No dia 18 de abril, estreará nos cinemas Marighella, dirigido pelo ator baiano Wagner Moura. Em fase de pré-estreia, a obra já participará do 69º Festival de Cinema de Berlim – o Berlinale – um dos mais tradicionais da Europa. Baseado na biografia escrita por Mário Magalhães, Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo (Companhia das Letras, 2012), o filme tem no elenco Herson Capri, Luiz Carlos Vasconcelos, Bruno Gagliasso, Adriana Esteves e Seu Jorge – este último no papel de Carlos Marighella, líder da Ação Libertadora Nacional (ALN) assassinado pela ditadura em 1969. Em entrevista concedida por Moura ao Portal Brasil de Fato, o ator se posicionou claramente contra o golpe de Estado em curso, situando o filme no momento atual como parte da luta contra a direita e contra o regime de Bolsonaro.
A ditadura militar iniciada com o golpe de Estado de 1964 só encontraria seu fim em 1985. Ao lado do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que contou com Carlos Lamarca, da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), a ALN esteve dentre as mais relevantes organizações populares que pegaram em armas na luta contra o regime.
Baiano como Moura, Carlos Marighella (1911-1969) fora militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) desde o governo de Getúlio Vargas, período em que chegara a ser preso por um ano pela polícia política de Filinto Müller. Foi eleito deputado constituinte pelo Partido em 1946. Cassado, voltou à clandestinidade e exilou-se na China entre 1953 e 1954. Logo após o golpe militar, em 1964, foi ferido a bala e preso. Talvez por influência maoista, talvez sob os auspícios do regime cubano, Marighella abandonou a militância no PCB para formar a ALN, com características foquistas – teoria segundo a qual seria possível fomentar a revolução popular por meio focos de revolta conduzida por pequenos grupos guerrilheiros. Embora a ALN fosse bastante organizada e relacionada a movimentos internacionais, Marighella acabaria morto pela polícia fascista de Sérgio Paranhos Fleury em São Paulo em novembro de 1969, o que levaria à desagregação da Ação.
Tendo acumulado experiência prática de diversas ações, Marighella escreveu e publicou o Manual do guerrilheiro urbano em 1969 – um livro até hoje difundido entre movimentos de luta contra as forças de repressão estatais em todo o mundo. Embora a estratégia foquista tenha se mostrado ineficaz – como advertira Lênin – a iniciativa daqueles grupos de resistir ao regime militar em seu conjunto é digna do respeito de toda a esquerda do povo brasileiro. As organizações revolucionárias acabaram por pavimentar o ambiente de revolta que propiciou o surgimento dos movimentos de massas conduzidos sobretudo pelos operários e estudantes que, generalizando-se, culminariam na criação do PT, da CUT e na derrota do regime militar.
Ao fase da vida do líder político retratada no filme é justamente a correspondente aos cinco anos à frente da ALN. Wagner Moura ressalta que se trata de um híbrido entre drama histórico e filme de ação, mas que se trata de uma obra de ficção apenas baseada em fatos reais. Por exemplo, de modo reforçar a narrativa com o elemento da criminalização das lideranças populares, Marighella é encarnado pelo ator negro Seu Jorge. Embora fosse neto de uma escrava sudanesa, o militante do PCB era mulato.
Moura promete estrear o filme no acampamento do Movimento de Trabalhadores sem Teto (MTST) em São Bernardo, ressaltando que o cinema ainda é muito elitizado, e que seu objetivo é popularizar a obra, dando a conhecer seus protagonistas e a importância da resistência à ditadura militar. A partir do golpe de 2016 – propiciado também pela ascensão do fascismo no Brasil e no mundo –, Moura passou a sofrer ataques da extrema direita juntamente a todos os artistas de se esquerda que se posicionaram contra o a deposição de Dilma Rousseff e contra os ataques do imperialismo aos direitos da população. Na entrevista, lamenta: “triste o país que faz dos seus artistas o inimigos do povo: é um discurso muito característico do fascismo”, ressaltando que “os artistas que historicamente são pessoas ligadas a um pensamento mais progressistas são os primeiros a serem atacados”.
É o que vem ocorrendo sistematicamente desde 2016, no boicote estatal ao Ministério da Cultura, que Temer tentou e Bolsonaro conseguiu extinguir, passando pela feroz campanha do grupo fascista MBL a exposições de Arte Contemporâne até a ascensão do PSL aos cargos públicos no processo eleitoral mais fraudulento das últimas décadas.
Embora veja as armas de fogo como “um negócio horrível”, o ator é firme na defesa da legitimidade da luta armada dos movimentos populares contra o fascismo, ressaltando que “é muito cruel você ver analistas políticos hoje no Brasil que, sob a luz da história” condenam luta “de quem naquele momento, cerceado em todos os direitos básicos optou por enfrentar com força” a ditadura. Para Moura, “esse é um direito consolidado de qualquer povo: defender-se do totalitarismo, defender-se da opressão, do cerceamento da liberdade”.
O filme estréia sob um regime abertamente conduzido por militares, mas a ideia da eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República “ainda era uma piada” para Moura quando se iniciou sua produção. Em todo caso, dado o paralelo evidente não apenas com o regime golpista mas com a ascensão dos militares como homens de confiança do imperialismo, o filme tornou=se uma peça de resistência não apenas ao golpe de conjunto mas ao governo militar mais especificamente.
Indagado se ele e a equipe do filme temem as represálias da direita, Wagner Moura ressaltou que, durante as filmagens, grupos fascistas ameaçaram de invadir o set, e que o grupo se manteve coeso: hoje a caravana para o Berlinale, por exemplo, levará mais de 30 pessoas envolvidas na produção que fazem questão de prestigiar o evento. O diretor de Marighella arremata: “Pra porrada? Eu tô preparado”.