Lançado em 1950, o livro “Quarto do Despejo – Diário de uma Favelada”, da escritora Carolina Maria de Jesus, uma mulher negra e de origem humilde, a catadora de papel transformada em autora. Esta marcante obra, permanece imensamente importante e atual ao relatar nossa triste e evidente desigualdade social. No livro, ela apresentava, com relatos calcados em sua vida, a realidade miserável da favela do Canindé, às margens do rio Tietê. Seu livro de estréia, quando lançado, vendeu 10 mil cópias por volta de uma semana e chegou a ser traduzido em mais de duas dezenas de línguas. A simplicidade da elaboração de Carolina mostra a força de uma linguagem bela e essencial, que apresenta um depoimento de uma algo verdadeiramente belo e poético.
Depois que acabou saindo de cena, quando morreu em 1977, a vida surge como uma forma de ocupar um lugar que a escritora conquistou, mas que o tempo fez esquecer. Quem quiser ver os cadernos originais de Carolina Maria de Jesus deve ir até a cidade mineira de Sacramento, na região do Alto Paranaíba, onde ela nasceu em 14 de março de 1914 num local que ainda recendia, e de fato vivia, a lógica da escravidão. É lá que estão 37 volumes originais dos manuscritos da escritora. O verdadeiro quarto do despejo, narrado pela escritora, é sebento, violento, permeado por doenças, alcoolismo e fome. Sendo a tragédia que é mostrada fome, logo de início da obra, é definida como a escravidão dos tempos modernos e desvendando a catarse artística que nos faz compreender a verdadeira realidade.
Mas o livro também é cheio de reflexões de Carolina sobre o Brasil e a vida da mulher negra que como ela, trabalhava na maior parte do tempo como catadora de papel, que criava sozinha três filhos pequenos e era autora de dezenas e dezenas de cadernos, entre eles, um diário extenso, que virou o livro “Quarto de Despejo”, onde tem vários formatos, como cinema, teatro e até letra de música, pois sua história, para além de seu sucesso, é mesmo um resumo da desigualdade brasileira.
Carolina de Maria de Jesus era conhecida como língua de fogo, pois defendia a reforma agrária, fazia elogios à revolução cubana e praticamente com apenas seu conhecimento empírico, despertou inveja na burguesia afetada e ignorante, sendo uma comprovação literária precisa da vida de uma mulher negra. Uma escritora, cuja vida é, por si só, um signo, que exprimiram a radicalidade como destino de sofrimento e carência a transformar em beleza e significado, não deixando de haver muito mistério de ser negra, oriunda da raça-mão-de-obra. Mulher brasileira, lhe restou o verso e a literatura para construir a expressão de sua pena.