ilegítimo, e colocando neste que é o principal organismo do Executivo, atrás apenas da Presidência da República, o general Sergio Etchegoyen. Nesta quarta-feira (07), foi confirmado que Etchegoyen será substituído pelo general Augusto Heleno na chefia do GSI no futuro governo de Jair Bolsonaro.

O GSI e seus antecessores encarnam a histórica repressão estatal contra o povo brasileiro. A partir da década de 1920, especialmente, o Estado brasileiro iniciou o desenvolvimento dos serviços de inteligência e espionagem. Em 1927 foi criado o Conselho de Defesa Nacional, durante o governo de Washington Luís, sendo o primeiro órgão ligado à área de inteligência da República. O motivo principal da instituição desse órgão foi a desestabilização da República Velha causada pelo movimento tenentista e, logo em seguida, pela Coluna Prestes, que ameaçavam o regime político oligárquico. O Conselho foi criado para conter e suprimir novos movimentos nesse sentido.

Ou seja, a Inteligência estatal foi criada, reconhecidamente, para reprimir de maneira mais eficaz os movimentos e organizações populares que surgiram, a fim de manter o controle absoluto do regime político.

Com a chegada de Getúlio Vargas e o golpe de Estado que originou o Estado Novo, em 1937 (para impor uma ditadura e perseguir o movimento operário que era crescente na época, refletido pela tentativa frustrada de insurreição liderada por Luís Carlos Prestes), foi implantado o Conselho de Segurança Nacional (CSN). Um pouco antes disso, já no início da Revolução de 30, foi organizado o Estado-Maior do Governo Provisório, em 1930, antecessor direto do GSI. Um ano depois da implementação do Estado Novo, o Estado-Maior do Governo foi substituído pelo Gabinete Militar, cujo chefe estava na mesma condição de ministro de Estado (condição esta que foi revogada apenas em 1990).

Ainda durante a ditadura de Vargas, em 1942 assumiu a chefia da polícia do Distrito Federal (então no Rio de Janeiro) Alcides Etchegoyen, avô do atual chefe do GSI, Sergio Etchegoyen. Alcides, na mesma época, passou o controle das atividades de contraespionagem do Estado brasileiro para a embaixada dos EUA – segundo a pesquisadora Marta Huggins, no livro “Polícia e Política: relações Estados Unidos/América Latina”.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrocada de Vargas, em 1946 o governo direitista de Eurico Gaspar Dutra fundou o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações (SFICI). A criação do SFICI foi diretamente influenciada, senão uma imposição, do governo dos EUA, relacionada tanto com a caça aos comunistas (em 1947 o PCB foi cassado e seus membros, perseguidos) quanto com a formação da Agência Central de Inteligência (CIA), no mesmo período. Na prática, a submissão do governo brasileiro ao imperialismo significou que a Inteligência brasileira ficou subordinada, desde o início, ao controle imperialista.

O SFICI foi extinto em 1964, sendo incorporado e substituído pelo temido Serviço Nacional de Informações (SNI) no mesmo ano, já sob a ditadura militar. Foi com o SNI que a área de Inteligência se expandiu e se estruturou nacionalmente. Seu idealizador e primeiro chefe foi o general Golbery do Couto e Silva, um dos principais ideólogos da doutrina de segurança nacional brasileira, como um plano de contra-insurgência interna para repelir e esmagar os movimentos de esquerda, considerados terroristas pelos golpistas. Um dos principais nomes do golpe, Golbery ganhou de presente do imperialismo norte-americano (promotor do golpe) a presidência da filial brasileira da Dow Chemical.

Emilio Garrastazú Médici, um dos mais sanguinários ditadores da história do País, sucedeu Golbery na chefia do SNI, entre 1967 e 1969. Ele e Carlos Alberto da Fontoura (justamente no governo Médici) foram responsáveis pelo período de maior atividade repressiva do órgão, na perseguição e espionagem em massa da população e de militantes de esquerda, na Operação Condor, de repressão política em escala continental, e tudo isso em estrito contato (ou melhor, comando) com a CIA. Já entre 1974 e 1978, o seu chefe foi João Batista Figueiredo, o último ditador militar (1979-1985).

Por sua vez, e paralelamente, o Gabinete Militar teve Ernesto Geisel como seu chefe em 1961 e depois entre 1964 e 1967, e também João Batista Figueiredo (1969-1974). Isso significa que todos os principais dirigentes militares da ditadura contra o povo são, historicamente, ligados diretamente à área de Inteligência.

O SNI foi extinto somente cinco anos depois do fim da ditadura. Em seu lugar foram criados o Departamento de Inteligência (DI), em 1990, e, em sua substituição, a Subsecretaria e Secretaria de Inteligência (SS e SSI), dois anos depois.

O DI significou uma mudança radical por parte do governo de Fernando Collor. Embora seus agentes tivessem todos trabalhado no antigo SNI, ele havia sido rebaixado de categoria (para departamento) e passado para o controle de uma entidade civil, a Secretaria de Assuntos Estratégicos. Além disso, seu primeiro diretor foi Flávio Duarte, um civil, que perdeu o status de ministro que os chefes anteriores tinham. Ademais, Collor cancelara os cursos da Escola de Inteligência. Obviamente tudo isso gerou descontentamento entre os militares.

O governo Collor, como se sabe, foi extremamente frágil e por isso a burguesia decidiu descartá-lo, com ajuda dos próprios militares, o que ficou nítido com a passividade do DI durante todo o processo de denúncias e impeachment de Collor, sem defendê-lo minimamente, e também do Gabinete Militar, que havia perdido o status semelhante ao de ministério.

Com a queda de Collor, o DI se transformou em Subsecretaria de Inteligência (SSI) em 1992, voltando para as mãos dos militares, assim como o Gabinete Militar passou a se chamar Casa Militar e seu chefe foi novamente alçado ao status de ministro de Estado.

Mesmo depois da ditadura, o serviço de inteligência permanecia controlado pela linha-dura dos militares, extremamente anticomunista. Como lembra Lucas Figueiredo, em seu livro “Ministério do Silêncio”, em meio à campanha eleitoral de 1994, a SSI produziu um relatório com informações falsas sobre um alegado acampamento do MST em que cubanos, nicaraguenses e alemães treinavam membros do MST para a luta armada de guerrilhas. O SSI vazou para a imprensa o falso relatório, que foi noticiado como verdadeiro e virou manchete do jornal reacionário O Estado de S. Paulo. Era uma tentativa, já naquela época, de criminalizar o MST e, ao mesmo tempo, prejudicar a candidatura de Lula nas eleições presidenciais. Foi um episódio da fraude que ajudou Lula a perder a eleição para o candidato da burguesia e do imperialismo, Fernando Henrique Cardoso.

No final do mandato de Itamar Franco, os militares o pressionaram para que a SSI se tornasse mais parecida com o extinto SNI, o que foi levado a cabo por FHC ao criar o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), no lugar da Casa Militar e da SSI.

Já no governo Dilma Rousseff, o GSI (que havia voltado a se chamar Casa Militar durante os governo Lula) perdeu o status de ministério e o controle da Abin. Os militares, no entanto, a partir de operações como a Rio + 20 e os Jogos Olímpicos, já na preparação do golpe, utilizaram o órgão para reestruturá-lo e treiná-lo para assumir sua importante função no poder, o que foi concretizado com Michel Temer, que recriou o GSI como ministério ligado diretamente à Presidência da República e concedendo o cargo de ministro-chefe a Etchegoyen – o homem forte e quem realmente segurou o governo Temer até o fim.

Analisando a história do GSI, desde sua criação como Estado-Maior do Governo Provisório, em 1930, nota-se que nunca deixou de ser comandado por generais, entre eles Geisel e Figueiredo. Ou seja, o setor de Inteligência do Estado é o núcleo político dos militares. Quando Dilma tirou poderes do GSI, esse foi mais um dos motivos para o golpe de Estado. Os militares queriam o controle direto da Inteligência, por isso – uma vez que um golpe sempre é dado com apoio ativo ou ao menos a permissão dos militares – impuseram a Temer a volta do GSI e o comando de um general linha-dura como Etchegoyen, principal articulador do golpe. Atualmente, além de ser o núcleo político dos militares, o órgão é, na prática, o núcleo político do governo, que se militariza cada vez mais. Conforme o desenrolar da crise do regime político e o seu endurecimento, o GSI (e sua ampliação, com a Força-Tarefa de Inteligência recém-criada, que agirá no governo Bolsonaro) poderá se tornar o núcleo político do golpe militar.

Agora, com o general Augusto Heleno escolhido por Bolsonaro para substituir Etchegoyen, em um governo de extrema-direita com militares em posições-chave e cada vez mais militarizado, a repressão tende a aumentar. É possível especular para onde irá Etchegoyen, que certamente será um nome de destaque no cenário de repressão. De qualquer forma, é nítido que, em toda a história, a área de Inteligência ficou responsável por detectar e eliminar o que, na doutrina de segurança nacional, se caracteriza como o “inimigo interno” do Estado antidemocrático: os movimentos populares, as organizações de massa, os partidos de esquerda e, inclusive, políticos da esquerda moderada. Tudo indica que essa política linha-dura será implementada de uma maneira cada vez mais aberta e às claras, num cenário perigoso que se aproxima com o total domínio do regime político pelos militares, e que a repressão poderá ser semelhante ou mesmo idêntica à da ditadura militar que durou 21 anos.

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