O Brasil de Fato obteve, por meio da Lei de Acesso à Informação junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em dezembro passado, um número surpreendente com relação ao controle de terras brasileiras por estrangeiros.
Esse número atinge a casa dos 3,94 milhões de hectares de terras no Brasil, todas elas controladas por pessoas físicas nascidas no exterior, empresas estrangeiras ou empresas brasileiras equiparadas, com sócios estrangeiros. Deste total registrado, 2,2 milhões de hectares estão nas mãos de pessoas físicas e 1,72 milhões são controlados por pessoas jurídicas.
Fora deste registro, entretanto, é possível, também, segundo informa o órgão, encontrar terras adquiridas ilicitamente ou por “laranjas”, que, como se sabe, são pessoas que se apresentam oficialmente como compradoras, mas, secretamente, representam os verdadeiros investidores interessados na aquisição, como, por exemplo, é o caso da compra de 750 mil hectares por um fundo de pensão privado de professores dos Estados Unidos (TIAA-CREF, na sigla em inglês) e pelo fundo de investimentos da Universidade de Harvard. Esses fundos, desde 2008, se utilizavam da Radar Propriedades Agrícolas, para efetivar a compra de terrenos e burlar a legislação. Considerados estes, o número inicial de terras brasileiras controladas por estrangeiros aumentaria em 20%. E, certamente, como esses há vários outros casos.
Distribuídas pelo Brasil, é o Sudeste, com 33% do total, onde se concentra o maior número dessas terras, notadamente 25% em Minas Gerais. Depois temos: 22% Centro Oeste; 16% Nordeste; 15% Sul; e 14% Norte. Depois de MG, Mato Grosso, São Paulo, Bahia, Paraná, Pará e Goiás aparecem na sequência no quadro de classificação. As demais unidades da federação possuem menos de 100 mil hectares sob controle estrangeiro. Alagoas, com 724 hectares, é a última da lista.
Considerando apenas os imóveis controlados por pessoa jurídica estrangeira ou empresa nacional equiparada, a destinação mais comum das terras, segundo o Incra, é reflorestamento (771 imóveis). Pecuária e agricultura, permanente ou temporária, somam 401 propriedades. Na sequência, aparece a mineração, com 49 áreas.
Não se pode pensar que as aquisições de terras são outra coisa que não a acumulação nervosa e sem escrúpulos de especuladores imobiliários e capitalistas de vários setores interessados no lucro e mais nada. A mineração, inclusive, escreveu um capítulo trágico nesta história. Sob controle de capital estrangeiro, ela foi responsável por três dos maiores crimes socioambientais da última década: os vazamentos da Samarco, em 2015, em Mariana (MG), da Hydro Alunorte, em 2018, em Barcarena (PA), e da Vale, em Brumadinho (MG), em 2019. Esta última, por exemplo, explorava naquele ano cerca de 4 milhões de hectares no Brasil, mas nenhuma das três consta na lista de aquisições e arrendamentos porque os contratos têm outra natureza – concessões, licenças e requerimentos para atividades de pesquisa, lavra e exploração.
Além de aquisições arranjadas com “laranjas”, as aquisições de terras muitas vezes encontram vias mais sinistras. A APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), quem divulgou dados relatando 57 óbitos de indígenas por Covid, todos da etnia Terena, que é a terceira maior afetada do Brasil, divulgou um manifesto onde ela ressalta uma cumplicidade destrutiva, denunciando as violações dos direitos indígenas, que são financiadas por grandes corporações globais como BlackRock, Citigroup, JP Morgan Chase, Vanguard, Bank of America e Dimensional Fund Advisors, que investiram mais de US $ 18 bilhões, apenas de 2017 a 2020, em empresas cujas atividades envolvem invasões, desmatamento e violações dos direitos indígenas na Amazônia, e em todo lugar onde esses grupos conseguem enxergar uma vantagem. Se se interessam pela área, entram em cena e financiam a destruição do meio ambiente e violam os direitos indígenas, de trabalhadores rurais, como os sem terras, em áreas de posse, e outros espalhados pelo Brasil e pelo mundo afora.
De fato, o terreno diversificado da luta pela terra e a propriedade privada pelo imperialismo e a burguesia é marcado pela diversificação no ataque, com enfrentamento em todos os lados, sendo um destes também a aprovação de legislação que a conduza em direção a um poder absoluto, favorecendo uma minoria ligada à burguesia e o imperialismo, ou, por outra lado, que limite e relativize os interesses da coletividade.
Hoje, no Brasil, a legislação que trata da aquisição de terras por estrangeiros é a Lei nº 5.709, de 1971, e só permite a aquisição de terras por estrangeiros residentes no Brasil, empresas já autorizadas a funcionar no país, ou pessoas jurídicas brasileiras, cuja maior parte do capital social pertença a estrangeiros.
Mas, em dezembro passado, o PL 2.963/2019 de autoria do senador Irajá Abreu (PSD-TO), que integra a bancada ruralista e é filho da senadora e ex-ministra Katia Abreu (PDT-TO), foi aprovado no Senado com um texto que flexibiliza as regras e diminui as restrições, como, por exemplo, o que autoriza que estrangeiros comprem até 25% da área dos municípios brasileiros, ou incluir pessoas físicas e empresas estabelecidas fora do território nacional, mesmo sem sede no Brasil.
Outros setores críticos também do PL, argumentam que mais investimentos estrangeiros significam aumento da demanda por áreas no Brasil, o que puxaria os preços das terras – e dos alimentos – para cima. Ou seja, essa elevação do custo de produção seria repassada, em grande medida, aos consumidores.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em total desacordo com a proposta, avalia que a flexibilização traz riscos, não só para a soberania nacional, mas para a segurança alimentar dos brasileiros. Hoje, o país tem 100 milhões de hectares de terras agricultáveis e 4,5 milhões de sem-terra.
Também tramita no Senado, com apoio declarado de 27 parlamentares, um terço da Casa, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 80/2019, de autoria do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que altera as regras de cumprimento da função social da propriedade. Na prática, o texto facilita especulação imobiliária – tornando o abandono de imóveis algo regular, por exemplo – e torna quase impossível a desapropriação de imóveis, ao estabelecer a necessidade de aprovação do poder legislativo. Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), o projeto é inconstitucional.
Movimentos sociais veem ataque contra lutas por moradia e reforma agrária. As organizações e movimentos de esquerda precisam se apropriar desse conteúdo para enxergar os reais interesses desses golpistas, e se unir, não só para a defesa da soberania nacional, mas em defesa dos direitos à vida, à dignidade humana, e ao patrimônio público, que atinge a todos os trabalhadores rurais e urbanos, que de norte à sul do Brasil são atacados e assassinados pelos agentes imperialistas em associação com os latifundiários nacionais.