No último domingo (21), completaram-se 190 anos do nascimento de Luís Gonzaga Pinto da Gama, conhecido por Luís Gama. Nascido em Salvador em 1830, foi uma das principais figuras do movimento abolicionista no Brasil no século XIX. Jornalista, poeta, grande orador e advogado, travou a luta pela libertação dos escravos nos mais diversos “campos”.
Filho de Luísa Mahin, uma das principais lideranças de diversas lutas populares nas primeiras décadas do século na Bahia, inclusive, a revolta dos malês, Luís Gama, que nasceu livre, foi aos 10 anos vendido como escravo por dívidas do pai e nunca mais viu a mãe. Foi autodidata, tornou-se advogado praticamente sem diploma e foi um dos mais importantes poetas do romantismo brasileiro, um dos grandes poetas satíricos do país esquecido em notas marginais nas histórias da literatura e nas antologias poéticas.
Advogado, jornalista e político
Em 1864, inaugurou a imprensa humorística com o jornal “Diabo Coxo” com caricaturas ácidas sobre a sociedade da época. Em 1869, junto com Rui Barbosa fundou o jornal “Radical Paulistano”, no qual escreveram também Castro Alves, Martim Cabral, Joaquim Nabuco e Bernardino Pamplona, criado com o propósito de defender o abolicionismo, o republicanismo e o movimento liberal contra a monarquia. À mesma época escrevia para vários jornais O Diabo Coxo, O Cabrião, O Polichinelo, O Coaraci e outros.
Participou da fundação do Partido Republicano Paulista em 1873 e tornou-se líder da Juventude Abolicionista Republicana.
Mas, sem dúvidas, entre seus grandes feitos, os mais contundentes para o movimento abolicionista foram no âmbito jurídico da época. Cursou direito na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em São Paulo, na qualidade de ouvinte, pois como negro, foi hostilizado pelos professores e alunos, e não pôde se matricular regularmente. Ao se formar, conseguiu autorização para advogar como rábula, tendo seu registro como advogado reconhecido somente em 2002 pela OAB, 120 anos após sua morte. Segundo registros conseguiu a libertação, por vias jurídicas, de mais de 500 escravos.
Luís Gama utilizava toda sua formação e conhecimento jurídico como instrumento de luta nos tribunais, na imprensa, e nos discursos em que sua admirada oratória bradavam a sonhada liberdade aos negros cativos.
Invocava incansavelmente, entre outros elementos jurídicos, a Lei Feijó de 1831, que declarava “livres todos os escravos vindos de fora do Império” e impunha “penas aos importadores dos mesmos escravos”. No entanto, como não havia intenção de colocá-la em prática, o tráfico negreiro continuava sem qualquer obstrução.
Luís Gama, sempre bem embasado de provas de que a pessoa havia chegado no país após essa data, vinda da África, conseguia vitórias magníficas nos tribunais e a alforria dos cativos.
Grande poeta
É reconhecido ainda como um dos principais poetas do romantismo brasileiro, tendo como obra seminal em “Primeiras Trovas Burlescas do Getulino”. Getulino, era um dos pseudônimos que usava, além de Afro e Barrabrás.
Em um dos seus poemas mais conhecidos, na “Bodarrada” publicado nas suas Primeiras Trovas Burlescas, a poesia “Quem Sou Eu?”, Gama parece fazer um autorretrato:
“Faço versos, não vate, digo muito disparate. Mas só rendo obediência à virtude, à inteligência: eis aqui o Getulino…”.
O nome “Bodarrada” vem da palavra “bode”, que, na gíria da época significa mulato, negro.
Assim, Luiz Gama questionava:
“Se negro sou, ou sou bode, pouco importa. O que isto pode?”
E conclui sua poesia dizendo:
“Haja paz, haja alegria, folgue e brinque a bodaria. Cesse, pois, a matinada, porque tudo é Bodarrada!”
Quando da sua morte, em 24 de agosto de 1882, conta-se que cerca de 10% da população de São Paulo compareceu ao seu enterro, o qual foi registrado em detalhes por seu amigo Raul Pompeia.
Em 1930, por conta do centenário do seu nascimento, teve um busto erguido em sua homenagem no Largo do Arouche em São Paulo. Foi inscrito no livro dos heróis da pátria em 16 de janeiro de 2018.
Entre seus muitos epítetos, sem dúvidas o mais verossímil à sua luta abolicionista, condizente com sua própria história de ter sido, ele próprio escravizado quando criança, “o libertador de escravos”.