Concorre ao Urso de Ouro, no Festival de Berlim, o filme brasileiro “Todos os Mortos”, dirigido e escrito por Caetano Gotardo e Marco Dutra, e distribuído pela Vitrine Filmes. O filme trata sobre a época imediatamente após a abolição da escravidão no Brasil, especificamente em São Paulo no ano de 1899. A premissa do filme de terror é a de exploração das mudanças sociais na sociedade escravagista brasileira da época que se sucedeu à da abolição, seguindo então, entre outras tramas, a vida de uma família latifundiária branca e rica, que são os Soares, e simultaneamente, a da familia de uma ex-escrava, os Nascimento, que servia esses latifundiários.
Passados 11 anos da assinatura da Lei Áurea, a trama esboça um panorama da sociedade republicana em construção no Brasil, tão marcada pelas chagas da escravidão. E com o foco nas mulheres dos clãs, protagonistas da obra. “Elas vivem numa espécie de confinamento não só físico, ambas presas ao passado, numa cidade que surge e se prepara para o progresso” diz Marco Dutra, um dos diretores. O outro diretor, Caetano Gotardo, completa: “A gente fez o filme pensando na necessidade de entender a realidade brasileira, a forma como lidamos com o outro. É importante refletir que as relações de classe e raça desenhadas naquela fase da nossa história repercutem bastante no nosso panorama atual”.
O progresso seria o desenvolvimento capitalista da cidade de São Paulo e o desmoronamento de uma classe de ricos latifundiários que sobreviviam dos ciclos econômicos Brasileiros devido à sua incapacidade de se adaptar ao novo cenário econômico e social, afinal, a partir do momento que se estabelece um regime democrático burguês, todos são iguais perante a lei, mais as realidades econômicas segregam mesmo assim. A violência natural veiculada pela segregação de classes sociais representa o terror concreto da vida do ex-escravo brasileiro que o filme busca explorar. Além de sua contribuição à compreensão geral da questão do negro no Brasil no momento atual.
Além de “Todos os Mortos”, outros 3 filmes também foram selecionados para outras mostras internacionais, como “Meu nome é Bagdá”, Cidade Pássaro” e “Apiyemiyekî”. Vale a pena lembra do total descaso com o investimento na cultura brasileira, em especial o cinema, que neste ano viu um ataque rancoroso com o fechamento da Escola de Cinema Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro e com o abandono da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, que corre risco de incêndio, inclusive. Mesmo com a politica de sucateamento da cultura brasileira, é possível ver a valorização que o cinema brasileiro ganha internacionalmente. Marco Dutra, um dos diretores, reitera: “O importante é continuarmos nos inspirando para garantir nosso espaço nestes festivais e nosso ritmo de produção”