Por quê estou vendo anúncios no DCO?

Victor Assis

Editor e colunista do Diário Causa Operária. Membro da Direção Nacional do PCO. Integra o Coletivo de Negros João Cândido e a coordenação dos comitês de luta no estado de Pernambuco.

Romance e safadeza

Faz gostoso e ainda põe leite condensado

Esquerda pequeno-burguesa oscila entre amor ao bolsonarismo e a crítica moral às suas práticas ilícitas

Nos dias de hoje, quase cem anos após a marcha sobre Roma, muitos ainda se perguntam como Benito Mussolini conseguiu chegar ao poder e como Adolf Hitler chefiou a Alemanha por uma década. De fato, levando em conta que, no início do século XX, os operários italianos ocuparam milhares de fábricas, desmoralizaram o aparato repressivo inteiro, e que os alemães chegaram a fazer uma revolução, os fatos posteriores pareceriam inexplicáveis. Mas há explicação.

Isso porque, naquela época, existia a mesma esquerda pequeno-burguesa com a qual fomos agraciados nos dias de hoje. Com os mesmos vícios, os mesmos truques e a mesma conversa mole. No caso italiano, onde o improviso era muito maior, os parlamentares, em várias oportunidades, fizeram do seu próprio corpo um tapete para que o Duce desfilasse. Quando os valentes Arditi del Popolo formaram milícias armadas com mais de 20 mil pessoas e fizeram os fascistas recuarem, o deputado Giacomo Matteotti cunhou sua famosa frase: “é preciso ter a coragem de ser covarde”. E, para coroar sua capitulação, o Partido Socialista começou a espalhar calúnias contra os Arditi del Popolo e acordou uma trégua com Mussolini em julho de 1921.

A esquerda pequeno-burguesa da primeira metade do século XX era incapaz, por um problema de classe, de romper com a burguesia, tendo se tornado um fator de sustentação do regime fascista. E, pelo que vemos hoje, a esquerda permanece atolada nas mesmas limitações.

Se tem alguma coisa que os dois primeiros anos do governo Bolsonaro deixaram claro é que não existe uma oposição real da esquerda em relação à extrema-direita fascista. Porque, na medida em que as principais organizações da esquerda são dirigidas por elementos pequeno-burgueses, viciados no aparato estatal, sua histeria e sua política coincidem com o mesmo interesse que leva a classe média direitista a apoiar Bolsonaro: a sustentação de seus privilégios às custas do sangue e do suor da classe operária.

Para a pequena burguesia fascista, Bolsonaro é o mito. Já a esquerda pequeno-burguesa, que muito faz questão de mostrar sua boa reputação diante das câmeras, repudia moralmente o presidente ilegítimo. Mas tudo não passa do joguinho de aparências que é a sociedade burguesa: no fundo — bem no fundo — a esquerda pequeno-burguesa nutre um amor enrustido por Bolsonaro.

Por mais que a esquerda esconda, chega uma hora em que esse amor todo vem à tona. Valério Arcary, dirigente do Resistência/PSOL, abriu um champanhe quando o Twitter decidiu censurar seus usuários: “nenhuma liberdade para os inimigos da liberdade”! Já o deputado Orlando Silva, sentindo-se num papel mais ativo, relatou a repressiva Lei das fake news na Câmara dos Deputados, dando plenos poderes para que o Estado, aos moldes da ditadura militar, censurasse todos os seus inimigos. Excitado com a Lei relatada por Orlando Silva, o ex-candidato a prefeito Guilherme Boulos (PSOL) acusou abertamente o PCO de ser financiado para divulgar “fake news”, em uma tentativa de incriminar a esquerda que deixaria Bolsonaro com inveja.

Não podemos esquecer também que Marcelo Freixo, representante da Rede Globo no PSOL, votou a favor do Pacote Anticrime do fascista Sergio Moro. E que, por falar em Sergio Moro, o youtuber Jones Manoel, hoje filiado ao PCB, publica semanalmente pelo menos uma mensagem defendendo que a esquerda ingresse na Polícia Federal. Na mesma Polícia Federal comprada pelo imperialismo que ajudou a dar o golpe que Jones Manoel apoiou…

A famosa vacina contra o coronavírus — o coelhinho da Páscoa é famoso, mas também não existe — rendeu outros vários momentos em que a esquerda demonstrou todo o seu afeto pelo fascistinha que hoje ocupa a cadeira de presidente da República. Em uma frase que inspiraria Hitler, a deputada Perpétua Almeida, do PCdoB, declarou que as pessoas que não tomassem vacina “podiam parar de circular até que toda a população, que vai tomar a vacina, esteja imunizada”. Nem todos foram tão longe em pedir cadeia para quem não quisesse furar o braço. Contudo, a exaltação da santa vacina foi praticamente uma unanimidade entre a esquerda: de Ciro Gomes, do PDT, a Manuela D’Ávila, todos se ajoelharam perante o Instituto Bum Bum Tam Tam para gozar do momento histórico que teria sido a primeira vacinação contra a COVID-19 no Brasil. Baixaram as calças esperando a vacina salvadora, sem saber que as estava arriando para Doria e sua política bolsonarista…

Não há limites para o apoio ao programa truculento, reacionário e fascista do bolsonarismo. Ou melhor, há: a chata, hipócrita e nojenta moral da burguesia. A esquerda recatada, em seu romance com Bolsonaro, admite tudo. Menos que a sua “safadeza” venha a público. E, como a moral é sempre relativa e está dissociada dos problemas mais importantes da classe operária, as “safadezas” do governo Bolsonaro são somente aquelas que são também criticadas pela própria classe dominante. Hoje, o grande escândalo do governo, de acordo com a esquerda pequeno-burguesa e a imprensa capitalista, seria a compra excessiva de leite condensado…

A campanha da esquerda em torno do leite condensado, no tanto que é hipócrita e inútil, é também irritante. Como é toda campanha que a esquerda fez contra o governo: os “laranjas” de Bolsonaro, “onde está Queiroz?”, a cloroquina etc. E o mais estúpido disso tudo é que, enquanto perdem tempo procurando Queiroz, os sábios da esquerda estão, neste momento, se confraternizando com bandidos muito mais perigosos. Enquanto pregam contra a cloroquina, estão celebrando uma vacina forjada por um psicopata, que é o governador João Doria, em conjunto com os monopólios da sinistra indústria farmacêutica. Honestamente, não faria muita diferença se a esquerda estivesse, hoje, promovendo uma campanha para que o povo tomasse cloroquina, aplicada por Queiroz…

A farsa é tão grande que até mesmo Ana Maria Braga apareceu para fazer demagogia com o leite condensado. Afinal, criticar o leite condensado, qualquer um pode. É, por definição, uma política da frente ampla: em vez de organizar uma mobilização efetiva contra o programa da direita e da extrema-direita, a esquerda corre atrás da política mais reacionária e cretina possível. Uma política onde caiba até mesmo as receitas de Ana Maria Braga. E, como vimos no caso das eleições no Congresso, na frente amplíssima, cabe até o próprio Bolsonaro. A frente ampla, no fim das contas, só tem um adversário definido: a esquerda.

Não se trata mais de ingenuidade. A situação política já é suficientemente clara. O “fora Bolsonaro e todos os golpistas” já era a política do povo desde o terceiro mês do governo, quando, durante o carnaval, tanto se gritou contra o presidente ilegítimo. Se Marcelo Freixo, que anunciou a abertura de uma CPI contra os gastos do governo, quer engolir o leite de Bolsonaro como desculpa para a sua atividade parlamentar ridícula, é por sua própria conta. Não tem nada a ver com o povo.

Chegamos aqui a um problema fundamental. Toda vez em que a esquerda se depara diante de um problema político concreto, ela não se posiciona. Porque, finalmente, não tem uma disposição de lutar contra a extrema-direita, mas somente de pegar carona na demagogia da direita nacional para se manter no regime. E com essa postura, a única coisa que consegue é manter Bolsonaro no poder. Mas para a esquerda, isso não é um problema. Às escuras, longe do seu eleitorado, não quer largar Bolsonaro. Desde que, vez ou outra, o presidente ilegítimo apareça com uma latinha de leite condensado para adoçar a sua política, está tudo certo.

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.