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Ele botou o seu bloco na rua

Há 26 anos morria o cantor Sérgio Sampaio

O cantor e compositor capixaba morreu em 1994. Foi rotulado como um artista "maldito" por se recusar a seguir as regras da indústria fonográfica.

“Eu Quero é Botar Meu Bloco Na Rua” foi a única música de grande sucesso popular de Sérgio Sampaio. Um enorme hit em 1972, quando entusiasmou o público que o assistia no VII Festival Internacional da Canção e se tornando a canção mais popular do carnaval de 1973.

Sérgio Sampaio foi um dos cantores “malditos” da música popular brasileira, um termo pejorativo, usado pela imprensa capitalista, para classificar aqueles artistas que se recusavam a seguir as regras do sistema com o fim de buscar o sucesso popular. Outros nomes que eram frequentemente incluídos nessa categoria eram gênios como Jards Macalé, Walter Franco e Jorge Mautner, tambem artistas inconformistas, extremamente cultos e articulados, que traziam um caráter experimental e confrontacional à sua música e uma forte atitude frente à ditadura.

Nascido na terra de Roberto Carlos

Sérgio Moraes Sampaio nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, no dia 13 de abril de 1947. Era filho de Raul, um sapateiro e fabricante de tamancos, compositor e maestro diletante que atuava à frente de várias bandas de música e Maria de Lourdes, professora primária. Por causa do pai Sérgio cresceu em um meio musical, repleto de instrumentos e partituras. Quando tinha 16 anos presenciou o pai compondo a música “Cala a Boca, Zebedeu”, canção que Sérgio viria a gravar muitos anos depois. Mas o pai era uma figura autoritária, disciplinadora e muitas vezes violenta. Sergio desenvolveu um crescente rancor pelo pai, o que, segundo relatos, se transformaria, quando adulto, numa aversão generalizada a todo tipo de hierarquia e disciplina forçada. Sergio aprendeu a tocar o violão com seus primos seresteiros. Apesar do pai maestro não se interessou por ter uma educação musical formal.

Na adolescencia trabalhou na sapataria do pai onde ouviu muito rádio, aprendendo a apreciar as vozes dos cantores da velha guarda como Orlando Silva, Silvio Caldas e Nelson Gonçalves, alem do trabalho dos locutores Luiz Jatobá e Saint-Clair Lopes, que Sérgio se esmerava em imitar. Aos 16 anos foi aprovado em um teste para locutor na rádio Cachoeiro. No ofício desenvolveu sua cultura musical e o seu hábito de ler jornais.

Chegando na cidade maravilhosa

Em 1967 partiu para o Rio de Janeiro encontrando um ambiente de plena efervescencia política e artística. Sampaio presenciou muitas manifestações de protesto contra a ditadura militar. Um desses episódios, acontecido em março de 1968, marcaria a vida do cantor: o assassinato do estudante Edson Luíz Lima Souto, morto pela PM no restaurante Calabouço, que atendia estudantes secundaristas carentes. Nesse restaurante estudantes discutiam a organização de uma passeata. O local foi invadido por soldados armados e um deles, o tenente Alcindo Costa, sacou sua pistola 45 e fez vários disparos, matando Edson Luis com um tiro no peito.

Sérgio Sampaio recordou do fato mais de dez anos depois dizendo: “naquele dia senti um ódio insanável”.

Sampaio começou a se apresentar na noite, alem de compor, mesmo em condições economicas bem difíceis. Em algumas épocas passou fome e dormiu em praças.

No final de 1971 Sergio Sampaio conheceu o produtor Raul Seixas, vulgarmente conhecido como Raulzito. Por aquela época Raul tinha lançado apenas um disco, “Raulzito e Os Panteras” em 1968, um disco bem na onda da jovem guarda. Com o fracasso do disco a banda se desfaz, mas Raul acabou conseguindo um cargo de produtor por intermédio do amigo Jerry Adriani. A função de Raul dentro da gravadora CBS era procurar por novos talentos.

Naquele mesmo ano de 1971 Sergio Sampaio lançou seu primeiro compacto, que tinha as músicas “Coco Verde” e “Ana Ruan”, com produção de Raul.

Raul Seixas

No final de 1971 saiu o LP “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta: Sessão das 10”, creditado à Sociedade da Grã-Ordem Kavernista. É um disco do agrupamento que tinha Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada. O disco, conceitual, foi concebido através das contribuições de Raul e Sergio. Raul queria produzir um trabalho anárquico e iconoclasta, que arrasasse todas as convenções musicais e sociais vigentes. Sergio queria um disco que “desse nojo”, “que fedesse”, enfim, um disco realmente que incomodasse o público.

A dupla compos muitas músicas e as ia submetendo à censura. Só que os censores estavam atentos e vetavam quase tudo que eles mandavam. Como último recurso a dupla teve que recorrer a músicas mais antigas, como foi o caso de “Chorinho Inconsequente” (uma das primeiras que Sérgio mostrou a Raul) e “Sessão das Dez”, alem de “Soul Tabarôa” de Antonio Carlos e Jocafi, que foi composta às pressas após convite de Miriam Batucada.

Logo após o lançamento do disco o presidente da gravadora CBS chamou Raul, Sergio e Edy para uma reunião. Ele deixou bem claro que não havia gostado do disco e que a CBS era uma gravadora popular e não de músicas experimentais ou intelectuais. Com isso o disco foi recolhido das lojas, menos de dois meses após o lançamento.

Em 1972 saiu o segundo compacto de Sergio, com as músicas “Classificados Nº1” e “Não Adianta”. “Classificados Nº1” traz críticas ao consumismo e às figuras repugnantes dos dedos duros da ditadura:

“Se você quiser saber se custa menos
Quiser saber quem vale mais
Leia os classificados, publicado nos jornais
Leia os classificados, publicados nos jornais

Ou então, entre na fila
Ou então, entre na fila
Ou então, entre na

Se você quiser saber se eu estou vivo
Quiser saber quem sabe mais
Leia os classificados, publicado nos jornais
Leia os classificados, publicados nos jornais

Ou então, entre na briga
Ou então, entre na briga
Ou então, entre na

Compre tudo mesmo que não lhe interesse
feicha os olhos, vire a mesa.
Onde é que eu estava mesmo, meu amor?

Se você quiser comprar a minha briga
trocar segredos pela minha paz
Leia os classificados, publicados nos jornais
Leia os classificados, publicados nos jornais

Compre tudo mesmo que não lhe interesse
feicha os olhos, vire a mesa.

Onde é que eu estava mesmo, meu amor?

Compre tudo mesmo que de tudo um pouco
Siga em frente, olha a direita, não pergunte, por favor!”

Finalmente…o sucesso popular

No ano de 1972 Sergio Sampaio iria experimentar o seu momento de grande sucesso popular. Ele inscreveu sua canção “Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua” na fase brasileira do VII Festival Internacional da Canção. Esse foi o último dos grandes festivais da música brasileira, uma edição conturbada, marcada pela extrema repressão militar e censura, incluindo a destituição completa de todo o juri, presidido por Nara Leão. Isto aconteceu após uma declaração de Nara, que fez duras críticas ao governo. O jornalista Roberto Freire, parte do juri original, foi arrancado do juri e brutalmente espancado pelos militares presentes. O festival revelou novos talentos como Ednardo, Fagner, Alceu Valença, Hermeto Paschoal, Raul Seixas, Ruy Mauriti, Renato Teixeira e Walter Franco.

“Eu Quero é Botar Meu Bloco Na Rua” não chegou a ficar entre as primeiras colocadas, mas foi incluida em um compacto lançado pela Philips. No outro lado do compacto estava a faixa “Diálogo”, cantada pela dupla Claudia Regina e Tobias, que ficou em segundo lugar no festival. No total esse compacto vendeu 500.000 cópias. O sucesso trouxe dinheiro ao cantor mas tambem despertou nele sentimentos contraditórios. Na época Sérgio não tinha banda, nem empresário ou qualquer estrutura por trás dele. Foi ficando desconfiado, paranóico. Para aproveitar o sucesso a gravadora Philips encomendou um LP, rapidamente.

Em 1973 saiu o album de estréia de Sampaio, tambem chamado “Eu Quero é Botar Meu Bloco Na Rua”, novamente produzido por Raul Seixas. São doze faixas, todas compostas por Sergio com a exceção de “Cala a Boca Zebedeu”, do maestro Raul Sampaio, pai de Sérgio. Apesar do conteudo exuberante, que incluia uma diversidade de estilos, do samba ao rock, a crítica principal é que não havia outro hit como “Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua”. Por conta disso Sergio tratou de não colaborar na divulgação do disco sumindo na semana de lançamento, não cumprindo uma agenda de apresentações em rádios e TVs. Sampaio não estava interessado ou não queria se encaixar no mecanismo do sistema. Com isso exagerava no consumo de alcool e outras drogas, o que lhe trouxe uma fama de temperamental e irresponsável e em seguida o rótulo de artista “maldito”.

Na Philips lançou ainda mais um compacto, com “Meu Pobre Blues” e “Foi Ela” em 1974. No ano seguinte foi para a gravadora Continental.

O “maldito”

Em 1976 saiu o segundo LP, “Tem Que Acontecer”, que muitos consideram seu melhor trabalho. Desta vez não há a variedade quase tropicalista do primeiro disco, focando mais no som do samba. A crítica foi em geral boa, mas novamente veio a constatação da falta de hits.

Após essa experiencia as portas das grandes gravadoras se fecharam. Só conseguiu fazer um novo disco em 1982, “Sinceramente”, lançado de maneira independente e financiado pela família de sua esposa, a arquiteta Angela. Os anos seguintes veem o cantor fazendo shows esporádicos em espaços alternativos e pequenos, mas ainda compondo frequentemente. O cantor vinha sofrendo há anos com uma pancreatite cronica, resultado de seus muitos anos de bebedeiras.

Acabou falecendo em 15 de maio de 1994 de uma crise aguda da pancreatite. Em 2006 saiu o CD “Cruel”, produzido e organizado por Zeca Baleiro, que reuniu músicas em que Sergio estava trabalhando quando morreu.

A obra de Sérgio Sampaio continua viva, presente nas inúmeras regravações de suas composições, nas vozes de cantores como Maria Bethânia, Zizi Possi, Erasmo Carlos, Luis Melodia, Chico César, Maria Alcina e muitos outros. Existe até o Festival Sérgio Sampaio, um evento anual reunindo artistas interpretando a obra do mestre. Já está em sua 14º edição.

Sérgio Sampaio gravou pouco, muito pouco. Deixou pouco mais de 70 músicas gravadas, mas muitas delas clássicos da MPB, apesar de muito pouco ouvidas. Mas de uma delas ninguem se esquece:

“Há quem diga que eu dormi de touca
Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga
Que eu caí do galho e que não vi saída
Que eu morri de medo quando o pau quebrou

Há quem diga que eu não sei de nada
Que eu não sou de nada e não peço desculpas
Que eu não tenho culpa, mas que eu dei bobeira
E que Durango Kid quase me pegou

Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender

Eu, por mim, queria isso e aquilo
Um quilo mais daquilo, um grilo menos disso
É disso que eu preciso ou não é nada disso
Eu quero é todo mundo nesse carnaval

Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender”

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